03 Junho 2024
Entramos na zona de máximo perigo porque a anunciada utilização das armas dos países europeus e dos Estados Unidos no território russo é considerada por Moscou suscetível de desencadear a cláusula do Tratado do Atlântico para a guerra entre a OTAN e a Rússia.
A seguir transcrevemos a carta que Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, e Michele Santoro, jornalista e apresentador italiano, como promotores da chapa “Paz Terra Dignidade”, escreveram ao presidente da Conferência Episcopal Italiana, ao presidente da Comissão dos Bispos Europeus e aos demais bispos em resposta ao apelo por eles dirigidos a “todos os candidatos e cidadãos” chamados a votar nas eleições europeias e, portanto, também a nós.
A carta foi publicada por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 31-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao Cardeal Matteo Zuppi, presidente da CEI.
A Dom Mariano Crociata, presidente da Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia e aos bispos do Colégio Episcopal.
Eminentes e caríssimos Bispos,
Recebemos e lemos a sua carta à Europa, dirigida "a todos, candidatos e cidadãos" na "oportunidade propícia e irrepetível" das eleições para o Parlamento Europeu e da nomeação da Comissão Europeia, e ficamos particularmente impressionados com a viva memória que vocês guardam das “guerras sem fim que travamos durante séculos” e dos milhões de pessoas que foram mortas: “Todos os sonhos de paz - vocês escrevem - foram despedaçados nos despenhadeiros das guerras, as mais recentes aquelas mundiais, que trouxeram imensa destruição e morte”, ao mesmo tempo que lembraram com alívio que “justamente a partir da tragédia da Segunda Guerra Mundial, que tocou o mal absoluto com o Holocausto e a ameaça à sobrevivência de toda a humanidade com a bomba atômica", nasceu o germe da Comunidade Europeia.
Hoje estamos vivendo o pesadelo de uma ameaça semelhante. A moção votada em 29 de fevereiro pelo Parlamento Europeu que promove uma mobilização europeia de "tudo o que for necessário" para derrotar a Rússia, as recentes declarações do secretário-geral da OTAN, Stoltenberg, que pede a utilização de armas ocidentais fornecidas à Ucrânia para atacar a Rússia, e aquelas do Representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, que desconsidera a escalada na utilização de tais armas, as promessas inquietantes de uma intervenção militar direta no terreno de alguns líderes europeus, as contramedidas preparadas pela Rússia a possíveis ataques com mísseis dentro do seu território, trazem um risco iminente de guerra na Europa, fortemente passível de se transformar num novo conflito mundial, até mesmo nuclear.
Não se trata de uma crise súbita de loucura, a Europa há muito enveredou por um caminho de regressão e inversão dos seus princípios fundadores; o Papa recordou-os várias vezes, mas já no intervalo entre a visita do Papa Francisco ao Parlamento de Estrasburgo, em 25 de novembro de 2014, e o discurso proferido em Roma para a entrega do Prêmio Carlos Magno, em 6 de maio de 2016, já havia se registrado mais um aumento; e se na primeira ocasião o Papa tinha falado de uma “Europa cansada e envelhecida, não fértil e vital, onde os grandes ideais que inspiraram a Europa parecem ter perdido a sua força atrativa”, dois anos depois teve de acrescentar a censura a uma “Europa decaída, que parece ter perdido a sua capacidade geradora e criativa”, uma Europa incapaz de “gerar processos de inclusão e de transformação” e que, em vez disso, estava “entrincheirando-se”, e dirigia-se a ela dizendo: “O que aconteceu com você, Europa humanista, paladina dos direitos humanos, da democracia e da liberdade? O que aconteceu com você, Europa, terra de poetas, filósofos, artistas, músicos, escritores, mãe de povos e nações?”
Perante tal precipício, pedimos à Igreja italiana (e temos certeza de o fazer também em nome das 260 pessoas que consultamos e que assinaram a nossa carta “à sociedade civil e pacífica”, que se encontra em anexo), que lance um grito profético de dor e de alarme para levar a Europa a não cometer suicídio, a não desencadear uma guerra no continente e no mundo, a não se prostituir aos senhores da guerra, e a não se tornar instrumento de nefastas estratégias alheias como aconteceu na Ucrânia e não se deixar destruir como Gaza.
Pedimos à Igreja italiana que implore à Europa que pare a guerra mundial, na qual inverossimilmente ninguém acredita e que, portanto, nada está sendo feito para evitá-la; pedimos que, ao atuar pelo repúdio do ódio na Europa, contribua para pôr fim ao genocídio em Gaza, que está mais ligado à Europa do que se possa pensar; pedimos que a Igreja italiana proponha com veemência uma Europa renovada na sua representação de se identificar com os três bens que o Papa Francisco no seu discurso ao Parlamento Europeu identificava na Paz, na Terra e na Dignidade: a Paz que a Europa deveria escolher até se tornar uma " família de povos", estendendo-se "um dia às dimensões que lhe são dadas pela geografia e pela história" (o que significaria para o leste até aos Urais incluindo a Rússia e para sul até Jerusalém), a Terra, da qual somos cuidadores e não donos, e a Dignidade de todas as criaturas, dos trabalhadores e dos doentes, dos idosos e dos jovens de futuro incerto, dos pobres e dos migrantes "de olhos perdidos" abandonados no mar, dos dominados pelo poder como daqueles reduzidos a engrenagem de um mecanismo que os reduz ao consumo e a coisas, até à “dignidade transcendente” de cada ser humano: as três coisas que também nós temos como máximo bem.
Ao dirigir a vocês o nosso apelo, não pedimos a Vocês, bispos, nenhum tipo de apoio político para isso ou aquilo, mas pedimos aquilo que lhes é próprio, o sinal eficaz da sua concelebração litúrgica em vista dos dias eleitorais, no exemplo pelo qual cada um seja induzido, da forma que mais lhe convenha, com a oração ou com a política, com a comunicação ou com a esmola, a um serviço visando propiciar uma Europa com um futuro diferente num mundo reconciliado sem “competições estratégicas” ou conflitos entre diferentes “mundos”, na qual a guerra seja finalmente e realmente repudiada e colocada fora da razão, do direito e da história.
Com muita confiança e esperança,
Raniero La Valle e Michele Santoro.
Promotores da iniciativa política “Paz Terra Dignidade”.
Roma, 31 de maio de 2024.
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No momento do máximo perigo. Carta de Raniero La Valle e Michele Santoro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU