14 Março 2023
No passado, as críticas de Bergoglio à guerra na Ucrânia: "Não deve ser o coroinha de Putin." Mas, apesar das distâncias, o fio com Moscou não se rompeu. Foi reaberto em 2016 pelo histórico encontro em Cuba. E agora a mensagem pelos dez anos de pontificado.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada em La Repubblica, 13-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre os muitos que chegam à Casa Santa Marta nestas horas, talvez os cumprimentos mais inesperados: apesar da distância criada pela guerra na Ucrânia, o patriarca de Moscou e de toda a Rússia quis parabenizar o Papa Francisco pelo décimo aniversário da eleição, que se completa agora, e ressalta a importância de continuar o diálogo "nestes tempos difíceis".
Jorge Mario Bergoglio encontrou-se com Kirill em 2016 em Cuba: um evento ecumênico de significado histórico porque era a primeira vez que um bispo de Roma se encontrava com um patriarca russo desde o cisma com os ortodoxos de 1054. A guerra de Putin, apoiada por Kirill com argumentos espirituais, no entanto, colocou gelo na virada. Francisco teve uma conversa por videochamada com o patriarca e esperava se encontrar no Cazaquistão em setembro passado, mas Kirill não compareceu. O patriarca não deve se tornar o "coroinha de Putin", pressionou Francisco, provocando uma resposta irritada do patriarcado moscovita.
O homem que mantinha relações com Roma, o Metropolita Hilarion, "ministro das Relações Exteriores", foi transferido para Budapeste, para onde Bergoglio irá no final de abril, e foi substituído pelo Metropolita Antônio, que se encontrou com o Papa mas sem esquentar muito as relações. Agora, por ocasião dos 10 anos de seu pontificado, chegam os cumprimentos de Kirill.
“Nestes tempos difíceis, um diálogo entre líderes religiosos pode dar bons frutos e contribuir a unificar os esforços das pessoas de boa vontade para curar as feridas da criação de Deus”, escreveu o patriarca em uma nota. “Nas atuais difíceis circunstâncias, o Senhor dá uma contribuição significativa para a pregação do Evangelho de Cristo e presta atenção ao desenvolvimento da cooperação inter-religiosa”. O primaz da Igreja Ortodoxa Russa desejou ao Papa "boa saúde, serenidade e a ajuda infalível de Cristo Salvador em seus esforços".
Então não se rompeu o fio que corre entre o Palácio Apostólico e a sede do patriarcado russo. Além disso, nos últimos meses, o Papa continuou a manter uma porta aberta para Moscou, uma "equiproximidade" com a Ucrânia e a Rússia. Ainda nos últimos dias, em entrevista ao jornal argentino La Nación, ele reiterou: “Estou disposto a ir para Kiev. Eu quero ir para Kiev. Mas com a condição de ir a Moscou. Vou aos dois lugares ou a nenhum."
Quando questionado pela jornalista Elizabeth Piqué se ir a Moscou seria impossível, Francisco respondeu: "Não é impossível... não estou dizendo que é possível. Não é impossível. Esperamos conseguir… não há nenhuma promessa, nada. Eu não fechei aquela porta." Mas Putin a fecha ou não? pergunta a entrevistadora. E o Papa: “Mas talvez ele se distraia e a abra, não sei”. Bergoglio, que não quis definir a guerra de Putin na Ucrânia como um "genocídio", destacou que o Vaticano está neste momento agindo através dos canais diplomáticos, "para ver se é possível conseguir alguma coisa", mas especificou que "não existe um plano de paz" do Vaticano, há sim "um serviço de paz" que avança com discrição. Por exemplo, o primeiro-ministro indiano Nerendra Modi "está muito preocupado e é um homem equilibrado que pode perfeitamente chamar para um diálogo os dois. Existem outros chefes de estado. E estamos trabalhamos nos bastidores”.
Uma aspiração pela paz que Francisco também relembrou em uma conversa com Salvatore Cernuzio para um podcast do Vatican News: "Causa-me sofrimento ver os mortos, rapazes – tanto russos como ucranianos, não importa – que não retornam", disse Jorge Mario Bergoglio. Que não tem dúvidas sobre o que pedir de presente ao mundo neste importante aniversário: "Paz, precisamos de paz".
Esta manhã, por iniciativa do reitor do colégio cardinalício, Giovanni Battista Re, o Papa celebrou a missa na capela de sua residência, na Casa Santa Marta, com os cardeais presentes em Roma. Em sua homilia, pelo que se sabe, Francisco fez uma breve meditação de viés espiritual para ressaltar, a partir das leituras, a importância de que os sacerdotes sigam o estilo de Deus: proximidade, compaixão e ternura. O Papa, que não quis propriamente festejar, agradeceu aos cardeais pelos conselhos que lhe dão: "Vocês, como cardeais, nunca se aposentam, mesmo que cheguem aos oitenta anos, e seu conselho é sempre bom".
"Foi um momento bom poder estar juntos neste momento de oração e de confiança", conta o cardeal Fernando Filoni, prefeito emérito da Propaganda fide ao sair da missa segurando o livro L’atlante di Francesco (O Atlas de Francisco; Feltrinelli) do Pe. Antonio Spadaro que o Papa deu de presente aos cardeais para a ocasião. “É importante para ele que sinta que não está sozinho e que nós que o acompanhamos com a nossa solidariedade, proximidade e ajuda. Esses dois aspectos são importantes dez anos depois da eleição, me parece que são as coisas mais belas”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Papa Francisco, os cumprimentos do patriarca russo Kirill: “Diálogo nestes tempos difíceis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU