06 Julho 2023
"A homília deve ser Evangelho, nada mais que Evangelho, boa nova, como era nos lábios de Jesus", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por seu blog ilblogdienzobianchi.it, 20-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Também por ocasião do funeral de Berlusconi assistimos à celebração do sacramento da Eucaristia, tentando conter a indignação que vinha do fundo de nosso ser e nos entristecendo pela distância do Evangelho do que estava acontecendo, distância do que Jesus e seus discípulos haviam vivido quando em sua peregrinação pelas estradas da terra de Israel encontravam um funeral, um falecido acompanhado ao túmulo.
Os cristãos conhecem o limite da vida, a morte, como os demais seres humanos, e quando, com temor e tremor, tentam contá-la como um encontro entre o falecido e Deus se impõem um pudor ao falar, ao expressar a dor. Mas, acima de tudo, garantem que o funeral seja vivido coram Deo, diante de Deus, como uma entrega a ele do corpo de um homem, de uma mulher, que desfigurados pelo pranto e cansados pelo ofício de viver confiam no Senhor colocando a esperança somente n'Ele, pedindo-lhe a redenção e para serem introduzidos para sempre na comunhão divina e cósmica de amor que nunca falhará.
Por isso a homília deve ser o Evangelho, nada mais que o Evangelho, a boa nova, como era nos lábios de Jesus. Por isso são justamente os pobres os primeiros sujeitos dessa justiça que reintegra o que lhes foi tirado enquanto estavam em vida. O morto, que é o verdadeiro celebrante, pede piedade, Kyrie eleison, porque ele entende que seu desejo de vida pode resultar surdo ao desejo de vida do outro, do irmão, pode ter sido um desejo de sucesso, de riqueza, de amor sem nunca levar em conta o desejo do outro, do vizinho, do próximo, do pobre e do descartado. Aqueles que estão empenhados em alcançar o sucesso na vida e que acumulam riquezas se perguntam: "Onde está o meu irmão?”
Assim, uma ocasião desse tipo pode transformar-se num desfile, numa cena de sabor idólatra em que sobretudo o Evangelho parece ser o grande ausente.
Não estou fazendo um discurso político. Por Berlusconi rezo pedindo misericórdia a Deus, por ele como por qualquer outro, para que conheça a alegria da comunhão com Deus e com os homens. Mas que no funeral de um importante personagem, talvez para engrandecer os dons e benefícios concedidos à Igreja por ele e por seu governo, tenha se vivido um espetáculo, a verdadeira cena deste mundo que passa (exatamente no funeral, que é celebração do que não passa!), isso é muito triste, é uma mortificação da fé cristã.
Hoje os funerais são celebrações de pessoas comuns, muitas vezes celebradas de má vontade e na "miséria" de um rito com poucos participantes, ou manifestações mundanas com aplausos repetidos, elogios ao defunto, homilias consoladoras sem boa nova, mas retóricas e espetaculares.
Tinha razão aquele cardeal da minha juventude que dizia: "Deus iguala os nascimentos, mas não os berços e menos ainda os funerais".
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É possível ouvir hoje uma homilia cristã? Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU