12 Outubro 2024
"José Comblin continua a fulgurar como uma das grandes testemunhas cristãs de nosso tempo. Relançando sua pessoa, seu testemunho e sua contribuição teológica esta obra é uma excelente contribuição que merece atenção e estudo", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
José Comblin: 100 anos de vida (Santuário, 2024, 128 p.), livro organizado por Alzirinha Souza e Edelcio Ottaviani, se insere no âmbito das comemorações do centenário de nascimento de José Comblin (1923-2011) e é fruto amadurecido da III Jornada José Comblin, organizado em junho de 2023 pelo Grupo de Pesquisa José Comblin (PUC-SP) e pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Os organizadores pontuam que “esta obra nasce de duas constatações importantes: a primeira faz referência a duas formas de tratar a história. Podemos abordá-la de forma a esquecer, anular sua própria construção ou fazer memória de pessoas e eventos. A segunda constatação decorre da primeira, faz referência à percepção de que alguns desses eventos ou pessoas se tornarem verdadeiros acontecimentos que redirecionam o rumo da história” (p. 7).
Os capítulos deste escrito apresentando o teólogo belga incrustado em uma delimitação cronológica trazem elementos do pensamento de José Comblin relidos por meio de um cronograma-teológico, que permite visualizar os elementos-chave de desenvolvimento de sua teologia ao longo de sua trajetória geográfica e intelectual, desde a Bélgica até a América Latina onde dedicou maior parte de sua vida pessoal, pastoral e intelectual.
Na primeira parte Brasil 1957-1965: chegadas e partidas (p. 13-52), Dr. Edelcio Ottaviani destacando os aspectos teológicos, missionários e educativos de Comblin classifica-o como “atento à leitura dos sinais dos tempos” (p. 15-41); e, por sua vez, o doutorando em Teologia Anderson Frezzato analisando os anos de 1962-1965, precisamente, o período que transcorreu sua vida no Chile o qualifica como “uma testemunha epocal do Concílio Vaticano II (p. 43-52).
Na segunda parte Brasil 1972-1980: conflitos e profecia (p. 53-82), o doutor em História Adauto Guedes Neto partindo da obra Teologia da Missão escrita por Comblin em 1980 apresenta as reflexões de Comblin sobre o tema missão, mas para além de suas considerações teológicas, busca, referenciado em tais elaborações, relacionar momento vividos pelo teólogo na América Latina que se coadunam com as perspectiva de missão como testemunho, especialmente entre o período de sua chegada ao Brasil, em 1958, e sua expulsão, no ano de 1972 (p. 55-61). Na sequência, o doutor em Ciência da Religião Elenilson Delmiro dos Santos tece considerações sobre o primeiro projeto de Comblin em solo paraibano, o Seminário Rural. Para isso, nestas páginas o referido autor faz uma apresentação do conflituoso contexto rural dos anos de 1970 e início dos anos 1980, pois foi nesse ambiente de conflito, no qual o arcebispo paraibano, Dom José Maria Pires, esteve fortemente envolvido e no qual se deu a chegada de Comblin. Num segundo momento, se faz o regate da história do Seminário Rural como um modelo de formação presbiteral alternativo, centrado no mundo camponês, e que teve como referencia para seus trabalhos o método da Teologia da Enxada. Num terceiro momento, procura-se perceber como a União Democrática Ruralista (UDR) representou uma ameaça aos trabalhos desenvolvidos pelo Centro de Formação Missionária (CFM), - projeto formativo que fora iniciado em 1983, logo após o fechamento do Seminário Rural, por causa da negativa do Vaticano em reconhecer a proposta de formação sacerdotal voltada para o ambiente rural (p. 63- 82).
Na terceira parte Brasil 1980-2011: caminhos teológicos à luz do Espírito (p. 83-98), a doutora em Teologia Alzirinnha Souza destacando o período que se segue a seu regresso à Bélgica em 1972 até o momento de sua morte em 2011 situa o desenvolvimento e a consolidação da pneumatologia de José Comblin (p. 85-98). Para a autora no pensamento combliniano “não há como pensar o Espírito separado da ação” (p. 86). Pontua, ainda, que “ainda que a etapa de consolidação apareça mais claramente a partir dos anos 1980 e 1990, o tema do Espírito Santo não é novo em sua obra. Observando a sua metodologia de trabalho, caracterizada pela volta aos mesmos temas em momentos distintos (o que nos permite afirmar que Comblin escreve em processo), e analisando seu conjunto, podemos afirmar que, embora seja abordado por distintas perspectivas de forma inconstante, o tema do Espírito perpassa continuamente seu pensamento” (p. 86).
Na quarta parte intitulada 2010 aos dias atuais: herança teológica (p. 99-122), a doutora em Teologia Rita Maria Gomes apresenta a contribuição bíblica da teologia de José Comblin (p. 101-115). Pontuando que “Comblin fazia teologia conjugando o chão da vida, a reflexão acadêmica e a prática bem fundamentada pela Bíblia” (p. 101), a autora traz a contribuição do teólogo belga a partir de alguns de seus livros e artigos. Observa que quanto aos livros produzidos por Comblin pode-se dizer que eles são basicamente voltados para a teologia paulina e nos artigos é notável a compreensão de que a base da reflexão bíblica de Comblin vem de sua vivência missionária. Na continuação, o historiador Eduardo Hoornaert observa que a percepção de três intuições são úteis para a leitura das obras de Comblin: a) o passado glorioso da Igreja católica não volta mais; mesmo assim, b) esse passado teima em voltar; e nessa conjuntura, c) temos de escutar o que nos diz o Espírito Santo (p. 117-122).
No Posfácio (p. 123-125), Alder Júlio Ferreira Calado projeta Comblin em seu legado, desde o chão da amada “Pátria Grande”.
No entender de Domingos Zamagna ao prefaciar esta obra José Comblin foi testemunho palpável do amor de Deus entre nós, da inteligência acadêmica a serviço dos pobres (p. 9-11). Registra que “Padre José Comblin foi um intelectual, um sacerdote, um sábio, um profeta [...] pois fez de sua vida uma intensa e dificílima missão de anúncio e denúncia, da interpelação, da leitura dos sinais dos tempos, interpretados à luz da Palavra de Deus. De um Deus que quis ter a feição de uma nova humanidade, sem a crueldade do legalismo, do culto das aparências, das frivolidades” (p. 9).
É, por isso, uma presença necessária para o tempo presente conforme Souza e Ottaviani (p. 7). Os textos apresentados revelam a atualidade e a riqueza de sua atualidade teológica e prática, para pensar os grandes desafios sociais e eclesiais de nosso tempo. Ainda, segundo os organizadores esta obra cumpre o papel de aproximar o leitor do amplo universo que constitui José Comblin. Por meio dela, diferentes públicos tem a oportunidade de entrar em contato com um pensamento rico no diálogo entre teologia e outras áreas do saber e contemplar o esforço de um pensador que articula continuamente palavra e vida.
José Comblin continua a fulgurar como uma das grandes testemunhas cristãs de nosso tempo. Relançando sua pessoa, seu testemunho e sua contribuição teológica esta obra é uma excelente contribuição que merece atenção e estudo.
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Livro 'José Comblin: 100 anos de vida'. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU