15 Março 2023
Os poloneses estão divididos devido a emoções extremas depois que jornalistas investigativos afirmaram que o falecido papa nomeou padres pedófilos quando era cardeal-arcebispo de Cracóvia.
A reportagem é de Magda Viatteau, publicada por La Croix International, 14-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Revelações que sugerem que João Paulo II conscientemente encobriu abusos sexuais ao transferir padres perpetradores quando era cardeal-arcebispo de Cracóvia provocaram reações extremas e contrastantes na Polônia natal do falecido papa.
“Isso foi fabricado por Bezpieka”, diz uma mulher chamada Marta, referindo-se à polícia secreta durante o comunismo. “Não dá para confiar nisso, faz parte de um ataque contra a Igreja, contra a fé, faz parte do processo de secularização”, disse ela, uma engenheira de 50 anos que falou conosco na igreja jesuíta de Santo André Bobola, em Varsóvia.
Sua defesa inabalável do cardeal Karol Wojtyla, que se tornou papa em 1978, é típica de apenas uma metade de uma Polônia profundamente polarizada, onde muitos veem a Igreja Católica como uma importante aliada do partido conservador que governa o país e está concorrendo à reeleição ainda neste ano. A polarização da sociedade polonesa é evidente em todas as conversas.
Muitos católicos entrevistados pelo La Croix expressaram consternação com as acusações de encobrimento de abusos por parte do falecido papa. Ekke Overbeek, um jornalista investigativo holandês que vive na Polônia há duas décadas, detalhou-os em seu livro recente “Mea Maxima Culpa. João Paulo II sabia”. Marcin Gutowski, repórter investigativo do canal pago polonês TVN24, também fez afirmações semelhantes.
“Estou chocada”, disse Agnieszka Bugdalska, professora escolar no centro da capital.
“É claro que esse caso não apaga o papel do papa e da Igreja na queda do regime comunista. Mas acho totalmente inaceitável ignorar as vítimas, que ainda estão sofrendo com as sequelas”, disse ela. “Algumas tiveram suas vidas destruídas, algumas cometeram suicídio. E, quando penso que aquelas que foram à Igreja reclamar, ouviram que ‘isso não era grande coisa’, fico revoltada.”
Malgorzata Glabska, bibliotecária e católica praticante, disse que as revelações sobre Karol Wojtyla não foram uma surpresa total.
“Pensei por muito tempo que ele devia saber de alguns casos de abuso quando era papa, mas não quando era arcebispo. Então, hoje, eu me sinto decepcionada”, admitiu. “Como isso foi possível? Em João Paulo II, eu vi uma pessoa muito honesta, obedecendo estritamente ao Evangelho. O abuso sexual, o fato de não protegermos as vítimas, de não punirmos os culpados é incompatível com o Evangelho e com o seu discurso tão belo, tão justo.”
Os líderes políticos da Polônia e os bispos católicos do país reagiram com raiva às acusações. A maioria parlamentar, dominada pelo partido conservador Lei e Justiça (PiS), de Jaroslaw Kaczynski, aprovou uma resolução “condenando resolutamente a vergonhosa campanha midiática, baseada em grande parte em materiais do aparato opressor da República Popular da Polônia, dirigida contra o grande papa São João Paulo II, o polonês mais eminente da história”.
O arcebispo Stanislaw Gadecki, presidente da Conferência Episcopal nacional, emitiu uma declaração mais sutil que foi lida nas igrejas no domingo, 12 de março. Ele criticou os autores das investigações por “assumirem acriticamente documentos criados pelos serviços de segurança (comunistas) como fontes confiáveis”.
Ele observou que João Paulo II tomou decisões que levaram a Igreja a estabelecer estruturas e procedimentos para garantir a segurança de crianças e jovens. Ao mesmo tempo, reconheceu que “defender a santidade e a grandeza de João Paulo II não significa, evidentemente, que ele não tenha cometido erros”.
O historiador Adam Michnik, ex-dissidente e líder intelectual da esquerda anticomunista, também defendeu Karol Wojtyla fortemente.
“Eu não acredito que o papa encobriu conscientemente os criminosos. Ele está morto e não pode se defender”, disse Michnik, agora editor-chefe do jornal Gazeta Wyborcza. Ele insistiu que “a Polônia deve muito” a João Paulo II para “reduzir seu pontificado apenas a essa questão”.
Os jovens poloneses parecem menos abalados com as acusações contra Karol Wojtyla, que morreu em 2005.
“Tudo isso está muito distante para mim”, disse Jacek, um estudante de economia de 20 anos, ao sair da igreja administrada pelos jesuítas. Ele disse que não poderia “julgar eventos tão antigos, por não estar familiarizado com essa época”. Mas insistiu que as reações polarizadas se intensificariam na corrida eleitoral deste ano.
"A esquerda se lançará contra o papa. A direita o defenderá até o último suspiro”, disse o universitário, antes de acrescentar: “Eles fizeram do papa um super-herói de revista em quadrinhos, que nunca comete erros. Ao invés disso, ele é um santo que foi papa. Ele foi um homem que podia cometer erros”.
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Polônia se divide diante de revelações de encobrimento de abusos por parte de João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU