28 Julho 2023
"Esses tempos de silêncio permitem que as ideias que estão escondidas em profundidade surjam e tomem forma. Sim, como ensina a espiritualidade cristã, são horas de vigilância em que se consegue ver, por vezes, realidades invisíveis, captar a melodia secreta do universo, a voz do próprio íntimo, isto é, da consciência".
O artigo é de Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, publicado por La Repubblica, 24-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Já enfatizamos em outras ocasiões como as férias poderiam ser uma graça, uma boa oportunidade de “dar tempo ao tempo”, de “não fazer nada” e também de praticar o silêncio.
Se as férias são uma oportunidade de alteridade, possibilidade de se comportar diferentemente da rotina dos dias, então também a busca por tempos e lugares silenciosos faz sentido: é uma questão de deixar de lado tanto ouvir como dizer as muitas palavras que costumam preencher os nossos dias. Assim descobrimos que o silêncio está dentro de nós! Sabemos que existem silêncios negativos que são portadores de tristeza, sofrimento e má solidão, mas não deixa de ser verdade que o silêncio é uma dimensão essenciais do nosso viver, necessário para a qualidade humana da nossa relação com os outros.
Há tempo de falar e tempo de calar, já avisava o Eclesiastes e a sabedoria oriental afirma: "Quem é sábio sabe o que fala, quem é estúpido fala o que pensa saber!".
E por que ficar em silêncio?
Em primeiro lugar, para fazer falar o silêncio: a palavra deve brotar de um silêncio que a pensa, a discerne, a fala entregando-a aos outros. Somente se a palavra vem do silêncio é percebida como carregada de autoridade. Por meio da prática do silêncio aprendemos a escutá-lo e dominar a nossa palavra: fazemos dela uma palavra hospitaleira, dialógica, branda, tirando-a da agressividade de quando é gerada apenas por nossos impulsos e nossos sentimentos. São estes últimos, de fato, quem podem gerar a palavra violenta. Quem experimenta o silêncio logo percebe que isso lhe permite acessar novas formas de pensar e é o ponto de partida para novas formas de se expressar.
O tempo de férias fica empobrecido se não conhece tempos de silêncio: de manhã, ao caminhar à beira-mar antes que fique lotada de banhistas ou se encontra uma trilha nas montanhas para percorrer pensando e contemplando a natureza; ou ao entardecer, ao pôr do sol, quando se procuram lugares silenciosos de onde olhar o sol se pôr e a luz se avermelhar no fim do dia.
Poucos sabem fazer silêncio à noite ou ao amanhecer, "acordando a aurora", como diz o salmo, mas quem teve essa experiência conhece a riqueza do silêncio nas horas noturnas ou matutinas, que trazem uma clarividência que não se consegue obter em outras horas.
Esses tempos de silêncio permitem que as ideias que estão escondidas em profundidade surjam e tomem forma. Sim, como ensina a espiritualidade cristã, são horas de vigilância em que se consegue ver, por vezes, realidades invisíveis, captar a melodia secreta do universo, a voz do próprio íntimo, isto é, da consciência.
Infelizmente, muitos de nós têm medo do silêncio: preferimos o ruído, a maldita música de fundo, para não escutar com atenção. E como podemos então ser capazes de escutar o outro?
Desfrutar do silêncio é a forma para redescobrir o sabor dos outros e entender que o bem não faz barulho e o barulho não faz bem!
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Desfrutar o silêncio. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU