17 Agosto 2023
"O trânsito da Mãe de Deus é visto e apresentado quase como uma celebração litúrgica em que os apóstolos concelebram em torno do leito de Maria, que se torna também o altar onde repousa o corpo da Mãe de Deus".
O comentário é do teólogo e padre Manuel Nin, exarca apostólico e professor do Pontifício Colégio Grego, de Roma, publicado por Il Sismógrafo, 15-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Testemunhas de Cristo e instrumentos de seus mistérios. A tradição litúrgica siro-ocidental celebra, juntamente com todas as outras liturgias cristãs, a festa do Trânsito da Mãe de Deus em 15 de agosto. Enquanto a tradição bizantina usa quase exclusivamente o termo "Dormição" para a festa deste dia, a tradição siro-ocidental usa repetidamente nos textos litúrgicos vários termos que podem ser traduzidos como "trânsito", "êxodo" (ambos também sinônimos de morte), “translação”, “sepultura” e, finalmente, também os termos “assunção”, “migração para o céu”. Os livros litúrgicos preveem um jejum de catorze dias antes da festa, período que torna similares a festa da Mãe de Deus com a própria Páscoa do Senhor, e a prepara com a oração assídua por meio de vários textos que destacam a dimensão penitencial do período: "Dai-nos, Senhor Deus, a ajuda que vem de ti, para que com jejum, vigília, oração e abstinência nos preparemos para a festa do Trânsito de sua Mãe Santíssima da terra para o céu..." A tradição siro-ocidental, desde o início, contemplou a Mãe de Deus sempre inseparavelmente inserida no mistério do Verbo de Deus encarnado, e disso os textos da liturgia tornam-se uma bela mistagogia.
Quero ressaltar nestas linhas alguns aspectos que encontramos nos vários textos do ofício siro-ocidental.
Em primeiro lugar, a atual festa da Mãe de Deus é apresentada como uma fonte que faz jorrar alegria para toda a criação, para os anjos e para os homens: "Que o trânsito da pura e santa Mãe do nosso Salvador alegre os anjos e os habitantes da terra...; os apóstolos celebram a sua sagrada liturgia, e as hostes dos seres de fogo e de espírito com as almas dos justos dispõem a procissão rumo à sua sepultura". A liturgia também mostra muito claramente como aquela que hoje morre e é colocada em um sepulcro é realmente a Mãe do Doador da vida que se encarnou em seu ventre: "Hoje a legião dos vigilantes espirituais e dos seres de fogo com todas as legiões de anjos honram o dia do transito da Virgem Maria, filha de Davi, a mãe que gerou Deus".
Em segundo lugar, deve-se ressaltar a longa lista de títulos cristológicos que a liturgia siro-ocidental confere à Mãe de Deus nesta festa, pela boca dos homens que a louvam da terra e dos anjos que a acolhem no céu. Os primeiros a cantam como: "Tu és a esposa perfeita e a Mãe pura, fonte de benefícios, que não conheceu as núpcias, fonte de benefícios e navio carregado das alegrias que dás ao mundo benefícios indescritíveis...".
Os anjos no céu ainda a louvam assim: "Bem-vinda és tu, ó Mãe bendita e esposa pura! Louvor a ti, morada do Espírito Santo e câmara nupcial do Rei celeste, vinha fértil que deu o cacho da alegria, cujo vinho embebe toda a criação, mesa abençoada que ofereceste o pão da vida". Um dos textos das Vésperas ainda fazendo uma exegese própria do texto de Mt 13,33, a canta dizendo: "Tu és o fermento da vida misturado com as três medidas de trigo que é o Verbo de Deus". Duas imagens "videira fértil" e "fermento de vida" que têm também uma forte dimensão eclesiológica.
Em terceiro lugar, a liturgia retoma do Protoevangelho de Tiago o tema que também encontramos presente em outras liturgias cristãs, ou seja, a chegada milagrosa dos apóstolos, vindos também de países distantes, para a celebração do Trânsito de Maria: "Dia abençoado em que a Mãe chega ao Filho, dia em que os apóstolos carregam o seu corpo, e a terra se despede dela com alegria. Aquela que carregou o Senhor Altíssimo em seu ventre morre como os outros homens...; Pedro, o primeiro dos apóstolos e que tem as chaves do Reino carrega seu sarcófago, e Gabriel o primeiro dos anjos canta diante de seu corpo". A presença dos apóstolos e dos anjos ao redor do corpo de Maria também repropõe a própria sepultura e ascensão de Cristo: “Os apóstolos, vindos de países distantes e alguns saindo de suas tumbas, reuniram-se para sepultar o teu precioso corpo... Eles viram os céus abertos e os anjos descendo para te honrar”. E é novamente o evangelista João que hoje na sepultura de Maria ocupa o lugar que Nicodemos teve na sepultura de Cristo: "João veio para sepultar o corpo puro da Bem-aventurada; como Nicodemos sepultou o corpo de seu Filho, também agora o corpo puro e resplandecente filho do trovão enterrou seu corpo. A legião dos apóstolos acompanhou a alma resplandecente daquela que é a Mãe do Filho de Deus".
O trânsito da Mãe de Deus é visto e apresentado quase como uma celebração litúrgica em que os apóstolos concelebram em torno do leito de Maria, que se torna também o altar onde repousa o corpo da Mãe de Deus: "Quando chegou o dia em que a Bem-aventurada estava para deixar este mundo para aquele novo e imortal, pediu com insistência a seu Filho Jesus que enviasse os apóstolos que ela desejava ver antes de partir; de fato, ela desejava receber a bênção daqueles que haviam sido testemunhas de seu Filho e instrumentos de seus mistérios”. A liturgia, portanto, consegue dar uma bela imagem dos apóstolos como aqueles que são testemunhas da paixão, da morte e da ressurreição de Cristo, e instrumentos, celebrantes dos Santos Mistérios.
Toda a obra da redenção é proposta novamente na oração conclusiva da véspera da festa: "Glória ao Pai que escolheu Maria entre todos os povos e engrandeceu o dia de seu trânsito. Adoração ao Filho, que para o sepultamento de sua Mãe reuniu profetas, apóstolos e patriarcas reunidos. Louvado seja o Espírito Santo por meio do qual ela alcançou o descanso desejado. Em seu trânsito ela se deleita com seu Filho".
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A Festa do Trânsito da Mãe de Deus na tradição siro-ocidental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU