20 Junho 2024
"Agora as mulheres formam homens adultos e mulheres, leigos, religiosos e até aspirantes ao sacerdócio, sacerdotes e, em alguns casos, bispos e cardeais. Como afeta a consciência do crente, o sensus fidei fidelium poderíamos até supor, o costume de ver homens e mulheres, ministros e leigos, religiosas e leigas? Como muda na consciência dos candidatos ao ministério, a imagem da mulher cristã, com o costume de ouvir mulheres que raciocinam, argumentam, defendem ou se opõem ao patrimônio de saber recebido sobre a revelação e a fé da Igreja?", escreve a irmã salesiana Linda Pocher, professora de Cristologia e Mariologia na Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação “Auxilium”, de Roma, em artigo publicado por Avvenire, 19-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Abrir mais para a componente feminina nas instituições acadêmicas pode colocar em movimento inéditas dinâmicas, que são necessárias. Haverá também novas hierarquias formadas desta forma.
Na sua intervenção de 5 de junho no debate aberto pelo "Avvenire" a partir da provocação feita por Francisco à Comissão Teológica Internacional em dezembro de 2023 sobre a necessidade de “desmasculinizar a Igreja” (na qual já intervieram a redação do “Mosaico di Pace”, Stefania Falasca, Rosanna Virgili e Sergio Massironi), Alberto Cozzi ressaltava a importância das boas práticas, em oposição a fáceis slogans que não alteram nada. De bons práticas que envolvem as mulheres, a Igreja conhece aos montes: uma série de mulheres canonizadas, virgens e mães, rainhas e abadessas constela a história da cristandade para demonstrar que sempre houve um reconhecimento institucional pelo gênio feminino.
As boas práticas, porém, não são todas iguais: há algumas que tendem a ocupar espaço; outras que têm a capacidade de ativar processos. Entre as últimas, certamente deve ser incluída a abertura às mulheres do acesso às faculdades teológicas, que ocorreu na Igreja Católica por volta de 1970. Um fenômeno bastante recente, portanto, do qual não é possível rastrear limites e fronteiras, pois um censo da presença de mulheres nas instituições acadêmicas dedicadas à pesquisa e ao ensino no campo teológico ainda não foi feito, nem em nível internacional, nem em nível italiano.
Apesar da abertura formal das instituições de ensino superior às mulheres, não se pode ignorar os obstáculos que elas enfrentam para aceder de fato aos estudos teológicos: para as religiosas, por exemplo, a crença ainda difundida de que uma formação teológica igual àquela obrigatória para os sacerdotes não seja necessária; para as mulheres leigas, o custo proibitivo dos estudos eclesiásticos e a falta de perspectivas de emprego remunerado em nível universitário ou no campo pastoral podem facilmente induzir a desistir. O mesmo se aplica, é claro, aos homens leigos.
Superar essa disparidade de oportunidades em relação a candidatos ao ministério ordenado, para os quais o estudo é um direito/dever ligado à escolha de vida, não é apenas uma questão de justiça. É mais uma estratégia, que poderia favorecer a consolidação do caminho sinodal, apoiando uma mais plena participação de todos os crentes na missão da Igreja. Poderíamos nos perguntar como a Conferência Episcopal em nível nacional, as diversas Faculdades Teológicas italianas e as comunidades eclesiais em nível local apoiam e promovem a formação teológica daqueles que desejam e têm a capacidade de servir a Igreja mediante a pesquisa, a pregação e o ensino.
Nesse interim, na Itália, a terceira geração de teólogas está se debruçado sobre o mundo acadêmico, enquanto aquela das pioneiras ainda está entre nós. Talvez tenha amadurecido o tempo para estruturar uma investigação, promovida também pela CEI, que permitiria avaliar a extensão do fenômeno, no presente e com vista ao futuro. Talvez ainda não seja tão evidente, de fato, mas o ingresso das mulheres na teologia mudará progressivamente o rosto das faculdades teológicas e dos seminários. As mulheres, de fato, não só estudam teologia, mas também a ensinam. Não apenas ensinam, mas publicam, pregam, formam. Não apenas crianças ou outras mulheres, algo que sempre fizeram.
Agora as mulheres formam homens adultos e mulheres, leigos, religiosos e até aspirantes ao sacerdócio, sacerdotes e, em alguns casos, bispos e cardeais. Como afeta a consciência do crente, o sensus fidei fidelium poderíamos até supor, o costume de ver homens e mulheres, ministros e leigos, religiosas e leigas? Como muda na consciência dos candidatos ao ministério, a imagem da mulher cristã, com o costume de ouvir mulheres que raciocinam, argumentam, defendem ou se opõem ao patrimônio de saber recebido sobre a revelação e a fé da Igreja? O que estará disposto a conceder à outra metade da Igreja um Papa do futuro, que no seu percurso de estudos também teve mulheres como professoras e colegas?
Enquanto esperamos para descobrir – com uma paciência que todos os dias devemos pedir a Deus – poderia ser interessante parar e refletir sobre o que a entrada na teologia significou para as mulheres de ontem e de hoje e para os seus colegas homens. Nós os vemos, os nossos colegas, às vezes admirados, às vezes incomodados, às vezes, sim, aterrorizados. Raramente indiferentes, diante de nossa palavra. Sim, porque a possibilidade de estudar em pé de igualdade com os homens, que na maior parte dos casos se preparam para o ministério ordenado, coincide com a possibilidade de nos expressarmos em público, sobre as questões da vida e da fé da Igreja. Tomar a palavra numa assembleia: só se faz quando se acreditar ter algo a dizer. E as mulheres sempre acreditaram nisso. Durante séculos, a teologia tinha fadado dos homens e para os homens, acima de tudo. Exceto pelas místicas, que, no entanto, constituem a exceção que confirma a regra: uma mulher pode falar em público somente se o que ela tem a dizer não vier do seu gênio, mas diretamente de Deus.
Entrando nas salas de aula, sentando-se nas cadeiras e nas cátedras, as mulheres trouxeram seu próprio ponto de vista, a sua sensibilidade, a diferente corporeidade, que se expressa até mesmo no simples tom de voz. O aparecimento de alguém diferente de mim revela a minha parcialidade a mim mesmo. Como a descoberta da América colocou em crise a granítica solidez identitária europeia, assim a entrada das mulheres na teologia, a confrontação com seu modo de fazer e de dizer podem pôr em crise a pretensa universalidade das construções centenárias do pensamento cristão. E é exatamente por isso, como faz questão de salientar Dom Cozzi, que a palavra das mulheres, a sua pretensão de serem reconhecidas e escutadas, muitas vezes perturba.
Quando a segunda narrativa da criação coloca em cena a solidão de Adão, o primeiro ser humano ainda indiferenciado, o apresenta na tentativa de entrar em diálogo com os animais. A tentativa falha. Deus criou o universo com a palavra e a capacidade de falar é uma das características que fazem do homem e da mulher os únicos seres criados à imagem e semelhança de Deus. Deus então adormece Adão, divide-o – assim diz literalmente o texto hebraico – ao longo do lado em homem e mulher. Os dois, dizia Irineu, eram adolescentes, inexperientes da vida e do amor.
Quando o homem viu a mulher pela primeira vez, ficou tão fascinado por ela que quis incorporá-la de volta para si mesmo, sob o coração, como uma costela: uma só coisa com ele, como a carne e os ossos. E assim, em vez de se dirigir a ela com uma palavra interlocutória, ele lhe dá um nome como havia feito com os animais. A mulher, por sua vez, permanece em silêncio. Deixa fazer. Ao longo do desenrolar da narrativa das origens, nem uma vez os dois trocarão diretamente uma palavra. Nesse silêncio, que reduz o outro a um apêndice do mesmo, a serpente encontrará espaço para propor a sua visão da história.
“Desmasculinizar a Igreja”: uma frase de efeito, um dos tantos neologismos de Francisco. Mas eu não o definiria como um slogan, que nada altera, mas sim como um estopim que, provocando o debate, tornou possível um diálogo difícil, mas saudável, que espero possa continuar a aquecer os corações e as mentes dos crentes - não apenas dos profissionais! – ao longo do caminho que chamamos de Sínodo. Às vezes, difícil de interpretar, certamente abençoado.
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Se as mulheres ensinarem teologia a todos, a Igreja poderá realmente se desmasculinizar. Artigo de Linda Pocher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU