O arquiteto anglo-israelense: “A colonização prevê a remoção do inimigo. A mensagem é implícita: se você não evacuar, você é um terrorista. Não vejo futuro para aquela terra".
Mapear é poder. Assim se podem resumir o pensamento e o trabalho de Eyal Weizman, arquiteto anglo-israelense, fundador da agência de pesquisa Forensic Architecture, professor do Goldsmiths College da Universidade de Londres, membro do Conselho Consultivo de Tecnologia da Corte Internacional de Justiça e do Centro de Jornalismo Investigativo e autor de numerosos livros, entre os quais “Spaziocidio, Israele e l’architettura come strumento di controllo” (na Itália publicado pela Oscar Mondadori), texto no qual Weizman argumenta que para Israel as práticas arquitetônicas e urbanísticas já se tornaram, há décadas, um instrumento de expropriação dos territórios palestinos.
A entrevista é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 07-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Weizman, vamos começar por esta definição, por que mapear é poder?
O mapeamento é uma expressão de dominação. E a arquitetura forense é hoje fundamental para compreender o conflito e também compreender o que está acontecendo em Gaza. O conflito territorial nos territórios palestinos ocupados reformulou o princípio segundo o qual um território para ser governado deve ser remodulado. E reconfigurou o processo de colonização com duas ações: destruição e construção.
A primeira ação: destruir para remover quem anteriormente habitava o espaço que você ocupou. As aldeias, as cidades, os hábitos, a cultura e a história.
A segunda ação é construir e, no caso de Israel, traduziu-se numa forma de controlar ou substituir a população palestina. Foi assim durante a Nakba de 1948 e o mesmo acontece hoje na destruição da Faixa de Gaza. Israel fez uso da arquitetura como parte da violência aplicada aos palestinos, vale para as fronteiras terrestres, aéreas e marítimas impostas a Gaza, e vale para a política dos assentamentos na Cisjordânia, colocados no topo das colinas para dividir os territórios ocupados, controlá-los e uni-los através do projeto de estradas e infraestruturas que isolem as comunidades palestinas e as tornem não comunicantes entre si.
Para Gaza, essa política traduziu-se em isolamento.
Gaza foi uma anomalia desde 1948, quando se tornou uma área de refugiados que lentamente se transformou na área mais densamente povoada do mundo. Até 2005 havia em Gaza assentamentos israelenses, desde o seu desmantelamento e com as eleições vencidas pelo Hamas dois anos mais tarde, Gaza foi cercada por um envoltório de infraestruturas civis e militares: cercas, estruturas militares, e ao redor kibutzim e moshavim, ou seja, são assentamentos agrícolas que fazem parte do que Israel chama de sua ‘defesa regional’. Hoje estamos assistindo a um projeto de ‘reconfiguração’ de Gaza. A guerra está destruindo os centros urbanos, as áreas agrícolas, Gaza agora já está dividida em dois para ser remodelada por essa guerra.
Você argumenta que a forma de controle que Israel exerce responde a uma política de verticalidade, a um sistema de camadas físicas, por um lado, e jurídicas, pelo outro, que sustentam a ocupação.
Veja, a lei é um produto do Estado e a lei determinou uma situação de segregação de fato, como ressaltado várias vezes pelas organizações humanitárias e pela relatora especial das Nações Unidas para os territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese. A lei hoje dividiu as populações: existe um sistema legal diferente entre israelenses e palestinos e entre os próprios palestinos, em Gaza e na Cisjordânia. Quando falo em políticas de verticalidade quero dizer que desde 1967 Israel está implementando projetos de planejamento estratégico, territorial e arquitetônico, que se tornaram a envergadura do conflito. A paisagem, a terra, os centros urbanos são as arenas da guerra. Por essa razão os assentamentos foram colocados no topo das colinas, para dominar – espalhando-se como manchas – a vida das comunidades palestinas.
Nesse sentido, defendo em meus estudos que os territórios ocupados não são mais vistos como uma superfície em duas dimensões, mas como um grande volume tridimensional que tem camadas estratégicas, religiosas e políticas. Políticas propostas e regulamentadas por tecnocratas, engenheiros rodoviários e até arqueólogos que dividiram o território a fim de controlá-lo, em todas as suas dimensões. Desde as bombas para a extração de água, às fortificações, aos postos de controle, até os radares, os controles biométricos, e os complexos sistemas de controle militar.
Um recente relatório da Forensic Architecture argumenta que aquilo que Israel define como evacuações humanitárias em Gaza equivale, na verdade, ao deslocamento forçado dos palestinos, o que constituiria um crime de guerra. Você poderia explicar mais detalhadamente?
Desde 7 de outubro, Israel emitiu ordens de evacuação imprecisas, muitas vezes contraditórias, atacando civis mesmo nas chamadas ‘zonas seguras’, não forneceu meios de sobrevivência para esses civis e, ao mesmo tempo, empurrou a população cada vez mais para o sul. Na primeira fase da guerra, os habitantes da zona Norte de Gaza, mais de um milhão de palestinos, atravessaram Wadi Gaza, a zona que divide a Faixa em Norte e Sul.
Após o cessar-fogo temporário e a última troca de prisioneiros, Israel publicou um mapa com mais de 600 zonas, divididas de forma confusa. Os palestinos podiam saber em que zona se encontravam (se na área 435 ou 567, etc.), ou com os mapas online (apesar de não haver conexão nem eletricidade) ou com panfletos lançados do céu pelo exército israelense, de uma forma obviamente não uniforme. Depois foram obrigados a se transferir, após vários deslocamentos, para o sul de Gaza. O relatório mostra que as ordens de evacuação foram usadas sistematicamente para obter o deslocamento das pessoas.
É por isso que você fala em violência humanitária.
Por violência humanitária quero dizer a utilização de princípios humanitários por Israel como mais uma arma contra os palestinos em Gaza. O princípio do ‘aviso’ deveria ser útil para salvar vidas humanas, mas em vez disso esses seis meses de guerra mostraram que Israel assume um princípio internacional, isto é, a obrigação de proteger os civis, e de alguma forma o manipula para obter uma vantagem operacional ou negocial. A mensagem implícita é: se não atender ao aviso, se não sair, se não evacuar, se não abandonar tudo, você será potencialmente considerado parte da resistência armada. Nesse sentido, os avisos tornaram-se mais um meio de expulsão.
O exército avisa que uma área é uma zona de guerra ativa e diz que todos devem sair para um local menor e definido como mais seguro. Qualquer um que decidir ficar é considerado terrorista ou um escudo humano voluntário, ou seja, alguém que não precisa ser protegido. A quem não é necessário dar alimento. A mensagem que foi transmitida nos últimos meses, especialmente no Norte da Faixa, é esta: ‘Nós avisamos, se vocês permaneceram ali, vocês são responsáveis, ou pior, cúmplices’. O resultado é que hoje dezenas de milhares de pessoas no Norte de Gaza estão literalmente morrendo de fome. São as pessoas ‘avisadas’ que, tendo sido ‘avisadas’, perderam o direito à alimentação, à moradia, à própria vida. Em seis meses de guerra, Israel não desmantelou o Hamas, não capturou os seus líderes, não está libertando os reféns. Mas está criando as condições de invivibilidade e perigo para a população palestina.
Edward Said escreveu num artigo para a London Review of Books: “Precisamos de uma contracartografia da ocupação”. Por que é tão importante mostrar a fragmentação territorial?
Said pensava que os palestinos precisavam mostrar a natureza opressiva da colonização israelense com uma espécie de contracartografia. Esse conceito me iluminou quando eu era um jovem arquiteto, compreendi e comecei a desenhar mapas da dominação territorial israelense. A cartografia faz parte da história do colonialismo, tem a ver com a tomada de controle das terras, governando-as e definindo novas fronteiras, é uma arma dos opressores. Said nos dizia: precisamos de um contramapeamento que represente os abusos, que os mostre com os seus instrumentos, porque o colonialismo contemporâneo, ao contrário do imperialismo dos séculos XVIII e XIX, tende a esconder as prevaricações e os abusos. O colonialismo hoje é, ao mesmo tempo, construir cercas e apagar a sua representação. Portanto, uma contracartografia é uma forma de mostrar a lógica da dominação e combatê-la.
Se você tivesse que descrever Israel e os territórios palestinos de cima, como o faria?
Uma área artificial. Não existe nada como a Faixa de Gaza na história. E o que esta guerra deixou claro é que a lógica da divisão e da violência está ligada à configuração arquitetônica da qual deriva o próprio conceito de ‘Faixa’ de Gaza, ou seja, um lugar onde as pessoas estão confinadas e cercadas por fronteiras.
Como você vê o futuro de Gaza depois da guerra?
Não vejo futuro para Gaza. Gaza é uma área de concentração. Os refugiados palestinos foram tirados da sua terra, amontoados numa terra invivível. Não há condições que lhes permitam uma vida, portanto não consigo ver um futuro para Gaza.