19 Novembro 2020
"Mas quando escândalos como o de McCarrick se tornam conhecidos, isso faz com que as pessoas questionem todo o sistema. O que nem sempre é ruim. Quando Josemaría Escrivá, o controverso fundador do Opus Dei, foi canonizado em 2002, um jesuíta respondeu: 'Bem, isso só prova que todos vão para o céu'", escreve Thomas Reese, jesuíta estadunidense, em artigo publicado por Religion News Service, 17-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O fato que João Paulo II avançou McCarrick na hierarquia, apesar dos alertas de ele ter recebido dos oficiais do Vaticano e do cardeal John O’Connor, faz com que alguns questionem o porquê de ele ser considerado santo. A canonização de Papas é mais sobre política eclesial que santidade.
O recente relatório detalhando a resposta do Vaticano ao escândalo em torno do ex-cardeal Theodore McCarrick demonstra por que é um erro canonizar papas (ou qualquer um) rapidamente depois de suas mortes.
De acordo com o relatório do Vaticano publicado na última semana, o papa João Paulo II recebeu alertas de oficiais do Vaticano sobre McCarrick e do cardeal de Nova York John O’Connor, em 1999. Dois anos depois, McCarrick foi instalado como arcebispo de Washington, D.C.
João Paulo II foi beatificado em 2011, seis anos depois de sua morte, e foi tornado santo três anos depois.
Isso não é sobre Papas: a Igreja necessita ter mais tempo para examinar a vida de qualquer pessoa. Os argentinos, por exemplo, quiseram canonizar Eva Perón imediatamente após sua morte em 1952. Naquele tempo, felizmente, ordenou-se esperar o período de 50 anos antes de iniciar o processo de canonização. Embora ela seja reverenciada por muitos argentinos, a reputação de Evita foi manchada por acusações que ela e seu marido teriam protegido nazistas depois da Segunda Guerra Mundial.
João Paulo II reduziu o período de espera de 50 para 5 anos, porque ele queria canonizar indivíduos que ainda são relevantes para a geração atual. Seu sucessor, Bento XVI, ignorou até mesmo isso para a canonização de João Paulo II em resposta à demanda popular.
Como resultado, quando João Paulo II foi canonizado, meros nove anos após sua morte, historiadores independentes não tinham acesso aos arquivos secretos do Vaticano, então era impossível para pessoas de fora julgar sua casa. Conforme mais informação foi revelada, questões se levantaram sobre suas ações.
Canonização de Papas é um problema especial porque suas canonizações são mais sobre políticas eclesiais que santidade. Aqueles que levam à santidade são seus fãs que querem que o legado do Papa seja reforçado. Esse é um voto para continuidade contra a mudança, enquanto elevar um papa à santidade se faz mais difícil para questionar e reverter suas políticas.
Politicamente, é difícil se opor à canonização de um Papa porque se pode ser enquadrado como infiel. Aqueles que aberta ou secretamente opõem-se à canonização são normalmente os proponentes de mudanças.
Como um compromisso, dois papas são algumas vezes feitos santos de uma só vez: papa João XXIII foi feito santo no mesmo dia que João Paulo II, em abril de 2014. Progressistas gostavam de João, enquanto que conservadores de João Paulo II.
A prática, destinada a acalmar o atrito entre facções na igreja, remonta ao Papa Calisto e Hipólito (o primeiro antipapa) no século III. Diz a lenda que esses oponentes, cujos partidários lutaram abertamente nas ruas de Roma, se reconciliaram após serem enviados às minas de estanho da Sardenha pelas autoridades pagãs romanas. Ambos foram homenageados como santos pela igreja de Roma em um esforço para unificar a igreja.
A canonização conjunta de João XXIII e João Paulo II também reuniu facções liberais e conservadoras que estavam em conflito desde o Vaticano II, iniciado por João.
Eu não ficaria surpreso em ver os papas Francisco e Bento XVI canonizados no mesmo dia, 10 anos após suas mortes.
Deixando de lado a política de canonizar papas, supõe-se que os santos sejam modelos a serem imitados pelos católicos e outras pessoas. Como pode alguém que não é Papa realmente modelar-se segundo um Papa – a menos que você seja um cardeal que deseja ser Papa?
Meus candidatos preferidos para a canonização são os leigos, especialmente os casais e os jovens. Eu canonizaria as estudantes ruandesas da Escola Católica de Meninas de Nyange que foram espancadas e mortas por militantes hutus em 1997 quando se recusaram a se separar em grupos hutu e tutsi. Seu testemunho contra o genocídio e pela solidariedade significaria mais para os jovens do que qualquer papa.
Essas jovens eram perfeitas? Provavelmente não, mas não precisam ser: os santos não são perfeitos; eles também são pecadores. Precisamos lembrar que São Pedro negou que conhecesse Jesus.
Mas quando escândalos como o de McCarrick se tornam conhecidos, isso faz com que as pessoas questionem todo o sistema. O que nem sempre é ruim. Quando Josemaría Escrivá, o controverso fundador do Opus Dei, foi canonizado em 2002, um jesuíta respondeu: “Bem, isso só prova que todos vão para o céu”.
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Escândalo McCarrick demonstra por que Papas, como João Paulo II, não deveriam ser canonizados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU