18 Junho 2024
Com o “novo anormal” resultante das mudanças climáticas, especialistas destacam a necessidade de que a recuperação gaúcha precisa transformar as estratégias comumente usadas após catástrofes.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 18-06-2024.
“Temos a responsabilidade de refazer nossos pactos sociais, priorizando os ensinamentos das Comunidades Tradicionais e Originárias e das periferias, que têm produzido soluções que sempre se basearam na relação com a natureza, com a biodiversidade, com a defesa socioambiental. Vamos precisar criar planos comunitários de gestão de risco e desastre, com comunidades inteiras prontas para responder a esses eventos climáticos extremos. Essas pessoas estão prontas para produzir soluções. As comunidades querem viver, querem manter seus laços, seus vínculos, elas não querem perder seus territórios. O ‘fim do mundo’ não é igual para todos, e por isso precisamos priorizar quem está mais vulnerabilizado.”
O diagnóstico de Thaynah Gutierrez, da Frente por uma Adaptação Antirracista, sobre o processo de recuperação do Rio Grande do Sul após a tragédia climática de maio foi a principal conclusão do webinar. “Reconstrução preventiva: a adaptação das cidades brasileiras ao clima em mudança”. Promovido pelo ClimaInfo e pelo Observatório do Clima na 2ª feira (17/6), o debate reuniu ainda Guilherme Simões, secretário Nacional de Periferias do Ministério das Cidades; Rualdo Menegat, doutor em Ecologia da Paisagem da UFRGS; e Francisco Aquino, climatologista da UFRGS.
Diante dos primeiros movimentos de reconstrução, todos reforçam que essas ações não podem repetir o passado, concentrando-se em soluções “de cima para baixo”, baseadas em remoções e obras faraônicas. Acima de tudo, é preciso colocar as pessoas no centro das atenções, transformando as estratégias após essas catástrofes. Afinal, com o “novo anormal” das mudanças climáticas, provocadas majoritariamente pela queima de combustíveis fósseis, como reforçaram os especialistas, a recorrência desses eventos será cada vez maior.
“O que aconteceu não é uma fatalidade, não é um destino. E não há uma solução ‘bala de prata’. Precisamos conectar os conhecimentos, inclusive locais. Por isso é preciso desenvolver uma inteligência social adaptada às culturas locais. Criar novas mentalidades”, reforçou Rualdo Menegat.
Nesse sentido, Francisco Aquino reforçou a indicação de Thaynah Gutierrez de privilegiar a relação com as comunidades. O professor destacou a urgência de se levar conhecimento e ciência para esses grupos, reforçando assim o desenvolvimento da inteligência social apontada por Menegat.
“A mudança do clima não vai esperar ciclos de tomada de decisão de 4 em 4 anos, conforme as eleições. E já está claro que remover pessoas de seus lugares para depois esquecê-las foi uma política completamente equivocada. Mas que é facilmente realizada.”
Guilherme Simões lembrou que o que aconteceu no RS e também em outros lugares do país, como a Região Serrana do RJ e São Sebastião, no litoral paulista, é resultado de um processo de desenvolvimento econômico que impacta a vida das pessoas. Mas tal impacto não é equânime e castiga quem pouco ou nunca teve direito real à cidade: a população preta, pobre e periférica.
“A agenda da adaptação e da resiliência climática tem de estar conectada à agenda do combate às desigualdades. E a agenda da prevenção precisa ser reforçada no país, tanto em relação a obras como nos planejamentos territoriais, com participação da população”, frisou.
Em tempo: A transformação das estratégias de recuperação no caso do RS se mostra ainda mais urgente diante da continuidade de eventos extremos no estado. No fim de semana, fortes chuvas voltaram a atingir o território gaúcho. O município de São Luiz Gonzaga, no noroeste do estado, registrou uma tempestade conhecida como “microexplosão”, quando a nuvem não suporta mais o volume de água, despeja toda a quantidade significativa de chuva em direção ao solo, gerando muita precipitação em pouco tempo. Além disso, a cidade registrou ventos de até 150 km/h, informam Folha, Poder 360, CNN, g1 e Fantástico. E a semana começou com previsão de novas enchentes, embora menos graves do que a catástrofe de maio, explicam MetSul, Climatempo e g1. O tormento gaúcho parece não ter fim.
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Tragédia climática no RS: as pessoas devem estar no centro da reconstrução - Instituto Humanitas Unisinos - IHU