Racismo, vingança e corrupção formam a tríade geradora de mortes cometidas pela polícia. Entrevista especial com Camila Vedovello

Doutora em sociologia afirma que a imprensa é cumplice da violência pulverizada por que não questiona a lógica da guerra como política de segurança. “Só quando extrapola o perfil “matável” - como o homem jogado da ponte, criança morta e jovem com surto psiquiátrico executado - aí temos a pauta e o engajamento dos jornais”.

Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil

Por: Elstor Hanzen | 30 Dezembro 2024

O rompimento da violência que assola a sociedade, como os recentes casos de mortes de crianças, jovens, agressão à mulher em metrô e arremesso de um homem de uma ponte por agentes de segurança, passa por uma mudança no paradigma de segurança pública, ligada à lógica da guerra. Para Camila Vedovello, o atual modelo é galgado no racismo, vingança institucional e corrupção policial, do qual o governo de São Paulo é o principal expoente, com um secretário de Segurança que é investigado por 16 mortes enquanto policial. “Hoje, a política de segurança pública paulista oficializa a violência e a letalidade, sem que seja necessário um agrupamento de policiais”.

A socióloga e professora evidencia que neste tipo de política o tiro sai pela culatra. “As ações policiais violentas e a letalidade policial não garantem em nada uma maior segurança da população. Ao contrário, quanto mais violenta for a polícia, mais insegura fica a sociedade”. Ela ressalta que uma polícia violenta tem seu alvo na própria população, mais intensamente a alguns grupos sociais. As ditas “guerras”, como guerra às drogas, geram ações policiais como operações que adentram os territórios periféricos, causando medo, ferimentos e mortes dos moradores dessas localidades”. A morte do menino Ryan, de 4 anos, assassinado no início de novembro, é um exemplo.

Camila Vedovello chama a atenção para outro ponto, nesta entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas UnisinosIHU. “É urgente e necessário ter uma regulamentação firme sobre campanhas eleitorais e candidaturas de agentes ligados às instituições policiais”. Aponta ser muito preocupante o aumento de candidatos e de parlamentares oriundos de ambiente policial. “Esses candidatos normalmente trazem a farda como mote político e utilizam a ideia da polícia e da militarização, do combate e da guerra como forma política”.

Os meios de comunicação são outro vetor neste cenário de violência policial, segundo a doutora em sociologia. “De modo geral, é perceptível que os jornais em seus editoriais, por exemplo, não costumam questionar as violências policiais”, pontua. Diz que são poucos e sempre os mesmos jornalistas que fazem a cobertura policial e, muitas vezes, banalizam a violência e a truculência do meio policial. “Mortes decorrentes de intervenção policial ocorrem todos os dias nas periferias brasileiras, vitimando o mesmo perfil: homens jovens e negros, considerados “suspeitos”. Essas violências pulverizadas não se transformam em pautas nem são questionadas”. Com isso, há um apoio dos meios de comunicação a essa perspectiva de segurança pública pautada pela guerra.

A especialista em segurança pública também salienta que as prisões estão saturadas e acabam servindo de recrutamento para o crime organizado. “A prisão produz mais crime e violência no Brasil e não garante segurança. Precisamos pensar alternativas à prisão, assim como já se pensa há bastante tempo possibilidades aos manicômios”, argumenta.

Camila Vedovello | Foto: Arquivo Pessoal

Camila Vedovello é doutora em sociologia pela Unicamp, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política e CriminologiaPolcrim e professora da rede pública estadual.

Confira a entrevista.

IHU – Como avalia os casos de violência policial em São Paulo no atual governo Tarcísio? O que eles indicam?

Camila Vedovello – Antes de falar do governo Tarcísio e da atual crise de segurança pública que enfrentamos, cabe trazer um pouco da historicidade da violência policial paulista. A violência policial não se inaugura no governo Tarcísio, temos diversos estudos e casos de violência policial há muito tempo em São Paulo.

Teresa Caldeira, em seu livro Cidade de Muros, traz dados sobre mortes e ferimentos em ações da polícia militar entre os anos de 1981 e 1997. A pesquisadora faz um levantamento sobre civis mortos durante ações policiais nesse período. Em 1991, tivemos 1140 e, em 1992, 1470 pessoas assassinadas durante ações da Polícia Militar no estado de São Paulo. Em 1992, mais precisamente em 2 de outubro, ocorreu o massacre do Carandiru, vitimando no mínimo 111 pessoas que estavam encarceradas e sob a custódia do Estado.

O coronel Ubiratan, que estava à frente da operação, candidatou-se ao cargo de deputado estadual em 2002, utilizando 11190, embora negasse que o número 111 seria uma referência as pessoas executadas no massacre do Carandiru. Esse número trazia para a população um recado. O recado de que a política do coronel Ubiratan estava relacionada à produção de mortes. Em 1997, tivemos o caso da Favela Naval, em que uma filmagem em fita VHS revelou a violência policial que estava sendo direcionada aos moradores dessa localidade.

Em 2006, não podemos esquecer, foi o ano em que ocorreram os crimes de maio, vitimando mais de 500 pessoas em todo o estado de São Paulo. O Relatório dos Crimes de Maio apontou que as execuções realizadas durante o período próximo ao Dia das Mães, daquele ano, estavam relacionadas a ataques da polícia contra o PCC e a operações de vingança de agentes de segurança pública, um contra-ataques do primeiro comando a policiais e bases da polícia. De modo a estabelecer uma vingança contra esses ataques, agentes de segurança pública executaram centenas de pessoas em todo o Estado. Eu trago esse histórico para lembrar que a violência policial paulista tem raízes.

IHU – Essa violência é ampliada e intensificada conforme o governo?

Camila Vedovello – É importante notar que nos últimos anos a letalidade policial estava em decréscimo, e o número de homicídios geral em São Paulo atingiu, nos últimos tempos, números muito baixos em relação ao país. Quando Tarcísio entrou em campanha, ele estabeleceu uma discursividade relacionada à guerra. Já em um ato de campanha em Paraisópolis em um confronto, um jovem de 27 anos foi assassinado e viralizou um vídeo do então candidato ao governo do estado Tarcísio se refugiando de um suposto confronto em um espaço fechado, performando uma discursividade da guerra.

Ao indicar Derrite para a Secretaria de Segurança Pública, o governador passa uma mensagem ao corpo policial do Estado. Derrite é um ex-policial expulso da Rota por ser considerado muito violento e foi investigado por 16 mortes durante sua atuação enquanto o policial.

O discurso contra câmeras corporais, levantado por Tarcísio, a troca de comando de Batalhões de Polícia, a escolha de Derrite como secretário de Segurança Pública, as falas públicas do governador durante as operações Escudo e Verão deram o tom de uma política de segurança pública pautada pela violência. Isso extrapola o monopólio estatal legítimo da violência e insere toda uma corporação na possibilidade de atuar através da violência policial e da letalidade policial.

Os últimos casos de violência policial e letalidade policial que estão aparecendo através de produções imagéticas pela população civil apontam para o fato de que o discurso da guerra e da violência exacerbada ganhou tanta aderência entre agentes de segurança pública que o governador perdeu o controle sobre o corpo policial.

IHU – Nos últimos pleitos, tem crescido o número de candidatos oriundos do ambiente policial. A que atribui esse fenômeno e o que ele indica a curto e longo prazo tanto para a política quanto para a elaboração e gestão de políticas de segurança pública no país?

Camila Vedovello – É muito preocupante o aumento de candidatos e de parlamentares oriundos de ambiente policial. Esses candidatos normalmente trazem a farda como mote político e utilizam a ideia da polícia e da militarização, do combate e da guerra como forma política. Esses discursos encontram aderência social em uma lógica perversa do jargão “bandido bom é bandido morto”, em que a figura do bandido é frequentemente atrelada às populações negras e periféricas.

Essas figuras que se alçam na política a partir do discurso policial, trazem para políticas públicas pautas ligadas ao punitivismo, ao encarceramento em massa e à liberação de armamentos. É urgente e necessário ter uma regulamentação firme sobre campanhas eleitorais e candidaturas de agentes ligados às instituições policiais. A farda não deve ter atrelamento a partidos políticos, visto que as polícias são instituições de Estado.

IHU – Você afirma que as chacinas passaram a ser praticadas por encapuzados e depois por desencapuzados em São Paulo. Como e por que aconteceu isso?

Camila Vedovello – Durante meu doutorado em Sociologia na Unicamp, pesquisei as chacinas que ocorreram na cidade de São Paulo e nas cidades da Região Metropolitana entre as décadas de 1980 e 2020. A pesquisa foi realizada por meio de buscas em jornais, visto que chacina não possui tipificação penal e há, assim, muita dificuldade em encontrar dados sobre essa forma de execução.

Em cerca de 24% das notícias de chacinas entre 2009 e 2020, havia indícios de participação de agentes de segurança pública nesses eventos. Os dados levantados me permitiram elaborar um modus operandi das chacinas. Havia uma performatividade em um jogo de “aparece e esconde”, em que os executores, quando ligados às polícias, usavam balaclavas, ao mesmo tempo que deixavam o coturno aparecer ou gritavam “é a polícia!”.

Já em 2019, no Massacre de Paraisópolis, temos uma chacina em que os agentes de segurança adentram um território para sufocar um baile funk durante uma Operação Policial.

Entre 2023 e 2024, as operações Escudo e Verão foram iniciadas após a morte de agentes de segurança pública. As ações tiveram uma alta letalidade policial, com indícios de execuções. Essas operações são chacinas policiais legitimadas pelo Estado, em que os executores não precisam estar fora do horário de trabalho e encapuzados, como na performatividade anterior. Pois, agora, há por parte do Estado a legalização das vinganças estatais.

IHU – Os grupos de extermínios foram “oficializados” dentro das polícias?

Camila Vedovello – É difícil chamar o que ocorre hoje como “grupos de extermínios oficializados”. Acredito que o que acontece hoje é muito mais do que grupos de extermínio, agrupamentos que se juntam para cometer execuções. Agora a violência policial e a ação policial pela execução se pulverizaram em ações cotidianas do policiamento ostensivo. Nesse sentido, o que ocorre hoje é maior do que grupos de extermínio que já vimos anteriormente, como o “Esquadrão da Morte”, que atuou durante a ditadura militar, ou os “Highlander” e o “Eu Sou a Morte” que atuaram mais contemporaneamente.

O Esquadrão da Morte estava ligado à Polícia Civil e às ações repressivas durante a ditadura. Em suas ações, o Esquadrão da Morte estabeleceu a métrica de dez civis executados para cada agente de segurança que fosse atingido ou assassinado. Mais contemporaneamente, os grupos de extermínio estavam relacionados à determinados batalhões. Os policiais desses batalhões se organizavam para realizar execuções. Hoje, a política de segurança pública paulista oficializa a violência e a letalidade, sem que seja necessário um agrupamento de policiais. Um policial que acredita que sua ação pode ser violenta se sente, mesmo sozinho, liberado para agir de forma cruel.

IHU – A onda de violência e crueldade policial em diferentes estados tem causas e fatores semelhantes?

Camila Vedovello – Existem alguns elementos que compõe a violência policial brasileira, a primeira delas que podemos citar é o racismo institucionalizado nas corporações. Trago isso a partir de dados do Anuário 2024, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que indicou que, em 2023, 87,2% das vítimas de letalidade policial no Brasil eram negras. Um exemplo de como a população negra é vista prioritariamente como suspeita e, portanto, mais vulnerável à violência policial, foi a Ordem de Serviço da PM de Campinas, que circulou em dezembro de 2012. Ela dizia textualmente que as abordagens policiais deveriam ter como foco “indivíduos de cor parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos”.

Além do racismo, cito as vinganças institucionais. Um dos geradores da letalidade policial é a vingança contra a população civil que reside ou circula em território onde agentes de segurança foram feridos ou assassinados, esse dado é perceptível em todo território brasileiro. E, por fim, trago as formas de corrupção policial, como extorsões, achaques e vendas de proteção a grupos criminais.

Portanto, embora podemos colocar que existem inúmeras variáveis que podem ser elementos para a letalidade policial, e que as conflitualidades de cada território são importantes para compreender como a letalidade policial se desenha em cada estado e cidade do país, é importante termos que os três elementos: racismo, vingança institucional e corrupção policial formam uma tríade geradora de mortes cometidas por agentes de segurança pública em serviço.

IHU – Práticas violentas e agressivas de ações policiais trazem maior insegurança do que segurança à sociedade?

Camila Vedovello – É interessante notar que ações policiais com emprego de violência possuem um determinado apoio popular, alicerçado em um populismo penal. A máxima “bandido bom é bandido morto” é aceita por parcela da população. A exemplo disso, trago um estudo realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e CidadaniaCesec , em 2017, que entrevistou uma amostra da população carioca para compreender a aderência social ao “bandido bom é bandido morto”. 37% dos entrevistados concordavam com essa máxima, e 55% acreditavam ser provável ou muito provável serem vítimas de violência policial.

As ações policiais violentas e a letalidade policial não garantem em nada uma maior segurança da população. Ao contrário, quanto mais violenta for a polícia, mais insegura fica a sociedade. Uma polícia violenta, costuma estabelecer a população civil como inimiga interna e pauta as suas ações através de motes como combate e guerra, que incidem sobre a própria população.

As ditas “guerras”, como guerra às drogas, geram ações policiais como operações que adentram os territórios periféricos e racializados de forma ostensiva, causando medo, ferimentos e mortes dos moradores dessas localidades. As mortes de crianças, como do menino Ryan, de 4 anos, assassinado no início de novembro, na Baixada Santista, são exemplos dessas ações.

IHU – Estados como a Bahia, governado por forças progressistas nos últimos anos, estão entre os índices de maior letalidade policial. O que essa realidade indica sobre o modo como governos de esquerda têm enfrentado a violência e elaborado políticas de segurança pública?

Camila Vedovello – Em 2015, ocorreu em Salvador a Chacina do Cabula, em que a PM executou doze pessoas em um bairro periférico da capital baiana. Naquele momento, o Estado da Bahia era governado por Rui Costa, que hoje é ministro da Casa Civil e defendeu à época a atuação dos policiais, colocando que não haveria ilegalidade na ação que resultou em chacina. O então governador Rui Costa chegou a fazer a seguinte declaração sobre a atividade policial: "É como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol".

A realidade da alta letalidade de estados como a Bahia, governado há décadas pela gestão do PT, nos mostra que os governos brasileiros de esquerda ou progressistas pautam as políticas de segurança pública em moldes muito parecidos dos governos de centro e de direita. Não há enfrentamentos diretos à violência policial e à letalidade policial, assim como as políticas de encarceramento estão conectadas como encarceramento em massa. É necessário que se rompa com esses modelos e se pense segurança pública de forma mais ampla do que a ostensividade policial.

IHU – Há estados hoje que podem ser considerados exemplos positivos na gestão da segurança?

Camila Vedovello – O Brasil, no geral, é um país violento e que possui uma polícia violenta e letal. Um grande problema que temos em relação à segurança pública é o baixo índice de esclarecimento dos homicídios.

Um programa de segurança pública que ganhou a mídia a partir de impactos positivos, foi o Pacto pela Vida, criado em 2007, em Pernambuco, que tem o objetivo de reduzir os crimes violentos letais intencionais em 12% ao ano. Embora o programa tenha logrado êxito nos números de mortes no geral, o pesquisador Vitor Santos Oliveira atenta para o fato de as Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) continuaram aumentando em Pernambuco, atingindo prioritariamente a população jovem e negra. Ou seja, mesmo em casos positivos, como o de Pernambuco que reduziu os assassinatos no geral, não conseguiu tocar de fato na violência policial, que é um tema essencial para pensar segurança pública.

IHU – Sua pesquisa também pontua a relação entre imprensa e polícia. Como isso acontece? De que modo a imprensa corrobora ou questiona as políticas de segurança pública e ações violentas por parte da polícia?

Camila Vedovello – Em minha pesquisa de doutorado, busquei parte dos dados sobre chacinas em notícias de jornais, além de levantar reportagens sobre a chacina da torcida organizada Pavilhão Nove, para compreender como essa violência estava sendo pautada e quais os discursos estatais eram propagados.

De modo geral, é perceptível que os jornais em seus editoriais, por exemplo, não costumam questionar as violências policiais. Os questionamentos e pautas sobre essas violências e letalidade policial são realizadas cotidianamente por um grupo específico de jornalistas que estão há décadas cobrindo políticas de segurança pública que se pautam pela violência policial e pela guerra. São esses poucos e mesmos jornalistas, conhecidos dos pesquisadores da violência e segurança pública que bancam essa pauta. Os jornais acabam dando um maior destaque à essas pautas, quando elas extrapolam a cotidianidade.

Mortes decorrentes de intervenção policial ocorrem todos os dias nas periferias brasileiras, vitimando o mesmo perfil: homens jovens e negros, considerados “suspeitos”. E essas mortes são justificadas pela perspectiva de uma guerra contra às drogas e o crime, mas que na realidade é uma violência muito direcionada a grupos sociais racializados. Essas violências pulverizadas não se transformam em pautas ou são questionadas. Só quando extrapolam o perfil “matável”, aí temos a pauta e o engajamento dos jornais.

Quando um homem é jogado de uma ponte por um policial, quando uma dona de casa leva um soco no rosto dado por um PM, ou quando um rapaz em surto psiquiátrico é executado com nove tiros no centro da cidade de São Carlos, como ocorreu há pouco, o questionamento é realizado porque se quebra a perspectiva de que a ação policial resultou em morte devido a um confronto próprio da guerra urbana contra às drogas e ao crime. Há um apoio dos meios de comunicação a essa perspectiva de segurança pública pautada pela guerra.

IHU – Segurança pública deve ser bem mais ampla do que operações policiais. Como avalia a política e a atuação do governo federal na área?

Camila Vedovello – Infelizmente, a política de segurança pública do governo federal caminha no sentido da ampliação da ostensividade das polícias, como a proposta da PEC da Segurança que visa transformar a Polícia Rodoviária FederalPRF em Polícia Ostensiva Federal, ampliando seus poderes em relação, não só à fiscalização das rodovias, mas de prestação de auxílio emergencial e temporário para as forças de segurança estaduais ou distritais.

No caso da PRF, não podemos nos esquecer de dois eventos recentes em que agentes dessa instituição estavam envolvidos. O primeiro deles, a tortura e assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, por asfixia, em uma rodovia de Umbaúba, no Sergipe, e o segundo evento foi a participação ativa da PRF na tentativa de golpe de estado. Ampliar os poderes ostensivos da PRF pode ampliar a letalidade policial nacional.

A política de segurança pública federal deveria pautar de forma rígida o esclarecimento dos homicídios e de desaparecimentos forçados. É urgente ampliar os índices de elucidação dos homicídios brasileiros, assim como ter um esforço nacional em relação aos desaparecimentos.

IHU – A forma de segurança e justiça galgada no tripé culpa, lei e prisão não está, de certa forma, esgotada, uma vez que há prisões superlotadas e pouco resultado de reinserção social? Como avalia este sistema? Há modelos alternativos?

Camila Vedovello – O encarceramento em massa, que é o modelo de punição brasileiro, é um fracasso e se mostra extremamente cruel. Nossas prisões estão superlotadas de homens jovens e negros, com baixa escolaridade. Essa seletividade penal racista que temos hoje é basilar da política de genocídio da população negra brasileira. É necessário pautar o desencarceramento e pensar políticas alternativas à prisão. A pesquisadora Juliana Tonche tem discutido há bastante tempo a questão da justiça restaurativa.

Precisamos pensar alternativas à prisão, assim como já se pensa há bastante tempo possibilidades aos manicômios. O desencarceramento é necessário porque o encarceramento brasileiro é cruel, é racista e não garante segurança. Ao contrário. É, muitas vezes, dentro do sistema prisional que os jovens são arregimentados para grupos criminais. Como diz o Gabriel Feltran, cada jovem que está atuando no varejo do tráfico que é morto ou encarcerado, é logo substituído nas ruas por outro e, dentro do sistema penitenciário, esse jovem tem que se ligar a alguma facção. A prisão produz mais crime e violência no Brasil e não garante segurança.

IHU – Como romper com a lógica da violência, tanto no âmbito policial quanto social?

Camila Vedovello – Como fui tratando ao longo dessa entrevista, o rompimento com as lógicas de violência que assolam nossa sociedade, passa por uma mudança no paradigma de que segurança pública está ligada à lógica da guerra.

É necessário compreender e tratar sobre como essa guerra está intimamente associada a uma perspectiva racista, em que os inimigos dessa guerra, são vistos como matáveis e, que, portanto, podem ser abatidos. Esses inimigos são a população negra e periférica. Efetivamente, a violência policial, a violência social e o proibicionismo são construções do racismo brasileiro, que é extremamente refinado. Se há um combate justo e necessário que temos que enfrentar para efetivarmos a nossa segurança pública, esse combate é ao racismo.

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