25 Outubro 2022
Rutger Bregman (Holanda, 1988) revisita a teoria do homem bom por natureza, que assim foi até conhecer a propriedade privada. Propõe uma renda básica universal, uma jornada de trabalho semanal de 15 horas e a abolição das fronteiras.
Ilustra tudo isso com pesquisas muito sérias, estatísticas, episódios e relatos históricos, e muita polêmica. Esteve na Bienal do Pensamento, do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona – CCCB, e conversamos sobre seu último ensaio: Humanidade: uma história otimista do homem.
Bregman é um pesquisador da história, mas sobretudo um excelente comunicador: traz de casa a manchete pronta.
A entrevista é de Elena Pita, publicada por El Periódico de España, 21-10-2022. A tradução é do Cepat.
A história repete seus erros?
Lamentavelmente sim. Putin está cometendo o mesmo erro de Hitler e Churchill: os estudos após a Segunda Guerra Mundial evidenciaram que os bombardeios das cidades tinham elevado a produção e a moral de sua população civil. É a típica arrogância de líderes narcisistas sem senso de ridículo, uma tendência crescente hoje entre nossos políticos a quem eu chamo de “sobreviventes da vergonha”.
Bregman, você tem certeza que é um homem bom?
Não sou um santo, obviamente, mas, sim, sou uma pessoa decente, como a maioria, exceto uma marginalidade de psicopatas que gostam de ver o sofrimento dos outros. Nós, humanos, desejamos contribuir para o bem comum, o que não nos impede de sermos capazes de fazer coisas terríveis e nos colocarmos do lado errado da história. A pergunta mais interessante que podemos nos fazer hoje é: o que a história dirá sobre nós?
Então, vá em frente. O que a história dirá sobre nós?
Progredimos muito em direitos sociais, mas persistimos em ações terríveis sobre as quais não queremos refletir. Por exemplo, as grandes granjas, uma das maiores crueldades, um comportamento psicopático que nos definirá no futuro.
Se a civilização não é essa “fina camada de verniz sobre nossa natureza selvagem” que os cientistas sustentam, o que é?
É um calo bem grosso que endurece ainda mais com a adversidade, é um instinto profundo de ajuda mútua, não é nada artificial, mas essencial à nossa natureza, e floresce especialmente nas crises.
Não parece que tal efeito tenha ocorrido na pandemia, que transformou a maioria em delatores e censuradores de seus vizinhos: “policiais de sacada” que também persistem em sua atitude. É uma tentação muito suculenta julgar e penalizar o outro?
A conquista da humanidade, durante a pandemia, é impressionante em comparação com o que teria acontecido se fosse com outras espécies animais. Bilhões de pessoas readaptaram radicalmente seu modo de vida para evitar a propagação do vírus, tais sacrifícios foram feitos para proteger os outros… Isto não evitou dinâmicas incômodas como a que você menciona, comportamentos egoístas, mas isso é a exceção que os noticiários recolhem, não o comportamento majoritário.
Bem, eu falava com você sobre as ruas, e seu argumento não me convence. Se as notícias são tão prejudiciais para o ser humano, conforme você diz (a droga mais nociva e viciante já inventada), nós, jornalistas, seríamos uma espécie de demônios?
De certo modo, sim.
Veja, o que me diz...!
É preciso diferenciar notícias de jornalismo construtivo. Psicologicamente, o vício em notícias gera cinismo, ansiedade, hostilidade e depressão. E o pior, aqueles que as acompanham são mais ignorantes sobre a realidade do mundo. Por exemplo, estão convencidos de que a pobreza e o crime aumentaram nos últimos 30 anos, quando as estatísticas demonstram exatamente o contrário. Mas isso não é notícia, claro.
Com jornalismo construtivo, não me refiro a: “oh, nasceu um urso panda!”, mas a uma informação com visão de futuro sobre aqueles que trabalham em busca de soluções. É importante que as pessoas continuem acreditando em um jornalismo verídico de investigação e não sucumbam à farsa das fake news ou da pós-verdade que são propagadas pelos grandes poderes. Os ditadores querem que você pare de acreditar na verdade, tudo é fake. Não, Trump não foi colocado por propagandistas russos, mas pela CNN, porque vendia o que agora perdeu com o que há de tedioso em Biden.
Diga-me, se alguém tende a ser o que acredita de si mesmo, a falsa construção do eu, seria decente simplesmente porque acredita nisto? Não estaríamos falando em termos de fé?
Repita uma história mil vezes e ela se tornará realidade. Se você persistir na maldade do ser humano, acabará organizando a sociedade em torno dessa premissa e precisará de hierarquia, burocracia, policiais, reis, CEOs, managers etc., para manter o controle. Mas se você acredita que as pessoas são decentes, você pode começar uma revolução e construir uma sociedade igualitária e democrática. Minhas propostas não são filosóficas, mas revolucionárias. Aqueles que sustentam que esse modo de pensar é ingênuo ou perigoso são os que constituem o perigo real.
Vamos falar de economia. Após as décadas hobbesianas (1970-90), algo está mudando em torno da responsabilidade social das empresas?
Não me parece um fenômeno real, mas propaganda. A porcentagem que as empresas dedicam à filantropia é mínima e raramente acertada. Há muito paternalismo por trás da caridade: compre um par de sapatos e damos outro para os pobres, mas quem disse a você que precisam de sapatos e não de outra coisa? Parece-me uma arrogância colonialista. O que precisam é de dinheiro para investir no que decidirem que precisam. A pobreza não é uma falta de inteligência, mas de dinheiro.
O que significa esse fenômeno da “grande renúncia”, a maré de pessoas que deixam seus empregos porque o consideram inútil e mal remunerado?
Também não me parece um fenômeno real, mas midiático, não se baseia em estatísticas confiáveis. É verdade que há 25% dos trabalhadores insatisfeitos com a utilidade do seu trabalho ou que inclusive o consideram prejudicial à sociedade. O desperdício de talentos é uma das maiores tragédias atuais, porque são os mais preparados e inteligentes que são buscados para criar necessidades absurdas de consumo.
São majoritariamente homens, consultores, bancários, estrategistas... empregados naquilo que passou a se chamar “trabalhos de merda”. As mulheres se ocupam mais de funções sociais, como educação e saúde, e em melhorar o mundo, que é o que precisamos.
Você propõe uma renda básica para toda a população, uma jornada de trabalho semanal de 15 horas e a abolição das fronteiras. Maravilhoso! Quem vai pagar por tudo isso?
Essas propostas são autofinanciadas. A pobreza é incrivelmente cara para os estados. Seria como a vacina contra a doença: o que custa mais? Um país desenvolvido precisa de aproximadamente 1% do PIB para erradicar a pobreza e economizaria muito em policiais, serviços sociais, saúde, prisões etc.
Foram feitas experiências em Londres e Vancouver que a avalizam. Distribuiu-se uma parcela muito pequena do tesouro público entre a população sem-teto e todos os seus beneficiários encontraram seu próprio modo de vida, com o qual se economizou muito mais em gastos sociais.
E sobre essas 15 horas de trabalho que parecem uma utopia, alguém já parou para pensar no tempo que se perde nos corredores ou nesses “trabalhos de merda”? Quem cria a riqueza em nossa sociedade, os consultores, os banqueiros e os advogados ou os professores e os profissionais de saúde? Mas a verdade é que quanto mais você contribui para o bem-estar social, menos você recebe.
Bregman, em seu ensaio, você está propondo um retorno ao nomadismo anterior à propriedade privada, de 15.000 anos atrás, como a única solução para as guerras, o machismo, a xenofobia, a insalubridade e a desigualdade?
Não, porque é impossível, mas é importante refletir sobre nossas origens para entender nossa natureza. O que chamamos de civilização, a vida em assentamentos, é um fenômeno recente. A grande evolução, ou o que chamamos de “autodomesticação”, que nos tornou mais pacíficos e moldou nossa natureza, aconteceu antes.
Nos últimos 77 anos, vivemos o período mais próspero e pacífico da história da “civilização”. Mas foi tão frenético que saiu de nosso controle. Continuaremos progredindo ou sucumbiremos ao colapso da poluição e da superexploração?
Ninguém sabe. Sem dúvida, vivemos o século mais perigoso da história da humanidade. Sofremos todas as ameaças de extinção apontadas pelos cientistas: a guerra nuclear é mais provável do que nunca, as pandemias, a biologia sintética capaz de criar vírus sem retorno, a inteligência artificial... Você consegue imaginar tudo isso nas mãos de Genghis Khan ou Bin Laden? É hora de acordar e enfrentar o que de verdade importa. Eu confio nos novos idealistas.
E esses salvadores, quem são?
Há uma nova geração que indica esperança, os nascidos depois de 1997, que são muito mais idealistas e progressistas. Sinto-me tão velho (em seus 34 anos!) quando lhes dou aula... Eu nunca pensava nas mudanças climáticas, nos abusos sexuais ou nos maus-tratos de animais quando eu era estudante. Os movimentos de protesto triplicaram desde 2006. Isto, sim, é progresso!
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“Há uma nova geração que indica esperança”. Entrevista com Rutger Bregman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU