15 Setembro 2023
"O controle do desmatamento e a promoção de usos sustentáveis da terra com baixo impacto dependem de políticas e prioridades nacionais (...). Ao longo de sua história, o Brasil não perdeu o controle de seu território amazônico para exércitos estrangeiros, mas sim para os setores da sociedade que buscam explorar esta região".
O comentário é de Stephannie Fernandes, Geraldo W. Fernandes e Philip M. Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 13-09-2023.
Stephannie Fernandes é aluna de doutorado na Florida International University, Miami, FL, EUA. As suas pesquisas estão na área de ecologia política, visando descobrir como os arranjos institucionais e as diferentes partes interessadas se relacionam com o desenvolvimento e a conservação dos recursos hídricos.
Geraldo Wilson Fernandes é professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Belo Horizonte, MG e integrante do Centro de Conhecimento sobre Biodiversidade-Brasil. Ele possui graduação em ciências biológicas pela UFMG e mestrado e doutorado em ecologia pela Northern Arizona University, EUA. Foi professor visitante na Stanford University, a University of Alberta e a Universidad de Sevilla. É pesquisador 1A do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Investiga o desaparecimento de abelhas e seu reflexo na polinização, produção de mel e própolis, e ele trabalha sobre vários temas na área de ecologia e meio ambiente.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É pesquisador 1A de CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
A produção de carne bovina e soja que é consumida em outros lugares está devastando a região, onde a floresta é derrubada e queimada, os rios são represados e poluídos e o meio ambiente é envenenado com pesticidas e metais pesados, enquanto áreas protegidas, povos indígenas e comunidades locais são destruídas pela mineração. Apesar da vasta riqueza natural, a venda dos recursos naturais da Bacia para alimentar a prosperidade de outras nações deixa a Amazônia brasileira estagnada e subdesenvolvida. À medida que os colapsos ambientais e institucionais se tornam mais prováveis, a falta de governança abre o caminho para o ponto de não retorno da floresta [1]. Não será este um outro tipo de perda de soberania para a região? Um exemplo perfeito é o avanço das corporações multinacionais que estão criando ainda mais degradação [2].
Os soberanos da Amazônia de hoje são aqueles que levam adiante a agenda da exploração. As atividades ilegais avançam para as áreas protegidas e ameaçam a diversidade biocultural da Amazônia. O governo de Luís Inácio Lula da Silva, que assumiu a presidência em janeiro de 2023, enfrenta desafios para estabelecer o controle do território. Os eleitores da área conhecida como o “arco do desmatamento”, que é dominada pelo setor do agronegócio, apoiaram fortemente a candidatura presidencial malsucedida de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. O novo governo enfrenta estas forças políticas anti-ambientais e o legado ‘desenvolvimentista’ deixado por Bolsonaro.
Durante sua campanha, Lula prometeu proteger a Amazônia como prioridade máxima. Logo após sua eleição, ele viajou para a COP27 no Egito, onde declarou sua intenção de trazer o Brasil de volta às conversações internacionais sobre mudanças climáticas e avançar com planos de mitigação. O discurso de Lula na COP27 reforçou seu compromisso com a agenda ambiental e com o cumprimento da Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, assinada pelo Brasil e outros 136 países durante a COP26 em 2021 [3]. O acordo promete “parar e reverter a perda florestal” até 2030 [3]. Com menos de oito anos para atingir taxas de desmatamento zero, o novo presidente precisará agir rapidamente com medidas fortes para conservar a floresta amazônica, bem como os biomas biodiversos de outros países [4].
Um dos primeiros atos de Lula foi criar o Ministério dos Povos Indígenas e nomear uma liderança indígena (Sônia Guajajara) para chefiá-lo. Os territórios indígenas representam barreiras críticas contra a mudança no uso da terra (por exemplo, [5]), e a sua proteção foi corroída sob o governo Bolsonaro [6, 7]. A aliança com os povos indígenas faz parte da espinha dorsal da agenda conservacionista de Lula, juntamente com o combate aos crimes ambientais. Lula editou o Decreto 11.368/2023 para reativar o Fundo Amazônia, o Decreto 11.367/2023 para resumir o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal e o Decreto 11.417/2023 para restabelecer o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), e ele revogou o Decreto 10.966/2022 de Bolsonaro que promovia a mineração de ouro por garimpeiros [8].
Infelizmente, medidas ambientalmente prejudiciais também estão em curso, como a Lei 14.182/2021 que exige que 50% do mercado de cada concessionária seja abastecido por pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) até 2026. Isso implica a construção de barragens em todo o país, inclusive na Amazônia [9, 10]. O apoio de longa data de Lula às barragens hidrelétricas é uma das áreas de preocupação em relação às perspectivas ambientais para seu governo [11]. Outra é a sua prioridade anunciada para a “regularização” fundiária (um eufemismo para a legalização de reivindicações ilegais de terras) – uma questão fundamental na Amazônia brasileira para os 70 Mha de “florestas públicas não destinadas”, ou seja, terras do governo sem uma função específica [10]. Essas terras são alvo fácil para grileiros [12].
O primeiro passo para evitar maiores perdas da floresta amazônica será reconstruir o aparato jurídico do Brasil que foi parcialmente destruído pelo governo Bolsonaro [13]. Parar o desmatamento adicional também exigirá a atribuição de florestas públicas não destinadas para uso como unidades de conservação e como territórios indígenas, e não as converter em propriedade privada. Medidas para deter o desmatamento devem ser a primeira prioridade do Brasil no momento. Mais tarde, uma vez controlado o desmatamento da Amazônia, será necessária uma restauração ecológica em grande escala [14]. Políticas internacionais como a Lei de Desmatamento da União Europeia ajudarão a evitar o desmatamento para commodities na Amazônia, mas essas políticas apenas proíbem a importação de certas commodities [4]. Eles também não abordam o efeito indireto importante sobre o desmatamento na Amazônia causado pela conversão de pastagens em soja em outras partes do Brasil [15].
Além de recuperar a capacidade de exercer controle ambiental, é necessária uma nova proposta para que a Amazônia reconstrua abordagens de construção de resiliência e desenvolva modelos de produção sustentáveis que envolvam as partes interessadas locais e incorporem diversas formas de conhecimento. A criação e demarcação de territórios indígenas é importante nesse sentido. O controle do desmatamento e a promoção de usos sustentáveis da terra com baixo impacto dependem de políticas e prioridades nacionais (...). Ao longo de sua história, o Brasil não perdeu o controle de seu território amazônico para exércitos estrangeiros, mas sim para os setores da sociedade que buscam explorar esta região. Ao longo de sua história, o Brasil não perdeu o controle de seu território amazônico para exércitos estrangeiros, mas sim para os setores da sociedade que buscam explorar esta região. No Brasil e em outros lugares, o governo, a academia e a sociedade devem colaborar para conter as ameaças à floresta remanescente. [16]
[1] Walker, R.T., 2021. Collision course: Development pushes Amazonia toward its tipping point. Environment: Science Policy for Sustainable Development 63: 15–25.
[2] Angelim, D., Lima, D.A., Laczynski, P., Boulos, R., Goldfarb, Y. 2021. Invisible hands? European corporations and the deforestation of the Amazon and Cerrado biomes. Relatório Técnico, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
[3] COP26. 2021. Glasgow leaders’ declaration on forests and land use. 26th Conference of the Parties (COP26) of the United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC). UNFCCC, 02 de novembro de 2021.
[4] Fernandes, G.W., Oliveira, H.F.M., Bergallo, H.G., Borges-Junior, V.N.T., Colli, G., Fernandes, S., Roque, F.O., 2023. Hidden costs of Europe’s deforestation policy. Science 379: 341–342.
[5] Fa, J.E., Watson, J.E.M., Leiper, I., Potapov, P., Evans, T.D., Burgess, N.D., Garnett, S.T., 2020. Importance of Indigenous peoples’ lands for the conservation of intact landscapes. Frontiers in Ecology and Environment 18: 135–140.
[6] Ferrante, L., Fearnside, P.M. 2021. Governo viola direitos indígenas. Amazônia Real.
[7] Conceição, K.V., Chaves, M.E.D., Picoli, M.C.A., Sánchez, A.H., Soares, A.R., Mataveli, G. A.V., Camara, G., 2021. Government policies endanger the indigenous peoples of the Brazilian Amazon. Land Use Policy 108: art. 105663.
[8] Oxfam Brasil. 2023. 1 mês de governo Lula: O que foi feito até agora contra as desigualdades?
[9] Ferreira, M.E., Nogueira, S.H. de M., Latrubesse, E.M., Macedo, M.N., Callisto, M., Bezerra Neto, J.F., Fernandes, G.W., 2022. Dams pose a critical threat to rivers in Brazil’s Cerrado hotspot. Water 14: art. 3762.
[10] Fernandes, S., Couto, T.B.A., Ferreira, M., Pompeu, P.S., Athayde, S., Anderson, E.P., Fernandes, G.W., 2023. Conserving Brazil’s free-flowing rivers. Science 379: 887.
[11] Fearnside, P.M., 2023. The outlook for Brazil’s new presidential administration. Trends in Ecology and Evolution 38(5): 387-388.
[10] Fearnside, P.M. 2023. Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real, 17 de janeiro 2023.
[12] Azevedo-Ramos, C., Moutinho, P., Arruda, V.L. da S., Stabile, M.C.C., Alencar, A., Castro, I., Ribeiro, J.P., 2020. Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 99: art.104863.
[13] Barbosa, L.G., Alves, M.A.S., Grelle, C.E.V., 2021. Actions against sustainability: dismantling of the environmental policies in Brazil. Land Use Policy 104: art. 105384.
[14] Bustamante, M.M.C., Silva, J.S., Scariot, A., Sampaio, A.B., Mascia, D.L., Nobre, C., 2019. Ecological restoration as a strategy for mitigating and adapting to climate change: lessons and challenges from Brazil. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 24: 1249–1270.
[15] Fearnside, P.M., 2020-2021. O desmatamento da Amazônia. Amazônia Real.
[16] Esta série é uma tradução de Fernandes, S.S., G.W. Fernandes & P.M. Fearnside. 2023. Viewpoint: Sovereignty and reversing Brazil’s history of Amazon destruction. Land Use Policy 133: art. 106868.
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Soberania e a destruição da Amazônia: 3 – Cenários futuros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU