18 Julho 2022
"Nossa grande preocupação agora é a BR-319 e o que poderia acontecer naquele grande bloco de florestas no oeste do Amazonas que vai até o Vale do Javari. Seria catastrófica toda a abertura daquela área. São Paulo depende daquela parte da floresta para a sua chuva. Em 2014 faltou água para beber. No ano passado também teve seca. Mudou o padrão de secas. Não exatamente por causa do desmatamento, mas isso significa que tem menos margem. Parar de ter esse transporte de água da Amazônia para lá, com os chamados 'rios voadores', seria catastrófico para o Brasil."
Extensão da BR-319, conhecida como Manaus-Porto Velho. (Foto: Fayopo2 | Wikimedia commons)
A afirmação é de Philip Martin Fearnside, biólogo nascido na Califórnia e criado em Massachusetts que alerta para os riscos do efeito estufa desde os anos 1960. Fez pesquisas no Canadá e na Índia e morou numa agrovila da Transamazônica para o doutorado. Mudou-se definitivamente para o Brasil em 1978. A mulher e as duas filhas são brasileiras.
A entrevista é de Vinícius Valfré, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 17-07-2022.
Qual a maior ameaça à Amazônia hoje?
Nossa grande preocupação agora é a BR-319 e o que poderia acontecer naquele grande bloco de florestas no oeste do Amazonas que vai até o Vale do Javari. Seria catastrófica toda a abertura daquela área. São Paulo depende daquela parte da floresta para a sua chuva. Em 2014 faltou água para beber. No ano passado também teve seca. Mudou o padrão de secas. Não exatamente por causa do desmatamento, mas isso significa que tem menos margem. Parar de ter esse transporte de água da Amazônia para lá, com os chamados “rios voadores”, seria catastrófico para o Brasil.
Como a reconstrução dessa estrada seria um problema tão grave?
Até agora o desmatamento tem se concentrado no chamado “arco do desmatamento”, nas partes sul e leste da floresta. A BR-319 liga o arco do desmatamento com Manaus e migra os atores que desmataram tudo. E tem as estradas que seriam ligadas à rodovia. Ninguém fala sobre essas. Fingem que é só a estrada principal. Elas vão perfurar todas as unidades de conservação que foram criadas para barrar o avanço do desmatamento. Simplesmente isso leva os desmatadores para o outro lado. Também tem um grande projeto de gás e petróleo na área do Solimões. Isso daria impulso para fazer outras estradas. Tem todo um discurso de que terá governança, que a 319 vai ser ideal para o mundo. Mas hoje aquilo é uma terra sem lei. Não será da noite para o dia que vão começar a seguir as leis. Além disso, a área que seria aberta no oeste (da Amazônia, em consequência do acesso facilitado pela rodovia) não é área de terras não destinadas, as chamadas terras devolutas. E isso é mais atraente para grileiros. O bloco a oeste segura a situação ambiental no Brasil hoje.
Acredita que o modo como o País lida com a temática ambiental muda significativamente a partir de 2023?
Depende de quem ganhar a eleição. Se for (o presidente Jair) Bolsonaro, talvez continuemos os problemas de hoje. Se for (o ex-presidente) Lula, ele fala coisas mais favoráveis ao meio ambiente, pelo menos em termos do desmatamento e de povos indígenas. Mas na parte de hidrelétricas temos outra questão. Lula foi o responsável pelas barragens do Rio Madeira, de Belo Monte. Ele deu entrevistas recentes dizendo que faria tudo de novo. Em um canal francês, foi perguntado se estava arrependido do desastre em Belo Monte. Ele justificou tudo. Falou que foi muito bom, que gastou milhões na parte social. Fiquei com a cara no chão. Tem de ver o que vai acontecer nas diferentes partes da área ambiental.
A íntegra da entrevista pode ser lida aqui.
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"Na Amazônia, BR-319 é a grande preocupação", diz biólogo de grupo da ONU que ganhou Nobel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU