31 Julho 2024
Para organização indígena, o procurador-geral Paulo Gonet “se omitiu”, agindo com “descaso com os direitos dos povos indígenas”; comissão foi instituída no STF pelo ministro Gilmar Mendes.
A reportagem é de Gabriel Tussini, publicada por ((o))eco, 30-07-2024.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) criticou, em postagem na rede social X (antigo Twitter) nesta segunda (29), a atuação do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, nas ações que decidirão a legalidade da lei do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Gilmar Mendes, relator de 5 ações sobre o tema, determinou a criação de uma Comissão Especial, que fará a mediação entre as diferentes partes dos processos. A PGR foi designada apenas como observadora, o que não foi contestado pelo órgão.
Para a organização indígena, Gonet deveria ter recorrido contra a decisão, pedindo para que a PGR fosse admitida como membro pleno do colegiado. O procurador, de acordo com a Apib, se “omitiu”, rompendo “com uma tradição institucional de defesa dos direitos indígenas prevista na Constituição Federal”. “O comportamento da PGR demonstra um claro descaso com os direitos dos povos indígenas e com a Constituição Federal”, criticou.
A Comissão Especial funcionará no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, todas com relatoria de Gilmar Mendes. O órgão começará sua atuação na próxima segunda-feira (5), às 14h, e tem duração prevista até o dia 18 de dezembro deste ano.
Em sua manifestação, o procurador-geral afirmou que “em prestígio às medidas empreendidas” pelo relator “visando à solução consensual da controvérsia”, iria opinar sobre o mérito do tema, ou seja, o Marco Temporal, apenas “após a conclusão dos trabalhos da Comissão Especial”. Gonet indicou como observadora da PGR na comissão a procuradora Nathalia Geraldo Di Santo, coordenadora da assessoria jurídica cível de seu gabinete.
Para a próxima segunda-feira, dia do início dos trabalhos da comissão – organizada “sem nenhum diálogo com o movimento indígena”, segundo a Apib – a organização indígena anunciou uma mobilização contra o Marco Temporal. “Vamos ocupar as ruas e demarcar as redes. Seja nos territórios, em Brasília ou nas redes sociais, vamos ecoar nossas vozes e nossos maracás contra o Marco Temporal e por um futuro indígena!”, diz a convocação.
“Em pleno século XXI nós estamos vendo o Estado brasileiro negar, mais uma vez, o nosso direito através de um ministro, Gilmar Mendes, um juiz que se demonstra totalmente anti-indígena, procurando desfazer aquilo que construímos ao longo dos anos: garantir o nosso direito”, criticou Alberto Terena, coordenador-executivo da Apib, em vídeo sobre a mobilização.
Funcionamento da Comissão Especial
De acordo com a decisão do ministro, do dia 27 de junho, o colegiado será composto por 24 membros plenos, sendo 6 representantes indicados pelo Legislativo (divididos entre Câmara e Senado), 4 da União (Advocacia-Geral da União, Funai e ministérios da Justiça e Povos Indígenas), 2 pelos estados (Fórum de Governadores e Colégio Nacional de Procuradores de Estado), 1 pelos municípios (escolha conjunta da Confederação Nacional dos Municípios e da Frente Nacional de Prefeitos), 6 pela Apib (um representante institucional e um representando cada região) e mais 5 indicados pelos proponentes de cada uma das ações.
Além deles, os observadores da comissão serão indicados pela PGR, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por cada um dos 18 amici curiae – figura jurídica que participa das ações para fornecer informações e subsídios para o julgamento, como organizações de direitos humanos, indigenistas ou ligadas ao agronegócio –, além da possibilidade de indicação da Presidência da República e do Ministério da Defesa, caso queiram.
Segundo a decisão de Gilmar Mendes, os trabalhos da comissão terão 3 etapas: a primeira tratará das regras, limites e do papel de cada parte no processo de mediação, “além do registro sobre o teor dos debates, os quais serão eminentemente jurídicos, deixando os debates políticos para o campo do Poder Legislativo”.
A segunda etapa fará um “aprofundamento” de textos jurídicos sobre o tema, especificamente os debates da Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – que trata de direitos de povos indígenas – e as jurisprudências da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do próprio STF, incluindo o Tema 1031, de repercussão geral, que declarou inconstitucional a tese do Marco Temporal.
A terceira e última etapa será reservada para debates e propostas de alteração da lei 14.701/23 – a que tenta instituir a tese e é contestada nas ações –, de acordo com o texto do artigo 231 da Constituição, que trata da demarcação de terras indígenas, do Tema 1031 e de outras jurisprudências e temas que surjam nos debates.
Entre os objetivos dos debates, segundo Mendes, estão a apresentação de “propostas de solução para o impasse político-jurídico” e “aperfeiçoamentos legislativos para a Lei 14.701/2023, sem prejuízo de outras medidas legislativas que se fizerem necessárias, voltados à superação do impasse e novo diálogo institucional”.
Leia mais
- Apib discute recusar participação em audiências de conciliação sobre marco temporal determinadas por Gilmar Mendes
- Egydio Schwade: "é preciso ir ao encontro das consciências dos latifundiários e não de sua ganância histórica". Carta a Gilmar Mendes
- “Existem direitos que não se negociam”, diz Txai Suruí sobre decisão de Gilmar Mendes que suspendeu ações contra o marco temporal
- Marco temporal volta ao STF com três ações diferentes e Gilmar Mendes relator; entenda
- Egydio Schwade: Gilmar Mendes na contramão da história
- Marco temporal: violência contra indígenas dispara com incerteza jurídica sobre demarcação de terras
- Roraima lidera assassinatos de indígenas com 47 mortes, diz relatório do Cimi
- Número de indígenas assassinados no Brasil subiu 15% em 2023
- Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras
- Parakanã denunciam ataque de pistoleiros em terra indígena mais desmatada do país
- Guerra permanente contra povos indígenas. Artigo de Ivânia Vieira
- Após ataques a indígenas, FUNAI e ministérios dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos iniciam missões para conter violência
- Guarani Kaiowá é baleado em ataque contra retomada na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica, no Mato Grosso do Sul
- “Ofensiva final contra os povos indígenas”. Destaques da Semana
- Relator da ONU afirma que Lei 14701 viola direitos dos povos indígenas e apela ao STF por suspensão de aplicação
- PEC 48 e marco temporal são atacados pelos povos indígenas na ONU: “Congresso brasileiro está contra nós”
- Em novo capítulo sobre o marco temporal, PEC 48/2023 entra em discussão e pode representar ponto final a favor da tese
- Ruralistas avançam com a PEC 48, o “Marco da Morte”, no Senado
- CCJ do Senado adia votação da PEC do marco temporal
- Alcolumbre pauta na CCJ do Senado PEC que institui o marco temporal
- O marco temporal não saiu de pauta
- Alcolumbre cancela trecho de MP sobre demarcação de terras indígenas
- Indígenas do “Levante pela Terra” publicam Manifesto cobrando demarcações e fim definitivo da lei do marco temporal
- Em marcha, indígenas denunciam favorecimento do agro pelo governo Lula e cobram demarcações
- Por que a demarcação de Terras Indígenas não avança? Entenda
- O genocídio dos povos indígenas. A luta contra a invisibilidade, a indiferença e o aniquilamento. Revista IHU On-Line, N° 478
- Após apoio a Lula nas eleições, Apib promete aumentar cobranças ao governo
- Raoni cobra demarcações a Lula
- Apib pede que Supremo acelere a derrubada do marco temporal
- Guarani Mbya retomam território no município de Viamão (RS) e cobram demarcação de terras indígenas
- Na Constituição brasileira não existe um “marco temporal” para a demarcação das terras indígenas. Artigo de José Geraldo de Sousa Junior
- Funai recua em novos pedidos de demarcação após aprovação do marco temporal
- Fachin suspende ações judiciais que travaram demarcação da TI Tekoha Guasu Guavira, no Paraná
- Mineradora canadense é acusada de subornar indígenas para desistirem da demarcação do território e explorar potássio na área
- O marco temporal não saiu de pauta
- A certeza e as dúvidas sobre o novo capítulo do Marco Temporal no STF
- Apib vai invocar o Supremo contra “Lei do Genocídio”
- Marco Temporal. Em nota, CNBB pede que seja assegurada a garantia dos territórios aos povos indígenas
- Em novo ataque a direitos indígenas, Congresso Nacional derruba maioria dos vetos de Lula ao PL 2903
- Sonia Guajajara diz que posição da Frente Agropecuária sobre lei do Marco Temporal está na contramão dos acordos climáticos
- Marco temporal: veto de Lula barrou principais retrocessos, mas pontos sancionados preocupam indígenas e indigenistas
- Ruralistas prometem derrubar vetos de Lula sobre lei do Marco Temporal para liberar transgênicos, gado e obras em terras indígenas
- Marco temporal: sem veto, lei pode ‘dizimar povos inteiros’. Congresso decide nesta quinta
- Perfil do agronegócio no Brasil. Artigo de Leandro Galastri
- “Lei do Marco Temporal” pode repetir graves violações de direitos dos povos indígenas
- Derrubada de vetos no marco temporal expõe “2 Paranás” a desmate
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Apib critica PGR por aceitar condição de observador em discussões sobre Marco Temporal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU