13 Julho 2023
O relatório da Nature que registrou 61.000 mortes por calor na Europa em 2022 traz o problema do aquecimento global, dramaticamente, "nas nossas casas: na minha, na sua". É o que afirma o cardeal Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, ou seja, "ministro" do Papa Francisco para as questões sociais e ambientais, enfatizando que a mudança climática não é problema dos outros: “Cada um deve reconhecer que não pode continuar a viver como viveu até agora, se quisermos evitar esse massacre”, afirma o cardeal jesuíta, que também lê as iniciativas dos jovens militantes como um protesto contra "a paralisia política que não é capaz de tomar o problema nas mãos".
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 13-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Laudato si', Francisco escreveu que "a humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças nos estilos de vida, na produção e no consumo para combater esse aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam". Uma encíclica profética?
Infelizmente não era profética, mas relevante e atual: o que lá está escrito era verdade então, hoje é muito pior e mais evidente, mas não era profética: era precisa, era verdadeira. E o tema central, que o Santo Padre repetiu mil vezes, é que o problema e a solução começam por mim.
O que a humanidade deveria fazer, segundo o Papa?
Espero que este novo relatório da Nature nos ajude a abandonar a palavra 'humanidade' e passar a falar de indivíduos: precisamos reduzir a abstração e essa triste e alarmante relatório nos ajuda a ver que esse é um problema real, não é uma ideia, afeta-nos de perto, não diz respeito apenas a outros que estão longe. Essa é a única possibilidade de mudança.
É preciso deixar o negacionismo e enfrentar a triste realidade, e cada um deve reconhecer que não pode continuar vivendo como viveu até agora se quisermos evitar esse massacre. O relatório traz a mensagem da Laudato si' para dentro de casa: da minha casa, da sua casa. É preciso parar de falar dos outros e reconhecer que esse é um problema meu, dos nossos filhos e dos nossos netos.
Afetados pelas mudanças climáticas, como aponta o Papa, são todos, mas em especial os mais frágeis: os idosos, os pobres, os migrantes. Como protegê-los?
Se as pessoas, as sociedades, os governos não aceitam o problema como seu, não adianta falar nos frágeis, torna-se uma triste retórica. Se não estivermos dispostos a mudar, não há nenhuma possibilidade de ajudar os outros. Talvez no passado tínhamos maior prosperidade e pudéssemos pagar generosamente ao terceiro mundo enquanto podíamos continuar a incrementar o nosso estilo de vida. Isso não é mais possível hoje. Isso é o mais difícil de aceitar: é mais fácil dizer a mim mesmo que devo cuidar de um pobre que está morrendo de calor na sua casa do que contribuir para as mudanças importantes que todos, todos devemos fazer.
O Papa fala de migrantes climáticos, os políticos falam frequentemente de migrantes econômicos…
Os migrantes econômicos são uma mentira, uma falsidade, uma ideologia e os jornalistas contribuem para o problema repetindo essa expressão demagógica. O fantasma do migrante econômico é muito útil para a retórica. Cada um de nós se colocaria em movimento se não pudesse sustentar a sua família. Eu pergunto: se você perceber que não tem mais água potável para seus filhos, quanto tempo você esperará antes de migrar? Um dia?
O que o senhor pensa dos protestos climáticos protagonizados por jovens, com provocações como jogar tinta em quadros?
Lamento que a sociedade não lhes dê oportunidades mais construtivas. Essa é a questão. Esses atos são um protesto pelo clima, mas sobretudo pela paralisia política que não é capaz de enfrentar o problema.
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“Sobre o clima, digamos um basta aos negacionismos, a política deve enfrentar esse desafio”. Entrevista com Michael Czerny - Instituto Humanitas Unisinos - IHU