21 Agosto 2023
"Nos documentos eclesiais, a Igreja revela estar ciente da necessidade de um cuidado especial para com os adultos que desejam tornar-se presbíteros. No entanto, a literatura a este respeito é escassa. O livro de Mattias J. A. Ham preenche uma lacuna", escreve Eliseu Wisniewski.
Eliseu Wisniewski é mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul. Professor na Faculdade Vicentina, em Curitiba/PR.
Cada vez mais se ouve falar em vocações adultas. Esse é um assunto complexo e exige uma abordagem diferente daquela que costumamos ter com os jovens. Embora tal fenômeno possa ser julgado interessante ou considerado um desafio que exige uma resposta prática, a verdade é que não se sabe muito bem o que fazer com pessoas de certa idade que não se enquadram nas atuais estruturas formativas. Este é, portanto, um tema que grita por estruturas novas.
Neste horizonte situa-se Tarde de amei: formação de adultos ao ministério ordenado (Paulinas, 2022, 384 páginas), livro de Matthias J. A. Ham. O referido autor veio ao Brasil em 1974. Aos 25 anos, começou estudar Filosofia e Teologia, morando por quatro anos na paróquia e combinando esses estudos com o trabalho na empresa em que atuava. Depois, passou a ficar interno, por dois anos, no Seminário Maior São José, da Diocese de Ponta Grossa (PR), para concluir a formação. Foi ordenado presbítero em 1985, com 30 anos de idade. Obteve o mestrado em Psicologia e em Teologia Espiritual pela Universidade Pontifícia Gregoriana, em Roma. Atualmente faz parte da equipe de coordenação do Instituto Discípulos de Emaús da Arquidiocese de Curitiba (PR), para a formação de ministros ordenados adultos.
Tarde de amei: formação de adultos ao ministério ordenado, de Matthias J. A. Ham (Paulinas, 2022).
Sobre uma nova estrutura formativa para as vocações adultas, Ham observa que as tentações de inserir adultos em programas adaptados já existentes não passam de “remendos”, visto que a grande questão é que o adulto não deveria deixar tudo para trás, sem antes ter sido testado em sua vocação. Tendo já uma profissão na sociedade, estabilidade social, e, mesmo sendo adulto na vivência de sua fé em uma comunidade paroquial ou outra, é grande o risco, tanto para o vocacionado quanto para a diocese/congregação, que ele deixe tudo para trás de uma só vez, sendo por isso, realmente necessário uma fase de passagem, de transição, de transformação, desde a atual situação de vida profissional e social até o ingresso paulatino em uma outra vida, que lhe permita assimilar, com o tempo, uma nova mentalidade e, principalmente, tornar-se capaz de passar de uma postura meramente eficiente para uma pastoralmente eficaz.
Diante da escassez de literatura sobre a formação de adultos, esta publicação que é fruto das experiências do autor e trata dos processos de admissão, acompanhamento e formação de adultos ao ministério ordenado diaconal e presbiteral, a partir do Instituto Bovendonk, na Holanda, do qual o autor foi reitor e do Instituto Discípulos de Emaús, instituto pioneiro no Brasil, aberto à acolhida de adultos, tanto para a formação ao diaconato permanente quanto para o presbiterado.
O primeiro capítulo, intitulado "Vocação como processo na Sagrada Escritura: Deus chama", trata dos aspectos bíblicos e espirituais do processo vocacional, mais especificamente da vocação na Sagrada Escritura, que se desenvolve por um processo, com elementos “fixos”, comuns e reconhecíveis em todas as histórias vocacionais. Nestas páginas destaca-se que o diálogo entre Deus e a pessoa acontece por iniciativa dele e que cabe a cada um, pessoalmente, dar uma resposta ao convite à missão por ele confiada. Deus não somente fez aliança com seu povo como um todo, mas, para formar um povo, convidou e convida cada um, de modo particular, a vivenciar uma relação pessoal com ele.
Em seguida, a atenção do autor é focada na pessoa que responde ao chamado de Deus, a seu convite e missão. Ham trata mais especificamente dos obstáculos e das limitações de diferentes naturezas que a pessoa encontra ou poderá encontrar para que sua vocação seja efetivamente concretizada. São aspectos que devem ser considerados na fase de admissão e durante toda a caminhada, especialmente na formação inicial – embora, não raramente, conflitos centrais possam aparecer, como de fato aparecem, até mesmo muitos anos depois da fase de formação inicial. Assim sendo, o segundo capítulo "Vocação: o homem responde em crescente liberdade" considera a resposta do homem, com todas as qualidades, e também as limitações, próprias do ser humano, ao chamado de Deus.
No terceiro capítulo, Ham descreve um possível modelo formativo, em tempo parcial, baseando-se em sua experiência conhecida e vivida na Holanda, e agora vivenciada na Arquidiocese de Curitiba, descrevendo os passos que foram dados para chegar a uma fundação de um instituto destinado a formação de vocações adultas, como sugestão para aqueles que futuramente pensem em algo semelhante. Contudo antes de tratar propriamente da fundação de uma estrutura própria para adultos (p. 137-158), o autor discorre sobre quem propriamente é “o adulto” e o que o diferencia do jovem.
No quarto capítulo, intitulado "Trabalhar na prática com formandos adultos", o autor descreve os aspectos que chamaram sua atenção na prática cotidiana do trabalho com candidatos adultos, e procura, com base na experiência vivida nos 12 anos como reitor do instituto na Holanda, indicar quais poderiam ser os pontos que merecem especial atenção no processo formativo de homens maduros. Opta por tratar de alguns assuntos recorrentes, considerando-os na ordem cronológica em que aparecem no processo formativo: seleção e admissão; o itinerário dos seis anos de formação; o término, e a conclusão destes seis anos. Ham está convicto de que o grau de integração psicoespiritual, ou seja, a maturidade geral do candidato ao presbiterado e ao diaconato permanente, exerce uma forte e direta influência sobre sua futura efetividade pastoral. É ela a base sobre a qual se pode construir um ministro ordenado responsável, capaz e realizado. Por isso que suas considerações, no quarto capítulo sobre o processo formativo, são de cunho predominantemente psicoespiritual.
O quinto capítulo trata do "Engajamento e do estágio pastoral". O autor descreve um programa de um estágio de dois anos para futuros presbíteros, e do qual também podem ser extraídos elementos para o estágio do futuro diácono permanente. Tendo em conta sua experiência, o autor destaca que dois anos é o tempo mínimo que um adulto precisa para aprender as habilidades pastorais básicas necessárias para poder ser ordenado presbítero. Ham ressalta que se trata de um programa experimentado, aprovado, bem equilibrado, disposto em fases e, principalmente, fortemente acompanhado.
Por sua vez, os capítulos seis "Os vários tipos de acompanhamento" e sete "Modelo de acompanhamento" descrevem vários tipos de acompanhamento realizados durante todo o processo, destacando, no sexto, aqueles já conhecidos, mas nem sempre explorados, e, no sétimo, o colóquio de crescimento vocacional – uma proposta baseada na teoria e na prática do Pe. Luigi M. Rulla, SJ. Em suma, nestes capítulos o autor se ocupa com a questão do acompanhamento ou os vários tipos de acompanhamento que integre todas as dimensões da pessoa vocacionada, com o enfoque específico na integração da dimensão humano-afetiva, pela importância que tem, tendo-se em consideração que a psicologia afirma que qualquer forma de escravidão interior tem a ver, direta ou diretamente, com a imaturidade afetiva.
Foram incluídos também dois anexos: a) Critérios para a Admissão no Instituto Bovendonk – para os vocacionados ao presbiterado e vocacionados ao diaconato permanente; b) Conteúdo formativo por área para maior compreensão da prática cotidiana do Instituto Bovendonk.
Nos documentos eclesiais, a Igreja revela estar ciente da necessidade de um cuidado especial para com os adultos que desejam tornar-se presbíteros. No entanto, a literatura a este respeito é escassa. Este livro de Mattias J. A. Ham preenche uma lacuna. Conjugando teoria e prática, o autor indica os pontos que merecem especial atenção no processo formativo de adultos ao ministério ordenado e ao diaconato permanente. Considera-os na ordem cronológica em que aprecem no processo formativo: seleção e admissão; o itinerário dos seis anos de formação; e a conclusão.
Demonstra convictamente como o grau de integração psicoespiritual, ou seja, a maturidade geral do candidato às ordens, exerce direta influência sobre sua efetividade pastoral. É ela a base sobre a qual se desenvolverá o ministro ordenado responsável, capaz e realizado.
Bispos conscientes de sua responsabilidade na formação presbiteral e, em especial, formadores dos seminários e casas de formação, sabedores de que o assunto “vocação adulta” é complexo e requer uma abordagem diferente da que costumamos ter com os jovens, encontraram neste livro um excelente material para pensar/repensar o tema que grita por estruturas novas.
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Tarde te amei: formação de adultos ao Ministério Ordenado. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU