06 Setembro 2024
Cidadãos relatam não ter recebido pix do governo estadual e tentam refazer suas vidas com os R$ 5,1 mil do Auxílio Reconstrução.
A reportagem é de Bettina Gehm, publicada por Sul21, 05-09-2024.
Uma manifestação organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na manhã desta quinta-feira (5) reuniu, em frente à Usina do Gasômetro, cerca de 900 pessoas que tiveram as casas danificadas ou destruídas nas enchentes de maio. Em 22 ônibus vindos de Arroio do Meio, Estrela, Cruzeiro, Lajeado, Erechim, Canoas e Porto Alegre, os manifestantes reivindicavam políticas de moradia e auxílios para poder reconstruir suas vidas. As pessoas que conversaram com o Sul21 relatam não ter recebido auxílio do governo estadual – somente os R$ 5,1 mil do governo federal, valor insuficiente para cobrir todos os danos causados pela catástrofe.
O protesto marcou um ano de outra enchente, a que ocorreu no Vale do Taquari em setembro de 2023. O MAB contabiliza que, com a catástrofe, mais de 40 mil ficaram desabrigados, cerca de 3 mil residências foram destruídas e os prejuízos são superiores a R$ 500 milhões.
Muitos desses moradores foram novamente atingidos em novembro do ano passado e em maio de 2024. É o caso de Márcia Estela Marin, 55 anos, moradora de Estrela. Depois das duas enchentes em 2023, ela havia conseguido uma cama e um sofá de doação e tentava recomeçar do zero na casa onde morava sozinha. Mas, em maio deste ano, a água não poupou a residência, que foi completamente destruída.
“Ainda estou a ver navios”, relata Márcia, quatro meses depois de perder o que ainda tinha. “Estou morando no porão da casa do meu filho. Entrei com pedido de aluguel social e até hoje não me deram resposta. Recebi os R$ 5,1 mil do governo federal e nada do governo estadual. Não tenho condições de refazer minha casa do zero”.
Tatiane Bezerra, da coordenação estadual do MAB, afirma que nenhuma família do Vale do Taquari foi reassentada, um ano após a primeira enchente. “Fizemos muitas mobilizações, mas quase não houve conquistas. O que existe são casas provisórias, que não dão dignidade para as pessoas. O governo vem fazendo anúncio de entregas, mas que não chegam efetivamente nas famílias”.
O MAB deixou de abranger apenas atingidos por barragens e criou uma frente de trabalho para vítimas de eventos climáticos extremos. “As pessoas têm tido consciência de que é preciso enfrentar esse desafio e pensar em outra perspectiva de vida com relação ao meio ambiente. Mas também precisamos de políticas públicas – e a questão da moradia é central. É o direito de viver”, explica Tatiane.
O movimento marcou agendas com secretários do governo Leite e audiência com a Caixa Econômica Federal, que vem operacionalizando as moradias populares. A expectativa era de que o governo federal também se manifestasse através do Ministério da Reconstrução.
Os manifestantes seguiram em marcha, parando no Centro Administrativo Municipal e terminando o protesto de forma pacífica na Praça da Matriz.
A costureira Solange dos Santos Salazar, 43 anos, é do bairro Sarandi, em Porto Alegre, e perdeu tanto os móveis quanto o material de trabalho. As máquinas, tecidos e utensílios de costura ficavam no andar de baixo da casa onde ela mora com um dos filhos, de 9 anos. A água atingiu 1,20 m no segundo piso.
Ela relata que recebeu os R$ 5,1 mil do governo federal, mas o pix do governo do estado não veio. “Nem para ninguém da minha família, nem para os meus vizinhos. Não recebi nem um auxílio para o meu trabalho. Acho um absurdo, porque muita gente no Sarandi é costureira – a gente é MEI. O Sarandi é o centro da costura, todas perderam suas máquinas, e não existe uma estrutura para ajudar os pequenos a recomeçar”, desabafa.
“Já estamos acostumados com alagamento, minha casa é 70 centímetros mais alta que a rua. Mas nunca imaginei que fosse chegar a mais de um metro no segundo piso. Quando entrei em casa e vi o estrago que a água tinha feito, foi um choque”, detalha Solange.
O auxílio do governo federal não foi suficiente para arcar com tudo que Patrícia Dias, moradora do bairro Harmonia (Canoas), precisa reaver depois da enchente. “Tem que arrumar a casa, comprar cama, tudo. Minha casa ficou totalmente debaixo da água”, diz – mas a família não recebeu nenhum valor além dos R$ 5,1 mil.
Patrícia teve que sair de casa com a roupa do corpo e os documentos. Moravam ela, o marido, o filho de 14 anos e a filha de oito. Após serem resgatados de barco e fazerem uma verdadeira peregrinação entre casas de familiares e conhecidos, Patrícia relata a volta da família para casa: “Foi terrível. Parece que ligaram um liquidificador dentro da minha casa. O que mais me doeu foi botar fora as mochilas deles [dos filhos]”, relembra.
Ela pensa em se mudar do bairro onde mora desde que nasceu – não por medo de outra enchente, esclarece. “É que é muita recordação”.
Para marcar o Dia da Amazônia, o MAB realizou manifestações em outras capitais do país. Em Belo Horizonte (MG), o ato foi no Tribunal Regional Federal da 6º Região, lembrando os nove anos do rompimento da barragem de Mariana e cobrar repactuação justa e com participação dos atingidos.
Em Belém (PA), a manifestação será às 16h na Praça da República, destacando a importância da região na luta contra as mudanças climáticas e a expansão de projetos de infraestrutura. Em Porto Velho (RO), as atividades começaram ainda pela manhã com o ato “Defender a Amazônia é Defender a Vida” e o Grito dos Excluídos à tarde.
Em Ariquemes (RO), será realizado um acampamento da Juventude da Via Campesina com plantio de mudas. Em Sinop (MT), ocorrerá o seminário “Amazônia: Riqueza, degradação e saque, uma análise dos grandes projetos de infra-estrutura”, a partir das 19h. Manifestações também estão sendo organizadas no Rio de Janeiro (RJ).