11 Novembro 2022
Dos pavilhões da Conferência sobre o Clima até o deserto onde está o local para as manifestações de protesto, os bastidores da cúpula internacional dedicada para o futuro do planeta. Polêmicas sobre custos exorbitantes e logística.
A reportagem é de Giacomo Talignani, publicada por La Repubblica, 09-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Direitos negados, jatos exagerados, alimento escasso e uma área no deserto onde ninguém quer ir. No quarto dia da COP27 em Sharm el-Sheikh, se somam uma série de contradições em torno da cúpula africana que são difíceis de digerir. Desde a logística (em relação ao impacto no meio ambiente) até a escassa disponibilidade de água e itens de conforto. Embora a questão dos direitos negados permaneça em primeiro plano, chamando a atenção para o caso do ativista Ahmed Seif Abd-El Fattah, preso e em greve de fome desde o início da cúpula.
Se você olhar para cima, sobre os grandes pavilhões da Conferência das Partes sobre o clima que levam nomes de rainhas e faraós, um avião passa a cada dez minutos pela manhã: há voos regulares para o aeroporto vizinho, mas também uma série de jatos particulares chegaram ao Egito (também via Cairo) para transportar dezenas de chefes de estado e delegados que contam. Só nos dois primeiros dias da cúpula, os sites que monitoram os deslocamentos aéreos indicaram pelo menos 40 jatos chegando a Sharm el-Sheikh, muitos dos quais vindos dos EUA (como aquele com o qual John Kerry chegou) ou da Europa (como o voo privado do primeiro-ministro Rishi Sunak).
How bikes change history #Schiphol #SOSfortheClimate #ShrinkAviation pic.twitter.com/hs0VhQ0Ruf
— Extinction Rebellion Nederland (@NLRebellion) November 6, 2022
Mas poderiam ser muito mais, salienta a BBC, e certamente poluem duas vezes mais em termos de emissões que alteram o clima em comparação com os voos regulares com os quais teria sido possível chegar à Conferência. Uma contradição, também apontada por dezenas de ambientalistas que invadiram de bicicleta as pistas de Amsterdã para parar os jatos, que não escapou nos salões de Sharm el-Sheikh: "Mas não viemos aqui justamente para falar sobre como reduzir as emissões?".
Private jets vs bikes in the Netherlands. Brilliant! And hilarious! (Also worth watching the Benny Hill version below it!)https://t.co/ODlB4oD2gL
— Dr Angela Bear (@DrAngelaBear) November 7, 2022
A questão de uma COP27 blindada e hipercontrolada, onde é proibido pelo governo (pelo menos de fora) manifestar dissenso mesmo que apenas com cartazes, slogans ou manifestações, é a que está aparecendo com mais força no Egito. Os ativistas repetem que não pode haver "justiça climática" sem "justiça social". A questão dos direitos é evidente em duas frentes: a relativa aos dissidentes políticos presos injustamente e aquela vinculada à impossibilidade, durante a conferência mundial do clima, de expressar o próprio pensamento em forma de protesto ou para pressionar os poderosos.
No primeiro caso, a questão dos dissidentes presos injustamente paira acima de tudo, também enfatizada por Greta Thunberg em um post, como o blogueiro Ahmed Seif Abd-El Fattah, detido em prisões egípcias e em greve de sede desde o início da COP. A irmã veio falar na cúpula, mas foi imediatamente agredida verbalmente por um político egípcio próximo a Al Sisi, antes que a segurança da ONU acalmasse a situação. Muitos ativistas presentes em Sharm gostariam de se manifestar em apoio a El Fattah e aos outros 60 mil dissidentes presos, mas há um claro temor de que uma passeata não autorizada com posições contrárias ao governo egípcio possa ser reprimida pela força.
Por enquanto, a solução encontrada pelos ativistas, por exemplo para se manifestar contra a extração de combustíveis fósseis, tem sido a de breves e esporádicos grupos dentro dos pavilhões. Novas passeatas, maiores, com camisetas brancas e mãos pintadas, são previstas nas próximas horas: o local ainda deve ser esclarecido.
A enorme contradição desta COP continua sendo, na verdade, a área para as manifestações destinada pelo governo Al-Sisi fora da COP (20 minutos a pé) perto do deserto: um lugar onde ninguém seria ouvido. Além disso, dado o tratamento reservado a alguns ativistas (controlados por ter um botton sobre direitos humanos, afastados por ter tirado fotos ou rastreados por meio de aplicativos no celular), muitos dos presentes aqui - que pretendem acompanhar as negociações e observar o andamento da COP - preferem não correr o risco de serem jogados para fora da porta.
Negociar com o estômago cheio e com as energias carregadas, na cúpula que deveria traçar o futuro do mundo, poderia ser um desafio. Na que parece uma gigantesca feira capaz de receber 35.000 pessoas entre delegados e observadores (números da ONU), que se triplicam se somarmos operadores, voluntários, policiais, atendentes etc., conseguir encontrar algo para comer para quem participa da Conferência em curso não é fácil: filas imensas nos poucos bares localizados aqui e ali ou no único grande restaurante presente.
A água acabou na terça-feira, hoje houve um assalto às caixas contendo garrafas de água e Coca-Cola (patrocinador do evento criticado por greenwashing). Paradoxalmente, a questão da alimentação também reflete um pouco as diferenças destacadas nesta COP27, aquelas entre ricos e pobres do planeta. No fim da fila, ativistas e representantes das comunidades indígenas convidadas da Amazônia, além de alguns provenientes das ilhas do Pacífico cujas viagem foi paga por ONGs, lamentam os custos insustentáveis: na COP egípcia um sanduíche custa 11 dólares, um hambúrguer 14 e um lanche vegano 12.
Por duas porções de quiche, um lanche e uma bebida você pode chegar a pagar até trinta dólares. O resultado, para quem pode, é que muitos estão trazendo comida de fora, uma ‘quentinha’ para aguentar doze horas de trabalho, se não quiserem arriscar filas intermináveis sob o sol para um almoço bem salgado, a ser consumido talvez em frente a painéis plásticos que nos lembram o quanto comida e água são importantes para o futuro de todo o planeta.
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Da água aos jatos particulares: a COP27 das contradições entre direitos negados e preços às estrelas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU