11 Janeiro 2023
"As escolhas da diplomacia sob o papado de Francisco estão se mostrando geradoras de divisão. Elas se somam ao problema da renúncia, que se está tentando regulamentar quase dez anos depois da 'renúncia' de Bento XVI", escreve Massimo Franco, estudioso do papa emérito, jornalista vaticanista e autor de "Il Monasterio", em artigo publicado por Corriere della Sera, 10-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sob análise as relações com a China e a Rússia, o acordo secreto com Pequim e os conflitos com o mundo ortodoxo, enquanto permanecem problemas em aberto Taiwan e outras questões delicadas como uma possível renúncia.
Em seu discurso aos diplomatas lotados no Vaticano, na segunda-feira, 9 de janeiro, Francisco explicou que "um diálogo respeitoso e construtivo" continua entre a Santa Sé e a China de Xi Jinping. E por isso foi “acordado prorrogar por mais dois anos” o “acordo provisório sobre a nomeação dos bispos, estipulado em Pequim em 2018”.
Além disso, o Papa reiterou seu apelo a um cessar-fogo imediato no conflito iniciado pela Rússia em território ucraniano.
São dois temas espinhosos na política externa do Vaticano. E se tornarão decisivos no embate com a frente tradicionalista, e não só, tendo em vista o próximo Conclave, quando este se realizar.
A conversa de ontem entre Francisco e o ex-prefeito da casa pontifícia e secretário de Bento XVI, monsenhor Georg Gänswein, trouxe sob os holofotes as ásperas polêmicas que se seguiram ao funeral do papa emérito.
Mas por trás de um rompimento pessoal que se realizou quase em câmera lenta ao longo dos anos, e apenas prenúncio de novos venenos vindos do passado, percebem-se rangidos destinados a pesar sobre o futuro da Igreja.
As escolhas da diplomacia sob o papado de Francisco estão se mostrando geradoras de divisão. Elas se somam ao problema da renúncia, que se está tentando regulamentar quase dez anos depois da "renúncia" de Bento XVI. A solução estaria confiada a um pequeno grupo liderado pelo jesuíta Gianfranco Ghirlanda, ex-reitor da Universidade Gregoriana e "canonista de confiança" do Papa.
Renúncia e política externa são dois temas que costumam aparecer juntos. Mas nas relações com a China, assim como nas relações com a Rússia de Vladimir Putin, as correntes que pressionam por uma abordagem diferente são mais homogêneas.
Sobre a renúncia, por outro lado, se notam diferenças tanto entre os defensores, quanto entre os adversários de Jorge Mario Bergoglio. Há entre os tradicionalistas católicos quem já disse que a renúncia de Joseph Ratzinger deve permanecer um caso isolado e excepcional. E quem, por outro lado, está disposto a aceitar que se torne uma práxis, na esperança de que Francisco deixe o pontificado assim eu for possível: um sinal de insegurança.
Por outro lado, sobre o acordo com Pequim as frentes estão bem delineadas. O texto do acordo permanece secreto: no sentido de que seu conteúdo não é conhecido, por vontade chinesa. E isso já gera desconfiança.
E a extrema cautela do Vaticano em condenar a repressão aos protestos em Hong Kong e o silêncio sobre a perseguição aos uigures chineses de religião muçulmana no extremo oeste do país são vistos como um subproduto do acordo de 2018.
Para os tradicionalistas, é a confirmação que Francisco teria sacrificado a Igreja Católica clandestina chinesa no altar do diálogo com Xi; e que pelas mesmas razões não protestou suficientemente pela prisão em maio passado do cardeal emérito de Hong Kong, Joseph Zen, com mais de noventa anos, posteriormente libertado pela polícia chinesa sob fiança, e recebido por Francisco alguns dias atrás.
Zen é um crítico irredutível dos acordos com Pequim. E por trás dele se pode adivinhar uma corrente da Igreja convencida de que o acordo “acabará com o pontificado de Francisco”, explica um cardeal.
O juízo desses setores católicos é que Xi seja um ditador impiedoso, que tentaria doutrinar os católicos e chegar a uma “Igreja de Estado”, contando com os temores da Santa Sé de prejudicar o diálogo.
Mas não está claro de onde vêm as preocupações e até que ponto se misturam com a hostilidade ao pontífice argentino. O fato de a questão atravessar o problema da independência de Taiwan, a ilha que a China gostaria de retomar e que é um bastião do Ocidente na Ásia, complica ainda mais a questão.
O Vaticano continua mantendo relações diplomáticas com Taiwan, mas não com a China: novamente a pedido de Pequim.
E a invasão russa da Ucrânia e a solidariedade chinesa com Putin também acabaram envolvendo as relações entre a Roma papal e Moscou.
A crítica básica dirigida ao pontificado argentino e à Secretaria de Estado é ter privilegiado nesta década as relações com regimes autocráticos. Com a China, na esperança a longo prazo de "converter" pelo menos uma parte daquele imenso país; e com a Rússia, para favorecer o diálogo entre católicos e ortodoxos. Mas os resultados até agora têm se mostrado escassos.
Xi Jinping não se afasta de um nacionalismo comunista que vê a religião como um fenômeno a ser normalizado. É indicativo que nas raras ocasiões em que lhe teria sido possível encontrar Francisco, ele teve o cuidado de não o fazer: apesar da cordial disponibilidade papal.
Quanto à Rússia, a mediação do Vaticano foi ignorada por Putin. E, como consequência, regrediram as aberturas, que haviam chegado a um ponto alto no abraço em Cuba em 2016 com o patriarca moscovita Kirill: o mesmo que hoje Francisco define como “coroinha de Putin”.
E isso enquanto no Ocidente há quem acuse Bergoglio de ter mantido, pelo menos no início, uma posição pouco clara contra Moscou.
Sobre a Rússia, mesmo que tenha havido uma análise diferente de Bento XVI, nunca se teve informações. Solicitado a emitir um parecer sobre a questão ucraniana, do Mosteiro foi informado que o Papa Emérito preferia o silêncio.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O que está por trás do embate entre o Papa e os tradicionalistas. Artigo de Massimo Franco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU