29 Junho 2024
Os intelectuais e os artistas têm a tarefa, também nas nossas democracias, de dizer ou retratar uma verdade que custa a abrir caminho por meio da censura, da reticência e da autocensura.
O comentário é do historiador da arte Tomaso Montanari, publicado pelo caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 28-06-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Estátuas, afrescos, arquitetura, monumentos de todos os tipos: arte e espaço público são, na Itália, uma combinação centenária ou, melhor, milenar. A arte molda a pólis, a arte é política: de cima a baixo, para educar e disciplinar, mas também para contestar e se rebelar. As obras de arte sempre desempenharam um papel. E para quem diz hoje que a arte não deve se preocupar com a política, só se pode responder uma coisa: “Estude!”.
Ainda hoje, em uma época em que a arte de mercado parece estar confinada aos museus e às casas dos grandes ricos, essa tradição continua, e os artistas de rua tornam o espaço das cidades vivos e falantes, às vezes até em escala monumental. Foi o que a artista de rua Laika fez há alguns meses em Roma, desenrolando uma grande faixa (de cinco metros por três) na Ponte Palatina representando o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu devorando uma fatia de melancia pingando sangue.
"Stop genocide", bandeira pintada, exibida da Ponte Palatina, em Roma, em fevereiro de 2024 (Foto: Reprodução | Facebook | Lakka)
Durante séculos, dispositivos efêmeros modificaram temporariamente o espaço público de Roma: os de Gian Lorenzo Bernini, o grande diretor da propaganda papal, são inesquecíveis. Hoje, esse mesmo gênero artístico é praticado a partir de baixo, para despertar consciências e quebrar um muro de silêncio cultural e midiático. A inscrição ao pé da imagem (uma ferramenta fundamental, mesmo no aparato efêmero da era barroca) fornece a chave da imagem: pare o genocídio.
Há muito que a melancia, que tem as mesmas cores da bandeira palestina, é um símbolo desse povo: a mensagem é, portanto, clara. O criminoso primeiro-ministro israelense, sobre cuja cabeça (assim como sobre a de Vladimir Putin) está pendurado um mandado de prisão internacional, está deliberadamente tentando o genocídio: uma categoria que uma ordem do Tribunal Internacional de Justiça em Haia considera “plausível” para definir aquilo que cada vez mais parece ser uma aniquilação voluntária material e cultural de todo o povo palestino.
Quando, em 1948, foi fundado o Partido da Liberdade, que mais tarde se fundiu no Likud agora presidido por Netanyahu, 28 intelectuais judeus, incluindo Albert Einstein e Hannah Arendt, enviaram uma carta à redação do The New York Times, na qual observaram que aquele partido ultrassionista “em organização, métodos, filosofia política e ação social, parece muito semelhante aos partidos nazistas e fascistas”. Os intelectuais e os artistas têm a tarefa, também nas nossas democracias, de dizer ou retratar uma verdade que custa a abrir caminho por meio da censura, da reticência e da autocensura.
Como disse certa vez Jesus de Nazaré, “se estes se calarem, as pedras clamarão”: em Roma, graças a Laika, uma ponte gritou.