12 Julho 2023
"A reflexão proposta nesta obra mostra a necessidade de haver uma estrutura eclesial urbana, organizada à luz do Evangelho para melhor responder, em todos os tempos e contextos, com a missão de Cristo", escreve Eliseu Wisniewski em artigo sobre o livro "Reinvenção da Igreja no mundo urbano: as contribuições de José Comblin para um outro sistema paroquial na sociedade", de Miguel Debiasi.
Eliseu Wisniewski é presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Na sociedade urbana o sistema paroquial deixou de ser um espaço de vida e de ação dos cristãos. É consenso, entre teóloga e teólogas, bispos e cientistas da religião, que a Igreja Católica no Brasil tem enfrentado muitas dificuldades pra se renovar nos atuais contextos urbanos. Esse problema da Igreja católica com o mundo urbano demanda reflexão teológica e eclesiológica.
Nesta perspectiva, Miguel Debiasi, doutor em Teologia, em Reinvenção da Igreja no mundo urbano: as contribuições de José Comblin para um outro sistema paroquial na sociedade (Paulus, 2023, 328 p.), busca fazer uma interlocução com a obra Teologia da Cidade escrita pelo teólogo José Comblin (1923-2011). A partir deste estudo de Comblin publicado originalmente na França, em 1968, com o título Théologie de la ville, o autor busca dissertar sobre a imprescindível atualização da Igreja paroquial no contexto urbano, com toda a sua complexidade.
Capa do livro de Miguel Debiasi. (Foto: Divulgação)
A reflexão feita por Debiasi articulando-se no método ver-julgar-agir está estruturada em três capítulos.
Na primeira parte intitulada Concílio Vaticano II: novos rumos da Igreja e da teologia (p. 13-95), o autor nota que embora já tivessem passado três anos desde a realização do concílio quando Comblin registrou sua percepção, esta indica a tensão para constituir-se leitura eclesiológica crítica pós-conciliar, mas, é certa também a dificuldade de fazer uma abordagem do Concílio Vaticano II, pela enorme quantidade de assuntos conciliares e pela perspectiva de leituras e ações associadas ao contexto eclesial latino-americano.
Diante disso, as páginas deste capítulo trazem uma leitura do Vaticano II e evocando a sua recepção na Igreja católica do Brasil, em vista da renovação do sistema paroquial em um ambiente urbano, e pretende circunscreve-la em três tópicos: a Igreja que precede o Concílio Vaticano II; a recepção da eclesiologia do concílio em contexto urbano; e a Igreja em constituição paroquial. Nesta leitura, Debiasi, apura o processo histórico da comunidade paroquial e, examina sua capacidade renovação paroquial.
O autor defende neste capítulo que o entendimento da natureza da Igreja e sua atuação na história podem ser pensados a partir do desenvolvimento da comunidade paroquial. Para melhor compreender a natureza da Igreja e valorizar seu processo de desenvolvimento enquanto instituição e comunidade de fé, é preciso direcionar a leitura das práticas pastorais procedentes do sistema e da comunidade paroquial. E olhar para a história da comunidade paroquial, sua estrutura e sua práxis pastoral desperta uma constante reflexão teológica e eclesiológica em prol da renovação do sistema paroquial e de sua presença na cidade.
Na segunda parte (p. 97-183), o autor ressalta quatro elementos:
a) a concepção teológica que Comblin faz da cidade/ sua referência às realidades humanas e à caminhada do povo de Deus (p. 98-119);
b) a epistemologia eclesial da cidade/ sua relação com a vocação cristã e a pedagogia de Deus (p. 119-136);
c) o mundo urbano e a missão de Deus/ a defesa da missão de Deus em contexto de mundo social e urbano, ou processo de urbanização e secularização, e da cidade como lugar da teologia (p. 136-159);
d) o modelo da Igreja na cidade contemporânea/ a interpretação dos princípios teológicos que o autor indica para a (re)estruturação da igreja paróquia na cidade (p. 159-182). Priorizando a reflexão com base em Teologia da cidade de Comblin, Debiasi observa que a ênfase, nesta reflexão recai sobre a historicidade da eclesiologia e da teologia, articuladas com a realidade do ser humano empobrecido e do destinatário da mensagem do Evangelho.
Na discussão proposta neste capítulo, o autor mostra que é possível o desenvolvimento de princípios teológicos e eclesiológicos que claramente ressaltam argumentos do ser Igreja católica e para sua renovação pastoral na cidade. Nesse ponto, Debiasi ressalta a valiosa contribuição do conceito de Igreja local ou paróquia de Comblin: “as cidades são a sede da Igreja local”. Frente a isso, é preciso acrescentar a essa possibilidade que, para Comblin, “as cidades não estão a serviço da Igreja”. Assim, cabe à teologia e à Igreja fazer com seus próprios labores a narrativa e o esclarecimento do caminho rumo a um novo sistema paroquial na cidade.
Concentrado na apresentação de um novo sistema paroquial, mais identificado com o Evangelho e a natureza da cidade, na terceira parte Por um novo sistema paroquial na cidade (p. 185-301), Debiasi propõe o projeto da Igreja na cidade, com base nos conceitos operacionais e nos princípios estruturantes de setorização do espaço urbano (p. 186-216). Em seguida, passa à análise da extensão dos princípios teológicos-eclesiológicos com vistas a um novo sistema paroquial, como da setorização (p. 216-235). Avançando, o autor investiga a possibilidade da construção de uma metodologia eclesiológica do novo sistema paroquial (p. 236-267). Conclui com a defesa de que a Igreja na cidade se renova com a implementação da setorização eclesial, que se desenvolve mediante estratégias de pastoral condizentes com o ambiente urbano e, nesta perspectiva, Debiasi apresenta as bases teológicas e eclesiológicas de um novo sistema paroquial na cidade, que, por sua vez, objetiva dimensões diferenciadas de atuação da igreja paroquial na idade (p. 267-299).
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Assumir a convicção de que a cidade é espaço da missão... A reflexão proposta nesta obra mostra a necessidade de haver uma estrutura eclesial urbana, organizada à luz do Evangelho para melhor responder, em todos os tempos e contextos, com a missão de Cristo. Além disso, Bebiasi ajuda o leitor a compreender que as transformações da Igreja em novas estruturas de organização eclesial na cidade seriam um processo decorrente de um conjunto de ações de pastorais e do encontro com a pessoa de Jesus Cristo.
Em suma, a reinvenção da Igreja no mundo urbano, um indicativo do Concílio Vaticano II, a partir da Teologia da cidade de José Comblin, implica a compreensão da história da civilização, que, no percurso dos tempos, constituiu culturas e espaços urbanos e a genuína relação da Igreja com a cidade. Essa compreensão interpela de forma direta os cristãos católicos, que, historicamente, desenvolveram a missão do Evangelho no mundo urbano pelo sistema e pela organização da Igreja paroquial. A importância da Igreja paroquial para o desenvolvimento do cristianismo e para a enculturação do Evangelho em ambiente urbano é imensurável, a ponto de estimular teólogos e agentes de pastoral a pensar outro sistema paroquial na cidade. Com sua originalidade, a obra Teologia da Cidade de Comblin apresenta novos paradigmas eclesiais e discernimento teológico para uma Igreja em espaço urbano.
A reflexão de Miguel Debiasi responde ao pelo do Vaticano II e da teologia de Comblin apresentando os princípios teológicos e eclesiológicos para um novo sistema paroquial na cidade, e indica metodologias, estratégias e plenos de fácil implantação. Em percepções e práxis pastorais, a obra apresenta um itinerário de reinvenção da Igreja no mundo urbano, com linguagem e conteúdo acessíveis.
A partir dos princípios teológico-eclesiológicos, das metodologias e das estratégias analisadas por outro sistema paroquial na cidade, com a indicação da setorização paroquial, esta obra é uma excelente contribuição para o debate teológico para a superação da dificuldade da Igreja católica em relação ao mundo urbano.
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Reinvenção da Igreja no mundo urbano: as contribuições de José Comblin para um outro sistema paroquial na cidade. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU