20 Agosto 2024
"Agora, fica-se pensando qual o tamanho da crise necessária para trazer o Brasil de volta ao rumo do desenvolvimento e do bem-estar social", escreve Luis Nassif, jornalista, em artigo publicado por Jornal GGN, 19-08-2024.
Conversava com meu amigo Luiz Alberto Melchert, um sábio com múltiplos conhecimentos. E ele previa: é só começar a área fiscal a dar sinais de superávit, para o mercado pressionar para aumentar a taxa Selic e pegar o aumento.
Dois dias depois, de fato, parte do mercado, através da mídia, começou a pedir aumento de dois pontos na Taxa Selic.
O Brasil é o país da síndrome de Sísifo. Considerado o mais astuto de todos os mortais, Sísifo foi rei e fundador de cidades, conhecido por sua inteligência e por enganar diversas vezes os deuses. Sua punição, dada a ele por Zeus, foi rolar uma pedra pesada montanha acima, apenas para fazê-la cair toda vez que ele estava prestes a chegar ao topo. Esta tarefa eterna tornou-se o símbolo do absurdo e da inutilidade de algumas ações humanas.
O Brasil é a revanche de Sísifo: por aqui, ele puniu Zeus (o país) a eternamente empurrar a pedra para o alto do morro, para vê-la cair em seguida.
Qualquer arremedo de superávit será eternamente garfado pelo mercado através de uma lógica simples e bizarra.
Se a receita está crescendo, é porque a atividade econômica está crescendo.
Se a atividade econômica está crescendo, abre espaço para reajuste de preços e de pressão sobre a inflação.
Para prevenir, aumenta-se a taxa básica de juros, o mercado se apropria do crescimento da arrecadação e a pedra de Sísifo rola ribanceira abaixo novamente. Investimentos em infraestrutura, saúde educação, retomando o ciclo virtuoso do crescimento? Que nada. Apenas mais impostos no bolso do rentista.
Não apenas isso.
Para contentar o apetite do mercado, o governo aceitou o mais daninho ataque à saúde pública, desde a industrialização do fumo: as bets, os sites de apostas.
Tivemos uma pequena experiência quando houve a permissão para as máquinas eletrônicas de apostas e para os cassinos em centros urbanos. Houve uma epidemia de viciados perdendo bens, desestruturando as famílias. Mais que isso, os bingueiros passaram a dispor de um poder ilimitado sobre as polícias. Financiavam campanhas de deputados em troca da indicação de delegados amigos para sua área de atuação.
Como é uma atividade que atua no limite da legalidade, uma das pernas mais óbvias dos cassinos é a do financiamento de campanha de políticos aliados e o suborno.
Acabou-se com os bingos, não com os cassinos clandestinos, que continuam invadindo as cidades.
Agora, com o bingo eletrônico, cria-se uma ameaça gigantesca à saúde pública. E qual a saída miraculosa do governo? Regulamentar os cassinos para que financiem sistemas de atendimento às vítimas de cassinos.
Será a única contrapartida à dinheirama arrecadada pelos cassinos. A parte maior do bolo de arrecadação fiscal ficará com o mercado.
Não adianta. A herança do suicídio institucional brasileiro – com a conspiração do impeachment e a ascensão dos governos de negócios, Temer e Bolsonaro – criou uma dinâmica invencível de saques contra o interesse comum.
Há um pessimismo generalizado em relação à marcha da insensatez mundial. Sabe-se que apenas uma grande tragédia trará de volta o bom senso. Os grandes saltos do Brasil foram em períodos de crise. Tivemos há poucos anos nossa crise master, um governo militar-miliciano que provocou a morte de centenas de milhares de pessoas com seu terraplanismo, e coalhou o setor público de negócios obscuros.
Mas a lição de nada adiantou. Agora, fica-se pensando qual o tamanho da crise necessária para trazer o Brasil de volta ao rumo do desenvolvimento e do bem-estar social.
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A herança deixada pelo governo militar-miliciano de Bolsonaro. Artigo de Luís Nassif - Instituto Humanitas Unisinos - IHU