27 Setembro 2018
Para o psiquiatra e etólogo, a descoberta de um mundo mental em animais implica um dever moral dos seres humanos em relação a eles.
Psiquiatra e etólogo, famoso pela invenção do conceito de resiliência e suas intervenções em debates éticos, Boris Cyrulnik aplica os métodos de pesquisa sobre o comportamento animal ao estudo da psique humana.
A entrevista é de Laetitia Van Eeckhout, publicada por Le Monde, 25-09-2018. A tradução é de André Langer.
Nos últimos trinta anos, os cientistas descobriram capacidades sociais insuspeitadas em animais. Para você, quais são os exemplos mais importantes nessa área?
Na década de 1950, pesquisadores, primatologistas, especialmente Harry e Margaret Harlow, conseguiram provar que os animais eram seres sencientes. Ao isolar macacos e, posteriormente, cães, privando-os da alteridade, percebeu-se que estes animais desenvolveram atividades centradas em si mesmos: balanços, rodopios e, em caso de emoções fortes, autoagressão. As lições desses experimentos, embora muito convincentes, não conseguiram, na época, entrar em nossa cultura cartesiana e cristã.
Durante dez ou quinze anos, os neurocientistas demonstraram que os mamíferos e até mesmo os pássaros têm consciência, o que significa que eles conhecem o prazer e o sofrimento. Eles têm as mesmas zonas de emoção e de memória que os humanos. Quando você pica ou corta um animal, as mesmas substâncias químicas de alerta agem nas mesmas áreas cerebrais.
Em algumas espécies, os animais mantêm o mesmo parceiro durante toda a vida. Podemos dizer que eles se “amam” no sentido em que nós humanos usamos esse termo?
Nos animais, o desencadeamento de uma manifestação de orientação sexual passa pela percepção de substâncias odoríferas, pela percepção visual ou pelos sons que emite. Mesmo quando um animal se familiariza com um parceiro, podemos falar de apego, mas não de amor. Os seres humanos provavelmente conhecem essa dimensão da percepção que desencadeia uma motivação sexual intensa. Mas o amor nos seres humanos é um sentimento intenso de plenitude, desencadeado por uma representação íntima desprovida de qualquer percepção de odor, visual ou de som.
Os animais também sabem colaborar, às vezes melhor que os humanos. O que as relações sociais animais podem nos ensinar sobre a psicologia humana?
Os animais nos ensinam muito sobre o funcionamento do nosso cérebro moldado pelo nosso ambiente. A partir dos experimentos do casal Harlow, foi possível ver como nossos bebês, mesmo quando são biologicamente saudáveis, não têm nenhuma chance de se desenvolver adequadamente se permanecerem sozinhos, se não estiverem na presença de alguém que os tranquiliza ou protege.
As alterações comportamentais, biológicas e neurológicas causadas pela solidão são exatamente as mesmas em mamíferos superiores jovens e em nossos filhos. Assim como um animal jovem isolado não aprende os rituais do jogo, uma criança, se está isolada, não aprende a brincar ou a falar, não aprende nada sobre o que é característico da condição humana.
Junto com outras personalidades, você fez um apelo, há dois anos, para a criação de uma Secretaria de Estado da Condição Animal. O crescente movimento contra os maus-tratos de animais constitui uma mudança na nossa sociedade?
Nós podemos realmente falar de mudança. Nós fomos influenciados durante muito tempo por Descartes, que pensava a animalidade apenas em termos de máquina, uma vez que a mente era reservada ao ser humano. Em um mundo cartesiano, os animais não têm mundo íntimo.
Agora sabemos – já foi demonstrado – que os animais não são apenas seres sencientes, mas também possuem um mundo mental. Este mundo mental, certamente, difere do nosso. Mas um animal é capaz de processar informações presentes ou passadas e usá-las para resolver ou antecipar um problema.
Na natureza, observamos macacos arrancando um galho, arrastando-o por vários quilômetros, introduzindo-o delicadamente em um cupinzeiro, esperando que os cupins subam pelo galho e depois o levassem à boca para comer os insetos. Os animais fabricam ferramentas, usam pedras para quebrar nozes, têm rituais culinários. Esta visão do animal diferente da simples máquina teve muitas dificuldades para entrar em nossa cultura cartesiana. Ainda nem tudo está ganho.
Como você analisa essa evolução? O que ela diz sobre a nossa sociedade?
A crescente atenção dada aos maus-tratos de animais é uma evidência de uma sociedade cada vez mais moral. Nós tomamos consciência de que não podemos mais torturar um ser vivo, que sofre e que tem um mundo mental, mesmo que seja diferente do nosso. Uma vez que temos empatia por outros seres vivos, uma inibição moral nos impede de passar à ação e torturar.
Você é a favor de um direito dos animais?
Os animais têm direito ao respeito porque são seres vivos. Devemos dar aos animais o direito de viver sem serem torturados por seres humanos. Mas isso dá, em primeiro lugar, deveres para nós, seres humanos: o dever de não torturar, destruir ou tornar seres vivos infelizes, mesmo que sejam diferentes de nós. É do nosso interesse respeitar o mundo vivo, tanto ecológico como animal: se nós o destruirmos, nos destruiremos a nós mesmos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A atenção dada aos maus-tratos dos animais testemunha uma sociedade mais moral”. Entrevista com Boris Cyrulnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU