21 Fevereiro 2024
"Talvez pela imagem de “covarde” que aparece nas investigações policiais e que trouxe à tona uma dezena de supostos crimes que seriam suficientes e mais que suficientes para decretar sua prisão, sua classe política e seu governo foram surpreendidos por a sua ousadia em desafiar todos no momento mais difícil do seu destino político", escreve Juan Arias, jornalista e escritor espanhol, em artigo publicado por El País, 18-02-2024.
O ex-presidente não desiste e arrisca até a possibilidade de ser preso ao convocar uma manifestação nacional a seu favor.
A questão política no Brasil não é se Bolsonaro acabará na prisão ou não, mas quando, desde a trama que a polícia está descobrindo sobre suas tentativas fracassadas de golpe militar para impedir que Lula chegue ao poder, ou como ele diz, “do comunismo” está à luz do sol.
A dúvida também é do Governo Lula, se está ou não interessado em prender agora o extremista de direita por receio de que os seus ainda seguidores possam transformá-lo num mártir, que, se é verdade que diminuíram, ainda são muitos e vão desde algumas forças do Exército até empresários de direita e a força das igrejas evangélicas.
Quem conhece os meandros da multifacetada extrema direita brasileira e as estreitas relações não só de Bolsonaro, mas de toda a sua família com o americano Trump, que poderá regressar ao poder nos Estados Unidos, está convencido de que Bolsonaro está à espera de tal resultado antes de desistir.
E esse é, ao mesmo tempo, o medo de Lula, de que com a possível vitória de Trump, um trio perigoso possa se formar na América, depois das atuais vitórias dos dois extremistas de direita, com Milei na Argentina e Bukele em El Salvador, que culminar numa espécie de extrema-direita norte-americana. Como escreveu Janaina Figueiredo, em sua coluna O Globo, começa a surgir uma nova rede latino-americana de extrema direita, liderada pelo ex-presidente Trump e comenta: “Estes são tempos sombrios para os planos de integração regional do Governo Lula III”.
Bolsonaro sabe de tudo isso e talvez tenha sido o que o levou à decisão de não se render, arriscando até a possibilidade de ser preso, ao convocar a seu favor, para o próximo dia 25, uma manifestação nacional, segundo ele, "em defesa da fé, da família e da liberdade”.
Ciente da provação em que quer apostar, pediu aos seus seguidores que se concentrassem na mítica São Paulo, vestida com as cores da bandeira nacional, sem faixas com palavras de ordem contra o governo, totalmente pacífica, o que poderia até terminar com uma oração, já que a manifestação foi patrocinada por Silas Malafaia, uma das figuras mais poderosas da Igreja Pentecostal.
Para o evento já estão sendo mobilizadas caravanas de ônibus que chegam de todo o Brasil ao preço de 200 reais (40 euros), que geralmente são patrocinados por empresários de direita que sempre apoiaram Bolsonaro em suas manifestações públicas e em suas tramas golpistas. .
O curioso da surpresa de Bolsonaro por, com um pé na prisão, decidir desafiar o Governo e tentar arriscar tudo com a referida manifestação, principalmente se fracassar, é que ele não é visto como Trump como um personagem orgulhoso, capaz de desafiar o poder à luz do sol. Bolsonaro sempre agiu nas sombras da baixa política. Além disso, em um dos vídeos descobertos pela polícia de uma reunião sua com os ministros para a preparação do golpe que buscava impedir a eleição de Lula, ele aparece disfarçado no traje da humildade. Ele confessa aos ministros presentes, vários deles militares envolvidos no golpe, que nunca foi nada na política: que passou a vida inteira no Congresso, como simples deputado, vagando por oito partidos menores. Num momento em que há silêncio na reunião de ministros, Bolsonaro chega a dizer que não sabe como um “merda” como ele, que é como se autodenominar covarde e insignificante, “poderia estar sentado esta cadeira.” referindo-se à da presidência do Governo.
Talvez pela imagem de “covarde” que aparece nas investigações policiais e que trouxe à tona uma dezena de supostos crimes que seriam suficientes e mais que suficientes para decretar sua prisão, sua classe política e seu governo foram surpreendidos por a sua ousadia em desafiar todos no momento mais difícil do seu destino político.
Isso é demonstrado pelo fato de ele ter convocado a manifestação nacional a seu favor justamente na grande São Paulo, uma espécie de santuário tradicional das grandes manifestações históricas que, não raro, mudaram os rumos do governo, como aconteceu primeiro com a ex-presidente, Dilma, que acabou vítima de um impeachment e posteriormente com Lula preso.
Bolsonaro aproveitou para convocar esta manifestação nacional a seu favor, já que Lula, seu grande pesadelo, está viajando pela África. O presidente e seu governo manifestaram um silêncio diplomático, esperando, sem dúvida, que esta provação de um Bolsonaro, gravemente ferido politicamente terminasse em fracasso, se não em ordem de prisão, ali mesmo, se a manifestação se tornasse, mesmo contra a vontade do extremista, num ato contra o Governo.
Lula até agora se mostrou cauteloso em relação às já graves acusações judiciais contra Bolsonaro. Por enquanto, parece preferir vê-lo livre para que, na prisão, não acabe se tornando um mártir de que a direita possa se aproveitar. E o fato é que ainda não existe, fora dele, como aparece unanimemente entre os analistas políticos, uma figura capaz de herdar o bolsonarismo, que, embora ferido, ainda está vivo, como demonstra a audácia desse perigoso apelo nacional que tem sido suspenso para o país.
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Enquanto espera por Trump, Bolsonaro decide desafiar Lula. Artigo é de Juan Arias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU