29 Setembro 2022
"Conter o desmatamento requer enfrentar as raízes do problema, não apenas recuperar os órgãos ambientais, embora isto também seja uma necessidade urgente", escreve Philip Martin Fearnside, em artigo publicado pro Amazônia Real, 27-09-2022.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui.
Os três principais candidatos ao governo do Amazonas têm discursos que, em menor ou maior grau, sugerem preocupação com o meio ambiente. Ao mesmo tempo, todos apoiam obras e políticas que são inconsistentes com isto. Todos estão a favor do projeto de reconstrução da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), com as declarações de apoio ao projeto normalmente sendo complementadas com afirmações da intenção de ter governança e controle do desmatamento.
Infelizmente, o fato é que controlar o impacto da migração dos processos do arco do desmatamento na vasta área a ser aberta a essa pressão, que não se restringe à área ao longo da rodovia em si, teria um custo astronômico e exigiria uma mudança na governança antes dessa abertura que levaria um tempo bem mais longo que um mandato de governador (veja [1-3]). E controlar isto não seria fácil, mesmo com todos os recursos imagináveis. Com relação à parte do impacto que ocorreria ao longo da própria estrada, é falsa a noção de que o asfalto dar melhor acesso para fiscalização resolveria as ilegalidades ambientais tão evidentes hoje: com a melhoria paulatina da estrada desde 2015 os crimes ambientais têm aumentados cada vez mais ao invés de diminuírem (veja [4. 5]).
Essencialmente todos os políticos no Amazonas estão a favor da obra, desde que, é claro, o custo seja pago pelo Governo Federal, ou seja, quase tudo pelos contribuintes em outras partes do País. É evidente que os candidatos ao governo do estado só podem ter a posição que têm, pois nenhum político seria eleito no Amazonas se fosse contra a BR-319. A questão que surge, portanto, não é qual é a posição de cada candidato na campanha, mas até que ponto cada um entende o impacto catastrófico que a BR-319 e suas estradas laterais teriam em qualquer cenário minimamente realista em termos de “governança”. Precisamente a área de floresta sendo ameaçada fornece água que é transportada para São Paulo pelos ventos conhecidos como “rios voadores”, e evitar a perda deste serviço ambiental é fortemente no interesse nacional brasileira (veja [6-8]).
Outra grande questão que os candidatos e outros políticos não querem encarar é de parar a chamada “regularização” de “propriedades rurais”. Esses termos, na grande maioria dos casos, são eufemismos enganadores. “Regularização” implica que as pessoas em questão realmente tenham direito à terra reivindicada e que o fato de não terem o título é apenas devido à ineficiência da burocracia governamental. O discurso de que se trata de ribeirinhos que vivem ao longo dos rios amazônicos há gerações sem ter títulos à terra é falso, sendo que quase toda a área em questão é de ocupação ilegal recente ou mesmo de registros autodeclarados no CAR sem nenhuma fiscalização.
Com a exceção da pequena parte desses programas voltada aos povos tradicionais, não é “regularização”, mas, sim, a legalização de ilegalidades (veja [9-12]). Também não são “propriedades rurais”, pois se trata de terra do governo. A contínua legalização de reivindicações de terra é um dos grandes motores do desmatamento, e isto é estimulado pelo avanço contínuo do marco no tempo estabelecido pelo governo para ser elegível à titulação e pelo aumento repetido do limite máximo da área que pode ser legalizada. Conter o desmatamento requer enfrentar as raízes do problema, não apenas recuperar os órgãos ambientais, embora isto também seja uma necessidade urgente. O que se ouve dos candidatos é apenas a promessa de mais “regularização”.
[1] Fearnside, P.M. 2022. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real.
[2] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2009. BR-319: A rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central. Novos Cadernos NAEA 12(1): 19-50.
[3] Fearnside, P.M., L. Ferrante, A.M. Yanai & M.A. Isaac Júnior. 2020. Região Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.
[4] Andrade, M.B.T., L. Ferrante & P.M Fearnside. 2021. A rodovia BR-319, do Brasil, demonstra uma falta crucial de governança ambiental na Amazônia. Amazônia Real, 02 de março de 2021.
[5] Fearnside, P.M., L. Ferrante & M.B.T. de Andrade. 2020. Ramal ilegal a partir da rodovia BR-319 invade Reserva Extrativista e ameaça Terra Indígena. Amazônia Real, 09 de março de 2020.
[6] Fearnside, P.M. 2021. Audiências públicas BR-319: Um atentado aos interesses nacionais do Brasil e ao futuro da Amazônia. Amazônia Real, 28 de setembro de 2021.
[7] Fearnside, P.M. 2015. Rios voadores e a água de São Paulo.
[8] Fearnside, P.M. 2021. As lições dos eventos climáticos extremos de 2021 no Brasil: 2 – A seca no Sudeste. Amazônia Real, 20 de julho de 2021.
[9] Fearnside, P.M. 2020. O perigo da “lei da grilagem”. Amazônia Real, 22 de maio de 2020.
[10] Fearnside, P.M. 2022. Questões de posse da terra como fatores na destruição ambiental na Amazônia brasileira: O caso do sul do Pará. p. 39-54. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica, Vol. 1. Editora do INPA, Manaus. 368 p. (no prelo).
[11] Carrero, G.C., R.T. Walker, C.S. Simmons & P.M. Fearnside. 2022. Land grabbing in the Brazilian Amazon: Stealing public land with government approval. Land Use Policy art. 106133.
[12] Ferrante, L., M.B.T. Andrade & P.M. Fearnside. 2021. Grilagem na rodovia BR-319. Amazônia Real.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Meio ambiente e a eleição do governador do Amazonas: perguntas abertas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU