13 Dezembro 2022
A “sustentabilidade” é o desafio que poderá nascer da nova combinação que conseguirmos realizar entre o novo ambiente tecnológico digital e a necessária evolução cultural.
A opinião é do sociólogo e economista italiano Mauro Magatti, professor da Universidade Católica de Milão, em artigo publicado por Corriere della Sera, 09-12-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com a globalização, a vida social deu um salto de qualidade: a convergência entre a liberação do desejo individual e o aumento da capacidade de produção possibilitou um crescimento espetacular das possibilidades de vida para bilhões de pessoas.
Essa expansão se manifesta principalmente na explosão demográfica (de 1 a 8 bilhões desde o início do século XX até hoje), no prolongamento da expectativa de vida, na melhoria da dieta alimentar e, de modo mais geral, na ampliação da variedade de atividades cotidianas que cada indivíduo pode realizar.
Concretamente, o crescimento econômico dos últimos dois séculos foi capaz de disponibilizar “mais vida” para um número crescente de seres humanos individuais em todo o mundo. O sucesso foi de proporções tais a ponto de subverter o equilíbrio entrópico planetário.
Isso significa que a evolução da organização social – ou seja, concretamente, o crescimento das possibilidades de vida – se traduziu em uma acumulação de consequências negativas (produção de CO2 e de resíduos, redução da biodiversidade, esgotamento das matérias-primas, desequilíbrios atmosféricos).
Uma consciência que, embora tardiamente, já foi adquirida e que será cada vez mais vinculante nos próximos anos.
Vale a pena ressaltar que entropia significa decaimento rumo à desordem, ou seja, rumo a estados “mais prováveis”, que são aqueles “com mais estados microscópicos”. Isto é, justamente um processo de desorganização das próprias formas de vida.
Essa definição nos ajuda a entender que efeitos desagregadores totalmente semelhantes se determinam também na vida social (desigualdades, desequilíbrios demográficos e territoriais, migrações etc.) e psíquica (ansiedade e depressão, implosão do desejo e da motivação, ódio étnico e racial, problemas de concentração e atenção).
Concretamente, é possível distinguir quatro tipos de efeitos: decomposição da ordem ecossistêmica e fragmentação social e cultural; produção de resíduos materiais e de descartes humanos; perda de biodiversidade e de variedade cultural; criação de desequilíbrios sistêmicos de tipo climático e geopolítico.
Nessa perspectiva, a questão social e a ambiental nada mais são do que os dois lados da mesma moeda. Que devem ser pensados e resolvidos conjuntamente. Concretamente, isso envolve a realização de um novo modelo de crescimento, capaz de evitar a produção de entropia (ambiental, social, psíquica) associada ao aumento das possibilidades de vida. O crescimento puramente expansivo do fim do século parece muito distante.
Mover-se nessa direção envolve pelo menos três níveis de problemas.
Em primeiro lugar, há um tema que diz respeito aos sistemas políticos e, marcadamente, à relação entre democracias e autocracias, da qual tanto se falou nos últimos meses. A pergunta é: como conseguir gerir uma transição que envolve custos enormes e uma imponente realocação de riqueza, de trabalho, de conhecimentos? As democracias liberais conseguirão resistir a esse desafio, que promete ser difícil precisamente porque será preciso agir em uma época em que o aumento das “oportunidades de vida” – ao qual não se pode renunciar – terá de ser conjugado de forma diferente do passado, justamente devido à crescente consciência de sua implicação entrópica?
De que nova política econômica precisamos? Além da sequência infinita de urgências cotidianas, será a capacidade de responder a essas perguntas que decidirá a estabilidade futura dos arranjos democráticos.
Em segundo lugar, enfrentar o duplo desafio socioambiental implica a construção de uma arquitetura institucional capaz de prever uma multiplicidade de níveis de governo e de governança irredutíveis à soberania territorial moderna.
Como também demonstra a última COP-27 do Cairo, já estamos atrasados: os sistemas decisórios são pesados, enquanto os choques e as emergências que o aumento da entropia produz são violentos e muito caros. Como repetiu recentemente o presidente italiano, Mattarella, a melhoria do clima das relações internacionais é, desse ponto de vista, essencial.
As questões geopolíticas – incluindo a gravíssima crise ucraniana – não podem ser dissociadas da absoluta necessidade que temos de fazer avançar a transição iniciada.
Por fim, a conjuntura histórica em que nos encontramos não pode se eximir da pergunta antropológica: podemos ainda ter a certeza de que o futuro que nos espera terá no seu centro a liberdade humana? A resposta é não. Ou, melhor, sim, mas sob certas condições.
Enfrentar juntos o desafio ambiental e social na perspectiva da entropia implica um esforço formativo proporcional. Para reger a transição, precisamos formar uma cultura capaz de transformar tanto a produção quanto o consumo. Dimensões sobre as quais o nosso modelo se fundamenta, mas que devem ser profundamente inovadas.
Desse ponto de vista, a “sustentabilidade” é o desafio que poderá nascer da nova combinação que conseguirmos realizar entre o novo ambiente tecnológico digital e a necessária evolução cultural.
Em que pode consistir o aumento das possibilidades de vida segundo modalidades não destrutivas da própria vida? O tema é tudo, menos insignificante. Como Max Weber nos ensinou há um século, as diversas fases do capitalismo têm a ver com transformações profundas, de natureza espiritual. Foi assim com a ética calvinista, com a cultura consumista e, hoje, com a sustentabilidade.
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Questões sociais e ambientais, dois lados da mesma moeda. Artigo de Mauro Magatti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU