07 Abril 2011
"Obrigado, Padre José Comblin, por não se deixar vencer pela força opressiva, dos "donos da verdade", dos rostos carregado de hipocrisia, daqueles que pensam que a Igreja é uma instituição na qual somente os "santos’ podem participar", escreve Daniel Andrés Baéz Brizueña, padre da diocese de União da Vitoria – Paraná.
Daniel Andrés Baéz Brizueña é licenciado em Teologia e Ciências das Religiões pela Universidade Santo Tomás de Aquino de Buenos Aires e licenciado em Letras pela Universidade Estadual do Paraná - Campus União da Vitoria (UEPR).
Eis o artigo.
O teólogo Padre José Comblin, 88 anos, morreu na manhã de domingo, 27 de março, no interior da Bahia, onde ministrava um curso para comunidades de base.
Quando conheci o Padre Comblin, alguns anos atrás, ainda cursava teologia em Buenos Aires. Ele já estava com o rosto cansado, mas com o espírito jovem. Suas palavras não só cativavam a platéia, mas também inquietavam, pois, surgiam da experiência viva do evangelho.
Para muitos pode ser um herói, para outros, não deixa de ser um marxista incômodo no seio da Santa mãe Igreja, Católica, Apostólica e Romana. A notícia de sua morte, morte que para ele não significava o fim, mas a continuação de seu testemunho de sua generosa entrega em prol de uma igreja libertária e libertadora.
Nascido em Bruxelas, na Bélgica, em 1923, Comblin foi ordenado padre em 1947. Fez doutorado em teologia pela Universidade Católica de Louvaina e chegou ao Brasil em 1958. Em Recife, a convite de Dom Helder Câmara, foi professor no Instituto de Teologia daquela cidade.
Expulso do Brasil em 1971 pelo regime militar, Padre Comblin exilou-se no Chile durante oito anos, de onde também foi expulso em 1980, pelo general Pinochet. Voltando ao Brasil, foi morar na Paraíba, em Serra Redonda. Estudioso da Igreja da América Latina, escreveu obras como a "Teologia da Enxada", uma corrente teológica surgida em 1969 na Igreja Católica do Nordeste do Brasil que tem como base a reflexão a partir da vivência cristã e teológica nas comunidades pobres.
Para os mais pessimistas e conservadores, o Padre Comblin representava uma voz inquieta, um defensor dos pobres e um Padre que dizia a verdade a ser dita sem muitas voltas. Nas últimas eleições gerais do ano passado, você, caro leitor, deverá se lembrar, quando um grupo de Bispos da ala conservadora da Igreja Católica, queria instrumentalizar, politicamente a Igreja em favor de um candidato conservador da linha do "Opus Dei", que defendia "a moralidade e a família". Os bispos dessa ala conservadora queriam manipular de forma ingênua o povo usando a ideologia da direita conservadora e autoritária. Ousadamente lançaram panfletos tentando impedir a conscientização das "ovelhas". É sempre melhor ter "ovelhas bem obedientes e bem arrebanhados", mas, o Padre Comblin, fiel a sua consciência de profeta dos "sem vez e do sem voz" da nossa sociedade Brasileira, denunciou com coragem e sem medo de "represálias" a falta de caráter e de criticidade desses bispos, que em vez de formar a consciência critica do povo, queriam a alienação e a "obediência cega" do rebanho.
Por outro lado, para os otimistas, ou para os assim chamados "progressistas" de forma pejorativa na "Igreja Católica", os que sonham com uma Igreja em constante "renovação", uma igreja mais viva e "samaritana", servidora da humanidade com voz profética de justiça e libertação, o Padre Comblin, fiel ao seu mestre de turno o saudoso Dom Hellder Câmara, do qual herdou a coragem e a ousadia de ser cristão de consciência crítica sem jamais ter medo da verdade, neste sentido, dom Elder Câmara, com sua simplicidade e alegria foi sempre o seu grande inspirador. O senhor, Padre Comblin, é digno de ser chamado de herói.
Obrigado, Padre José Comblin, pelo seu testemunho de fé, pela sua simplicidade em nos lembrar em cada obra literária (dos muitos livros que o senhor escreveu) o rosto de um Jesus humano, divino, amante dos pobres e um lutador pela justiça e libertação das opressões dos poderosos deste mundo.
Obrigado, Padre José Comblin, por não se deixar vencer pela força opressiva, dos "donos da verdade", dos rostos carregado de hipocrisia, daqueles que pensam, que a Igreja é uma instituição na qual somente os "santos" podem participar. Principalmente, admirava no senhor sua coragem de assinar seus pronunciamentos e seus vários livros com as seguintes palavras: "José Comblin, padre e pecador".
Obrigado, Padre José Comblin, por nos lembrar que "o Deus da esperança, da libertação e da alegria" encontramos todos os dias no rosto dos explorados e esquecidos da nossa sociedade brasileira.
Naquele fugaz encontro que tive na Universidade de Buenos Aires, com este Teólogo singular, ao qual me referi no começo deste artigo, ainda, guardo anotações de sua palestra; em uma passagem, o Padre Comblin dizia: "Deus torna-se fraco porque ama. Quem mais ama é sempre mais fraco. Não será essa a grande característica das mulheres? Quase sempre amam mais, e, por isso, sofrem mais. Porém, nessa fraqueza consentida não estará a maior liberdade? Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo, todo o desejo de prevalecer, toda a preguiça de aceitar maiores desafios. Exige mais de si própria, vai mais longe, além das suas forças. "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos’ (Jo 15.13). Aí está também a expressão suprema da liberdade" e continuo-o: "Deus bate na porta e aguarda. Se não é atendido, afasta-se e continua o caminho. Somente entra se é convidado. Depende do convite da pessoa. Deus torna-se pedinte, suplicante".
Obrigado, Padre José Comblin, por ser um "homem de Deus" autêntico, que com simplicidade, alegria e coragem, jamais deixou de gritar em favor de uma Igreja mais humana e autêntica, na qual, "bem-aventurados são os pobres em espírito, porque deles é o reino, anunciado e proclamado por Jesus, com gestos e palavras concretos". E que você testemunhou com coragem sem medida até a sua morte.
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Obrigado, Padre José Comblin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU