30 Março 2023
"Trata-se de colocar no tabuleiro vacilante e por vezes aterrador do nosso futuro, a questão, sempre sem resposta, se a espiritualidade, mais do que a pura religião que costuma terminar em política, pode mesmo curar-nos ou tornar-nos menos infelizes. Ou até nos fazer morrer pacificados", escreve Juan Arias, jornalista, em artigo publicado por El País, 28-03-2023.
Não é novidade que o Brasil é um país onde a religião exerce forte influência na sociedade.
É até a confirmação científica de que as pessoas morrem menos desesperadas e até melhoram a saúde quando professam alguma forma de espiritualidade religiosa. José Augusto Messias, membro da Academia Brasileira de Medicina, professor da UERF, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pioneiro mundial em uma experiência inovadora em medicina para adolescentes, me confidenciou anos atrás em entrevista para este jornal que pacientes com algum tipo de fé morrem, mas "tornam-na mais calma ou menos desesperada".
Hoje, uma experiência nesse sentido no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, referência mundial em medicina avançada, frequentado por grandes personalidades, confirmou e até reforçou a intuição de Messias. O hospital acaba de criar um grupo de assistência médica voltado para o tema com o objetivo de aprofundar os efeitos da associação entre espiritualidade e medicina, permitindo inclusive que líderes religiosos visitem os enfermos se assim o solicitarem.
O coordenador desse grupo, o geriatra Fábio Nasri, em longa entrevista ao jornal O Globo, anuncia a nova modalidade. Quando um paciente é internado no hospital, “só não pode entrar o coração ou o apêndice, é preciso levar em conta toda a sua dimensão humana, inclusive a espiritual”, segundo seu relato. E acrescenta que está a ser descoberto que esta dimensão espiritual “pode ser um poderoso instrumento de saúde”.
Sabe-se que no Brasil, e não apenas entre os mais pobres, a religiosidade abrange toda uma gama de nuances, desde os cristãos até os ritos herdados das crenças africanas. Ainda hoje vejo como os filhos, quando estão em casa com os pais, pedem a bênção. A religiosidade é como uma segunda pele para o brasileiro, a ponto de acabar sendo explorada pelos políticos na hora de pedir o voto, quando todos ostentam sua espiritualidade.
Fiel ao seu prestígio médico-científico, o Hospital Einstein, que começa a ser seguido por outros em todo o país, estuda que tipo de reação física isso acarreta. Os primeiros estudos nesse sentido mostram que, quando uma pessoa pratica algum tipo de espiritualidade, a frequência cardíaca, por exemplo, tende a diminuir e a pressão arterial cai.
Segundo Nasri, agora o problema será saber “como isso ocorre no nível celular. Por exemplo, o que é a proteína e como entra essa energia? Já é notícia, porém, o simples fato de médicos de prestígio reconhecerem o importante papel da influência que qualquer tipo de fé religiosa pode exercer na saúde física, mental e até na morte. Isso abre a possibilidade, por exemplo, de reestudar fenômenos físicos extraordinários como a reprodução nas mãos das chagas de Cristo ou os meses inteiros de jejum absoluto de alguns santos que nos contam suas biografias a partir de São Francisco de Assis. Continua curioso, e reconsidera uma série de questões até então sem resposta, a influência que o espiritual pode ter no corpo físico, na saúde e até na morte.
Vivemos tempos de profundas transformações que colocam em causa até o futuro do Homo sapiens, sem saber onde vamos aterrar após a criação da Inteligência Artificial, que começa a abalar as colunas que nos sustentaram até hoje. Eles também influenciarão a fé religiosa? Abalarão as religiões? Ou vice-versa, poderá essa fé ressuscitar, grande paradoxo, nas mãos da ciência que um dia a perseguiu?
É curioso e interessante que numa época de grandes transformações cósmicas como a que a humanidade está a viver, que põem em causa todas as nossas crenças mais atávicas, parecem ressuscitar realidades espirituais e culturais que considerávamos ultrapassadas. Assim, não só a inesperada insurgência daquele abraço entre ciência e religião, mas também a ressurreição, por exemplo da poesia, poderoso instrumento do passado para esquadrinhar os recantos mais profundos da alma, e que condenava à morte os tristes e prosa podre das redes.
Não deixa de ser mais do que simbólico e talvez até profético, que nestes momentos de medo existencial, de ansiedade pelo nosso futuro iminente, experiências até ontem impensáveis começam a ressurgir. E isso no meio dos rios da mais raivosa modernidade. Trata-se de colocar no tabuleiro vacilante e por vezes aterrador do nosso futuro, a questão, sempre sem resposta, se a espiritualidade, mais do que a pura religião que costuma terminar em política, pode mesmo curar-nos ou tornar-nos menos infelizes. Ou até nos fazer morrer pacificados.
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A conexão entre fé e saúde cresce no Brasil. Artigo de Juan Arias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU