09 Agosto 2024
"José Comblin escolhe viver entre os pobres e contribuir pela luta pela libertação, tarefa que implicava questionar a teologia e a tradição eurocêntrica, e fazer uma releitura do cristianismo e da caminhada da Igreja", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em resenha do livro A profecia de José Comblin vive: na teologia, na Igreja e na humanidade, 07-08-2024.
O testemunho vem sendo tratado como um ponto fundamental da evangelização contemporânea. Diferentemente da época dos grandes pregadores ou dos renomados missionários, cresce a compreensão de que a vida cotidiana é um locus teológico. Sob a perspectiva teológica do testemunho a obra A profecia de José Comblin vive: na teologia, na Igreja na humanidade (Paulus, 2024, 285 p.) de autoria de Miguel Debiasi, no contexto do centenário de seu nascimento, em 2023, ressalta que o “legado combliniano transcenderá”, ou seja, as proféticas vida e obra intelectual de José Comblin vivem e viverão pelos tempos futuros da teologia, da Igreja e da humanidade.
Debiasi nota que um dos mais brilhantes teólogos e sacerdotes dos séculos XX e XXI, José Comblin viverá na memória dos que o conheceram e daqueles que estudam a sua trajetória, pautada em seu trabalho dedicado à evangelização. Com o passar do tempo, seu singular legado continuará despertando admiração em seus amigos e nos leitores, bem como os estimulará para a reflexão e a vivência da fé evangélica e profética. Sua vasta produção intelectual, formada por diferentes conteúdos da teologia latino-americana, será objeto de permanentes visitas e pesquisas, e da publicação de inúmeras obras. Seu ministério presbiteral profético, servindo os pobres e as minorias sociais, continuará a desconstruir o clericalismo, o centralismo eclesiástico e a pastoral de conservação. Comblin continuará sendo o paradigma teológico, eclesial e humano da liberdade e da libertação, do olhar voltado às periferias e à práxis do Evangelho do Reino de Deus.
Livro A profecia de José Comblin vive: na teologia, na Igreja e na humanidade de Miguel Debiasi
Frente a tudo isso, a vida missionária, a produção intelectual, o testemunho evangélico e a presença memorial indelével de José Comblin são apresentados pelo autor em quatro capítulos.
A primeira parte desta obra apresenta alguns elementos decisivos para identificar a personalidade de José Comblin, e que, de certo modo, refletem o ambiente sociocultural da família e o contexto sociocultural da família e o contexto político-econômico de seu país, Bélgica, e da Europa. Os elementos preliminares do primeiro capítulo As opções decisivas de José Comblin (p. 13-34), apresentam as referências do contexto europeu, local de origem do padre e teólogo Comblin, como um acontecimento que lhe permitiu precisas vivências e leituras, pelas quais clareou critérios pessoais, eclesiais e teológicos para seu projeto de vida presbiteral e teologal. Debiasi observa que na clara evidência de seu contexto nada esperançoso, optou por um lugar social a fim de exercer o ministério presbiteral e teologal, isto é, estar junto aos povos da América Latina. Nas páginas deste capítulo são organizados os elementos culturais, que permitem ao leitor e à leitora percorrer o caminho aberto por Comblin, de modo a vislumbrar as razões de ele ter preferido viver a vida toda entre os pobres do terceiro mundo. Essa escolha já demonstra o espírito profético que o guiou na sua caminhada de padre, teólogo e testemunha do Evangelho.
Comblin é classificado por Debiasi como “profeta de uma nova teologia” (p. 35-108), referindo-se ao teólogo e padre José Comblin como mestre da cátedra de renomadas instituições de teologia da América Latina e da Europa. Mestre de profunda sabedoria teológico-bíblica, mas também sociológica e antropológica, ele percebeu, nas circunstâncias históricas do povo e da Igreja latino-americana das décadas de 1950 a 1970, a tarefa de teologizar segundo a Escritura e a realidade do empobrecido. A reflexão do segundo capítulo, portanto, busca configurar a perspectiva teológica no pensamento de Comblin, focando em cinco pontos: as raízes da nova teologia: como a bíblica e a histórica; o método da nova teologia: como histórico-crítico; a necessidade de uma nova perspectiva teológica para o novo tempo da civilização; a profecia da nova teologia, como sinônimo de uma libertação plural; e quanto à inserção cultural evangélica, Comblin desenvolve uma pedagogia teológica libertadora. A intenção de Debiasi neste capítulo não é o de apresentar um balanço da produção teológica de Comblin, mas em deter-se na sua originalidade e averiguar as novas perspectivas para formar um conceito de teologia do futuro.
Por sua vez, o terceiro capítulo apresenta José Comblin como o “profeta de uma nova Igreja missionária” (p. 109-182). Debiasi destaca que, ao regressar ao Brasil, em 1980 e nas décadas seguintes, Comblin dedica seu labor intelectual e a maior parte de seu tempo à Igreja e à formação de leigos e leigas. Estabelecido no povoado de Serra Redonda- PB, de agosto de 1980 a novembro de 1995, em profunda sintonia com o Evangelho, o padre procurou seguir o caminho indicado pelo Concílio Vaticano II, construir a Igreja, Povo de Deus, na esperança de que os pobres se libertariam pela força e sabedoria da Palavra de Deus. As páginas deste capítulo procuram, assim, configurar a nova Igreja no pensamento teológico de Comblin. Debiasi nota que há um vasto conteúdo teológico combliniano que proporciona uma abordagem ampla para a renovação da Igreja latino-americana, que, em relação à realidade, se constitui numa profecia e, por isso, apresenta o Concílio Vaticano II, com evidência e destaque para a noção da Igreja, Povo de Deus, sobre a qual Comblin refletiu amplamente. Esse evento conciliar, que atingiu a Igreja toda, proporciona condições para a valorização dos ministérios eclesiais e a ampla atuação pastoral do laicato. São princípios teológicos, com a interpretação genuína do Evangelho, a opção preferencial pelos empobrecidos e a missão eclesial junto às minorias. Nessa perspectiva, Debiasi faz também a exposição de outro princípio teológico, o Espírito Santo, o qual guia e dinamiza a Igreja, Povo de Deus e traz uma abordagem da inserção evangélica e da pedagogia eclesial transformadora, uma vez que essas condições, para Comblin, são imprescindíveis para a nova Igreja.
Por fim, o último capítulo Profeta de uma nova humanidade (p. 183-270), formula a teologia e a eclesiologia combliniana em função da nova humanidade, considerando a esperança de um “outro mundo possível” em que as pessoas demonstrem ousadia de viver de forma integral a mensagem do Evangelho. A reflexão de Debiasi busca oferecer ao leitor a vasta produção intelectual ou a diversidade de saberes de Comblin, alguns fundamentos teológicos, filosóficos, antropológicos, sociológicos que conferem densidade ao desenvolvimento da humanidade e a cada ser humano. Numa primeira aproximação, são citados elementos de sentido de humanidade, nação e história para a construção de uma noção de nacionalismo planetário. Noção essa não como ideologia justificadora de posições nacionalistas, mas para tornar pleno o amor e a esperança cristã a partir de um compromisso mais radical e eficaz de caráter universal. Convém, por isso, segundo Debiasi, retomar, em segundo lugar, a argumentação teológica pela libertação da consciência religiosa das pessoas, comunidades eclesiais e dos povos. Trata-se de indagar a significação da experiência religiosa que, no curso da história, idealize caminhos e trabalhos de integração da humanidade. Debiasi aborda da sequência a problemática da coordenação
Debiasi aborda da sequência a problemática da coordenação e da orientação do mundo e da humanidade, não alheia à contribuição da comunidade cristã universal. Trata-se de uma reflexão teológica que considera como legítimo propósito cristão contribuir para a capacitação de lideranças com mentalidade e concepção em que prevaleça o bem comum da humanidade. Essas reflexões levarão à indagação da significação teológica da inserção dos cristãos no mundo e entre os povos oprimidos e espoliados, sendo esses a maioria da humanidade, que necessita ser acolhida pela teologia da libertação, e não tanto pelas doutrinas.
Deus chama profetas em todos os tempos para ensinar e conduzir a humanidade... Dando ênfase ao termo “profeta” esta obra descreve a produção teológica, o projeto eclesial e humanitário do legado combliniano. O leitor perceberá que fiel ao Espírito e autêntico no Evangelho, José Comblin escolhe viver entre os pobres e contribuir pela luta pela libertação, tarefa que implicava questionar a teologia e a tradição eurocêntrica, e fazer uma releitura do cristianismo e da caminhada da Igreja. A elaboração de uma nova teologia e de uma nova Igreja no continente latino-americano é uma tarefa que assume o Evangelho e sua missão, no intuito de gerar um mundo novo, uma nova humanidade. A nova teologia e uma nova Igreja são, para Comblin, sinais que os cristãos e o cristianismo da América Latina apontam como caminhos para a sociedade chegar à nova humanidade.
Para nossa geração, quanto mais se adentra o legado de Comblin, mais se tem a pesquisar, valorizar e comunicar o que ensina a sua vasta produção intelectual e diferenciada vida cristã, de modo que nessa tarefa parece não haver ponto final. Esta obra mantém viva a profecia de Comblin e convida os cristãos inseridos no contexto de exclusão à luz do Evangelho, a se constituir sujeitos da transformação social.
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A Profecia de José Comblin vive. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU