08 Novembro 2022
A COP26, em Glasgow, concluiu o livro de regras do Acordo de Paris e lançou o Pacto de Glasgow, colocando a necessidade de maior ambição dos países na redução de emissões de Gases de Efeito Estufa e na necessidade urgente de ações de implementação para a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas.
A reportagem é de WWF-Brasil, publicada por EcoDebate, 07-11-2022.
Com isso a COP27 agora precisa garantir uma implementação que proporcione uma ação climática ambiciosa alinhada com a meta de limitar a elevação média da temperatura terrestre em até 1,5°C. E não são poucos os desafios que esta conferência tem sobre a mesa de negociações.
A equipe do WWF-Brasil, que acompanhará a COP 27, fez um resumo de pontos que merecem atenção e do legado que esta conferência precisa entregar.
Ambição é o item número 1 desta e das próximas COPs, notadamente até 2025. Motivo: o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já deixou claro que depois da primeira metade desta década a curva das emissões precisa dobrar e cair, se quisermos ter uma chance de manter o aquecimento abaixo de 1,5°C.
A ambição no curto prazo, portanto, é um elemento-chave para o sucesso do Acordo de Paris. As emissões globais em 2025 precisam ser menores do que em 2020 e em 2030 as emissões globais devem ser 43% inferiores aos níveis de 2019.
Porém os compromissos já tomados pelos negociadores em a Sharm-el-Sheikh estão muito longe disso: a implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) já assumidas pelos países levaria a um aumento de 16% nas emissões globais até 2030 e as temperaturas globais poderão subir entre 2,7°C e 3,7°C somente neste século.
Ou seja, as partes e outros tomadores de decisão precisam se comprometer na implementação de ações imediatas de mitigação climática nos próximos 1-2 anos, setor por setor – o Programa de Trabalho em Mitigação (Mitigation Work Program – MWP) – uma das últimas chances de manter 1,5°C ao alcance. Este Programa de Trabalho de Mitigação precisa ser apoiado por todas as partes e dotado de todas as ferramentas e recursos necessários para ser eficaz. Confira aqui o que o WWF sugere como agenda para esse grupo de trabalho (em inglês).
Por fim, os países que ainda não atualizaram suas NDCs precisam fazê-lo, conforme acordado em Glasgow, e os países com NDCs não alinhadas com a meta de 1,5°C devem aprimorar suas metas. Os governos devem usar todas as ferramentas à sua disposição para cumprir suas metas de emissões e ir além delas. Esses esforços serão avaliados pelo primeiro “Global Stocktake”, ou seja de balanço global sob o Acordo de Paris, que será concluído em 2023. Confira aqui as NDCs que o WWF defende (em inglês).
Na COP23 foi criado o Koronivia Joint Work on Agriculture (KJWA), que estabeleceu um trabalho conjunto entre o Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico e Tecnológico (SBSTA) e o Órgão Subsidiário de Implementação (SBI) a respeito do papel da agricultura no combate às mudanças climáticas. Em sua 57ª sessão (novembro de 2022), o SBSTA e o SBI desenvolveram uma proposta de decisão para consideração e adoção pela COP27.
O que está em jogo nesta decisão é o papel da agropecuária na mitigação (diminuição) e adaptação ao aquecimento global. A posição do atual governo brasileiro é contrária à adoção da agricultura como setor-chave pela conferência, uma vez que outros setores até mais poluentes (como combustíveis fósseis) não foram adotados. A atual delegação brasileira também entende que, se ocorrer, a adoção deve se dar pelo papel da agricultura na correção das consequências do aquecimento (adaptação) apenas, e não na diminuição das emissões de gases de efeito estufa (mitigação) – incluindo aquele devido ao desmatamento.
A adoção da agricultura pelo viés da mitigação é fundamental para o sucesso do Acordo de Paris. Estima-se que a agricultura e a produção de alimentos gerem até 29% das emissões globais totais de gases de efeito estufa, essencialmente por ser causa de ao menos 90% do desmatamento global mudanças qualitativas profundas são necessárias e, para isso, é fundamental que a atividade receba a atenção necessária dos países, governos subnacionais, setor empresarial e sociedade.
O WWF lançou um relatório pioneiro sobre como resolver o quebra-cabeça da produção de alimentos que aborda o caso brasileiro diretamente. Para saber mais, clique aqui (em inglês).
COP27 também terá a missão de acordar os elementos necessários para operacionalizar totalmente o Artigo 6º – que prevê a possibilidade de cooperação por meio de instrumentos de mercado para reduzir emissões de gases de efeito estufa – com integridade ambiental. Isso significa que formas de governança estarão na mesa de debates e decisões, notadamente no escopo dos parágrafos 6.2 (negociação país a país), 6.4 (mercado onde atores públicos e privados participam dos esforços de redução dos países por meio do financiamento de projetos) e 6.8 (abordagens fora do mercado para promover mitigação e adaptação).
Entrega de regras claras e transparentes para a operacionalização desses mercados é fundamental para coibir o greenwashing e garantir o respeito aos direitos dos povos tradicionais que vivem nas florestas que recebem atenção do mercado de carbono. É igualmente importante assegurar que estes mecanismos não substituam ou prejudiquem a necessária mudança dos padrões de emissões das empresas, que precisam ser reduzidos concomitantemente.
Este tema é de particular interesse para o Brasil, que pode voltar a ser visto como um protagonista climático com o advento do governo Lula. O atual cenário de baixa governança ambiental e alta nos números de desmatamento tem dificultado a atração de projetos comprometidos com resultados. A contenção do desmatamento é um fator-chave para que o Brasil seja respeitado como um ator sério e comprometido com o tema.
Alok Sharma, presidente da COP26, convidou os líderes mundiais a se unirem à Parceria dos Líderes Florestais e Climáticos, que será lançada na COP27. A Forests & Climate Leaders’ Partnership (FCLP) deverá fortalecer os debates em torno desse tema, que já havia ganhado relevância na conferência de Glasgow, com a Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra. Como mais da metade da maior floresta tropical do planeta fica no Brasil, nosso país é um ator obrigatório sobre o qual crescem as expectativas por conta do resultado das eleições e a consequente perspectiva de que a curva ascendente do desmatamento seja revertida.
O financiamento climático é um tema recorrente em todas as COPs e que tende a ganhar mais relevância quando a conferência acontece em um país em desenvolvimento, como é o caso da COP27. Neste item, além do mecanismo de Perdas e Danos (Loss and Damage), também estará em debate o que será feito a partir de 2025, quando acabar o prazo da promessa de US$ 100 bilhões/ano de financiamento climático dos países ricos para os países em desenvolvimento.
O Brasil terá posição de destaque neste tema porque lidera a discussão sobre financiamento no G77, uma coalizão de nações em desenvolvimento, que visa promover os interesses coletivos de seus membros e cria uma maior capacidade de negociação conjunta na Organização das Nações Unidas. Dada a experiência até o momento com a promessa dos países ricos feita na COP15, de Copenhague, o debate tenderá a se deter mais sobre itens como mensuração, reporte e verificação (MRV), transparência e governança.
O WWF entende que é preciso atingir e superar o objetivo de US$ 100 bilhões dos países desenvolvidos este ano e adicionar US$ 600 bilhões para o período 2020-25, com, pelo menos, metade do financiamento público destinado à adaptação e com todos os países trabalhando para alinhar todos os fluxos financeiros públicos e privados com o clima e metas de biodiversidade e os ODS.
Os impactos climáticos estão piorando a cada dia no norte e no sul global, onde a capacidade de resposta é brutalmente diferente. O relatório do Grupo de Trabalho 2 do IPCC informa que de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em áreas altamente vulneráveis às mudanças climáticas e cerca de um bilhão de pessoas estão em risco de perigos costeiros. As atuais medidas de adaptação são insuficientes e apenas 4% a 8% de todo o financiamento climático foi alocado para adaptação.
Desde 2010, o processo de estabelecimento de Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) permite que as partes identifiquem as necessidades de adaptação de médio e longo prazo e desenvolvam e implementem estratégias e programas para atender a essas necessidades. Os NAPs complementam as NDCs: enquanto estas visam reduzir as emissões que causam a mudança do clima, os NAPs atuam na adaptação ao clima que já mudou. Operados em sinergia, estes dois instrumentos elevam a efetividade do combate à crise climática.
Em fevereiro de 2022, apenas 34 países haviam enviado seus NAPs. Outro indicativo da pouca atenção dada ao tema: apenas 47 países (desenvolvidos e em desenvolvimento) enviaram suas comunicações de adaptação. Sem essas informações, a tomada de decisão fica comprometida. Por isso, a COP27 deve adotar a decisão de produzir até a COP28 um relatório de síntese sobre as ações de adaptação refletidas nos NAPs e nas Comunicações de Adaptação. Este relatório deve identificar as prioridades, como abordar as lacunas e necessidades para acelerar a implementação da adaptação e servir como uma contribuição para o Global Stocktake.
Mas neste tema, um assunto que tem galvanizado as atenções é a ideia de se estabelecer um mecanismo financeiro de compensação por Perdas e Danos para os países que nada (ou muito pouco) contribuíram com a atual crise climática. Um exemplo recente foram as dramáticas chuvas sobre o Paquistão, que deixaram um terço do país submerso, afetando 33 milhões de pessoas e levando meio milhão a se deslocarem, além de causar 1,7 mil mortes. Muito embora a contribuição do país para o aquecimento global seja inferior a 1%, as chances de eventos dessa natureza foram elevadas em 50% pela crise climática. Os prejuízos foram calculados em algo em torno de 4% do PIB do país. A COP27 precisa decidir sobre o estabelecimento desse mecanismo com um fundo específico. O financiamento de perdas e danos também precisa ser um elemento do Novo Objetivo Coletivo Quantificado , além do financiamento de mitigação e adaptação.
Não é mais admissível ignorar a relação entre a crise climática e a crise de biodiversidade que enfrentamos. A crise climática já é comprovadamente um dos fatores que levaram a uma queda média de 69% nas populações de animais selvagens em todo o mundo, em apenas quatro décadas, conforme revelado pela nova edição do Relatório Planeta Vivo, do WWF. Porém alguns dos outros fatores que levam à perda de biodiversidade, como desmatamento, também agravam a crise climática.
A ação climática pode contribuir e maximizar a proteção, gestão sustentável e restauração dos ecossistemas, mantendo e aprimorando seu potencial de mitigação e adaptação, como informam as conclusões dos Relatórios AR6 do IPCC.
Por isso, é preciso buscar a convergência entre os objetivos climáticos e os esforços para proteger a natureza. As negociações para um Acordo Global de Biodiversidade no Canadá, poucas semanas após a COP climática do Egito, oferecem uma oportunidade para impulsionar essa convergência, que também precisa estar no radar dos negociadores climáticos em Sharm-El-Sheikh.
O WWF acredita firmemente que a organização de todas as COPs, incluindo a COP27, deve ser baseada no pleno acesso e participação efetiva da sociedade civil em todos os processos e eventos relacionados à UNFCCC. Será necessário acompanhar o desenrolar desta conferência para avaliar o quanto a participação da sociedade foi respeitada.
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O que será proposto e o que esperar da COP27 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU