03 Novembro 2022
O encontro do Papa Francisco com estudantes universitários africanos foi um novo exercício de sinodalidade, repetindo o que foi realizado em 24 de fevereiro com estudantes universitários de toda a América. Reuniões com as quais a Pontifícia Comissão para a América Latina, através de sua secretária Emilce Cuda, responde a uma de suas tarefas fundamentais, de construir pontes entre o Norte e o Sul, mas também entre os diferentes Sul, entre as diferentes periferias. Um encontro em que a importante colaboração da Secretaria do Sínodo, especialmente o departamento de comunicação na pessoa de Thierry Bonaventura, também deve ser destacada.
Papa Francisco em encontro com jovens universitários africanos
Foto: Reprodução | Luis Miguel Modino
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Precisamente da Secretaria do Sínodo, o Cardeal Grech, em sua intervenção anterior à conversa, disse que esta era uma oportunidade para conversar com o Papa Francisco, alguém que "tem muito a partilhar conosco, especialmente sua experiência espiritual, sua intimidade com Jesus, com a plenitude da vida, da alegria e do ser que é Jesus". A partir daí, o secretário do Sínodo convidou os jovens africanos a desfrutar de um encontro com um homem de 86 anos, encorajando-os a serem inspirados a se envolverem mais com pessoas mais velhas, a compartilhar com eles a sabedoria da vida. Isto é algo que o Sínodo da Igreja quer fazer, onde "todos caminhamos juntos, jovens e velhos", o que o cardeal vê como um instrumento para melhorar este diálogo entre as gerações.
Os estudantes universitários africanos, como disse Marie Sophie da Universidade Católica do Congo-Kinshasa em seu nome, afirmaram que "é um prazer poder recebê-lo entre nós", em um encontro no qual "o Evangelho se torna uma realidade". Para os jovens africanos, o Papa os acompanha todos os dias com o calor de seu sorriso e de suas palavras, acolhendo-o "para nos alimentar com sua presença e seus conselhos".
O Papa Francisco agradeceu aos estudantes por suas palavras, "palavras que nos convidam a nos aproximar, porque este encontro é para abrir pontes, pontes que nos aproximam, que nos unem, que nos fazem ouvir uns aos outros", algo que ele ressaltou não é fácil. O Santo Padre destacou a importância de falar com os jovens, que não são a novidade, mas "o passo à frente, os frutos das raízes", chamando os jovens a se unirem às raízes, mas sem permanecerem nelas, para não serem múmias, mas para crescerem dando frutos.
Jovens com história, insistiu o Santo Padre, algo presente neles e em seus povos, convidando-os a "aprender a respeitar a história e fazê-la andar", lembrando que "a história nem sempre é um conto de fadas, a história às vezes é muito difícil, há povos que cresceram, que fizeram sua história com sangue", inclusive os povos aos quais pertencem os estudantes presentes ao encontro, a quem ele chamou para assumir a história de seus povos, porque "nenhum de nós nasceu como cogumelo, viemos de uma história".
O passo para a maturidade, insistiu o Papa Francisco, é "assumir o controle da história, da boa história e da não tão boa história". Neste sentido, ele disse aos jovens que "vocês sabem o que é história dura, vocês sabem o que é exploração, vocês sabem o que é escravidão, vocês sabem o que é dizer que a África é para ser espremida e não para ser permitida a crescer". Com suas palavras, o Papa quis "apreciar sua cultura e sua história", querendo criar entre eles um Ubuntu, uma experiência de salvação comunitária.
Nas palavras do Papa Francisco, a África sempre recebeu missionários e exploradores, presentes mesmo após a independência dos países. Diante disto, ele insistiu aos estudantes africanos que "vocês são mestres de si mesmos, assumam este domínio, vocês são missionários de si mesmos, avancem, a África não deve ser explorada, a África não deve ser a figura de proa de uma subcultura, a África tem suas riquezas", especialmente as riquezas humanas, pedindo-lhes que "assumam o controle de suas riquezas humanas".
Papa Francisco em encontro com jovens universitários africanos
Foto: Reprodução | Luis Miguel Modino
O encontro foi uma continuação do realizado em fevereiro, que contou com a participação de estudantes e professores presentes naquela reunião, que falaram ao Papa sobre os resultados do encontro e a importância de continuar a realizar este tipo de encontros. Eles passaram o testigo aos professores e estudantes africanos, que lembraram que uma das funções do papado é construir pontes, agradecendo ao Papa por sua "ajuda na construção de pontes com sua própria vida exemplar e ensino", como lembrou o professor Stan Chu Ilo, que também mostrou que Ubuntu resume a cultura do encontro, uma sabedoria compartilhada que diz que estamos todos juntos, conectados, unidos por laços de amor em um universo compartilhado, chamando a descobrir a necessidade de deixar espaço para os outros, especialmente os pobres e aqueles que estão nas periferias existenciais.
Um encontro centrado em três temas: fé e espiritualidade, a mensagem da conversão missionária evangélica; Ubuntu e ecologia; solidariedade humana, amizade social, liderança juvenil e justiça social. O processo envolveu estudantes de 34 universidades de 9 países africanos que se reuniram várias vezes e elegeram 9 para representá-los, um trabalho sinodal que continuará após este encontro, nas palavras do jesuíta Emmanuel Bueya.
Os estudantes fizeram perguntas ao Papa Francisco, e depois de escutar atentamente, ele respondeu com calma, com palavras que vêm do coração de um homem idoso que guia os jovens, uma atitude muito presente na vida e na cultura do povo africano. Quando perguntado sobre a crescente presença do Pentecostalismo e grupos de cura, o Papa Francisco advertiu contra o que ele chamou de "supermercado da salvação", alertando os jovens que o caminho é algo que eles encontram em seus corações, "o coração se faz sentir sem tradutores ou intermediários”, chamando-os a não se deixarem "aprisionar pela sindicalização religiosa". Por esta razão, ele lembrou que "o maior critério de um grupo religioso é que ele não tire sua liberdade", insistindo que "quando um grupo religioso tira sua liberdade e não permite que você cresça, ele não é um grupo saudável". Daí a importância do discernimento para descobrir qual grupo religioso está me ajudando a crescer.
Em relação às migrações econômicas e às consequências da guerra, o Papa advertiu que "às vezes a guerra é movida por interesses espúrios e o problema da venda de armas nos escraviza". De lá ele denunciou que a fome leva à migração e que muitos morrem no Mediterrâneo, que se tornou o maior cemitério da Europa. Ele também falou contra a exploração da África, sobre sua independência incompleta, convidando os jovens a lutar com um senso de construção, a se unirem, a continuarem com "este sonho de pôr fim à guerra, à fome, à pobreza e à semi-permanência dos refugiados".
O desmatamento, uma realidade presente na África, à qual o Papa Francisco acrescentou que também está acontecendo na Amazônia brasileira, é visto como algo que "leva à perda da convivência entre a pessoa humana e a natureza", o bem viver. Neste sentido, ele enfatizou que "o desmatamento neste momento é um crime contra a humanidade", algo que deixará uma dívida ecológica a ser paga por aqueles que vêm depois de nós, o que os países não querem perceber, acrescentando que a conversão ecológica é uma responsabilidade hoje.
Daí ele denunciou o desequilíbrio criado pelas multinacionais exploradoras, dizendo que "é selvagem violar a Terra como é selvagem violar uma mulher, comprometam-se na luta contra esses violadores da Terra", apelando aos jovens para que se tornem "verdadeiros apóstolos do desequilíbrio da Terra". Ele também refletiu sobre a equidade internacional, chamando a se mover, a se organizar, mas juntos, não como ilhas, o que os tornaria facilmente derrotados, pois "organizados vocês sofrerão, mas triunfarão".
Sobre a participação dos jovens nas decisões políticas, o Papa insistiu que "a não-participação dos jovens é a morte de um país", desafiando-os a participar em todas as áreas da vida, mesmo que cometam imprudências. Ele os exortava a não se deixarem dominar pela inferioridade, a se organizarem e lutarem, a não se deixarem escravizar, mesmo que isso signifique perder suas vidas. Falando dos mártires sociais, dos jovens da América Latina que perderam suas vidas para lutar por seu país, ele disse que "eles se tornaram sementes de inspiração".
Alguns países africanos são vítimas de ataques contra cristãos por fundamentalistas muçulmanos. Diante desta realidade, o Santo Padre afirmou que "quando o terrorismo fundamentalista cresce, é um suicídio social, a sobrevivência do país está em jogo". Por esta razão, ele convidou os jovens a resistir, a organizar e a desenvolver uma doutrina política real e concreta, definindo a política como "uma alta forma de caridade, pois ela é dirigida ao bem comum". Neste sentido, ele advertiu que "cada povo deve buscar seu próprio caminho de aperfeiçoamento e fazer uma doutrina política que nasça do povo, não imposta", chamando a marcar seu próprio caminho. Tudo isso com coragem e prudência, mas decididamente, juntos e organizados, chamando a aprender a astúcia dos velhos para sobreviver, e a pedir conselhos aos velhos.
Em um continente com grande falta de emprego e poucas oportunidades para os jovens, o que os torna vulneráveis, o Papa Francisco apontou o perigo de "os jovens se sentirem desesperançados, anulando a dinâmica da juventude, que é uma das armas da subjugação". Daí ele vê a necessidade de a Igreja fazer mais na promoção humana nas escolas, nas universidades, numa linha libertadora e não de colaboração com os poderes de repressão, para fazer crescer a mente, amadurecer o coração e ensinar com suas mãos. Além disso, ele insistiu que a Igreja deveria ter escolas para todos, não apenas para os setores mais sofisticados ou mais ricos da sociedade.
Quando perguntado sobre o que significa ser um jovem católico africano e seu papel na Igreja, ele apelou para que os jovens "assumissem o controle de suas raízes como condição para amadurecer, para cuidar de suas raízes a fim de seguir em frente", para crescer na liderança a partir de sua modalidade cultural. Por esta razão, ele espera que os jovens não sejam líderes revolucionários, mas sim aqueles que levam adiante a riqueza que receberam e lutam juntos para que lhes seja permitido fazê-lo. Neste sentido, ele enfatizou que "um jovem cristão tem a obrigação de se comprometer, pois de outra forma não são cristãos. Hoje, ser cristão é comprometer-se e você tem que lutar contra toda aquela estrutura que o impede de se comprometer".
Um encontro que foi motivo de gratidão pela orientação espiritual do Papa Francisco aos jovens e por seu amor pela África e pelo Povo de Deus em todo o mundo, por sua proximidade exemplar com os pobres, os vulneráveis e os jovens, por ser um modelo para nos ensinar a viver e a proclamar a Boa Nova aos jovens de hoje, como a Irmã Rosemary Nyiurumbe assinalou. Ela agradeceu ao Papa Francisco "por acreditar que os jovens têm uma grande responsabilidade de cuidar da humanidade e do meio ambiente, alcançando as periferias, promovendo o bem-estar de todos". Um encontro que ela definiu como uma "conversa sinodal que nos ajuda a compreender a necessidade de ouvir as vozes dos jovens".
Um Papa que disse estar "muito feliz por ter me comunicado com vocês, estou impressionado com o testemunho que vocês deram". O Santo Padre reconheceu os valores dos jovens africanos e os incitou a levá-los adiante, a se comprometerem sem esquecer o que definiu como os três momentos da história: recordar as raízes, olhar para o passado; viver o presente com a realidade e não com ideias que os alienam; sonhar, porque o dia em que um jovem não sonha, o país está acabado, o dia em que um jovem não sonha, o mundo está acabado, vocês nasceram para sonhar, para profetizar o futuro. Jovens aos quais ele deu sua bênção e, como sempre faz, pediu-lhes que rezassem por ele. Isto após um encontro que está marcando uma tendência sinodal, de diálogo intergeracional para que juntos, a partir do passado, possamos construir um futuro melhor desde o presente.
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Papa Francisco aos universitários africanos: "A África não deve ser a figura de proa de uma subcultura, a África tem suas riquezas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU