25 Junho 2022
“Seria injusto, além de falso, sustentar que os 'tradicionalistas' não dão importância à identificação de Jesus com os pobres. O fazem, mas, muito frequentemente, apenas na chave da caridade e da esmola, e quase nunca na da justiça. Ou seja, não dão a devida importância a um critério que marcou tanto a espiritualidade e a teologia como a história da humanidade: Deus deu os bens deste mundo não para acumulá-los, mas para que ninguém passe necessidade. Portanto, em caso de escassez, todas as coisas são comuns”, escreve o teólogo basco Jesús Martínez Gordo, doutor em Teologia Fundamental e professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, em artigo publicado por El Diario Vasco, 15-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Depois de ler os diferentes relatórios enviados pelas dioceses de San Sebastián, Vitoria, Bilbao, Pamplona e de diferentes coletivos da Espanha – que são as respostas da consulta sinodal aberta em outubro de 2021 pelo Papa Francisco, como primeira fase do Sínodo sobre a Sinodalidade – constato uma forte discrepância entre eles.
Esta discrepância, normal – até certo ponto – em qualquer coletivo humano, se vê reforçada e transformada em dura divisão, pelas nomeações de alguns bispos que – promovidos a tal responsabilidade por sua afinidade com uma interpretação reacionária do Vaticano II, liderada por João Paulo II e Bento XVI – apresentavam uma maior sintonia com as diretrizes que emanavam do setor mais conservador do episcopado espanhol que com a necessidade de enfrentar, junto aos cristãos e cristãs de suas respectivas dioceses, os desafios do momento, em fidelidade ao dito e feito por Jesus.
Mas não só por isso. Acredito que a divisão que vejo se deve também a uma compreensão diferente do que se entende por “praticante” nas dioceses do País Basco, embora não apenas nelas. Enquanto para os grupos geralmente tipificados como pós-conciliares, “praticante” é aquele que, conforme o programa do Monte das Bem-aventuranças ou a parábola do juízo final, alimenta os famintos, visita os doentes, associa-se com os que se comprometem com a paz e a reconciliação e se posiciona a favor dos marginalizados deste mundo, há outros grupos para quem ser “praticante” significa, sobretudo, participar da missa aos domingos. Eles são conhecidos como “tradicionalistas”.
Se para os primeiros a Eucaristia – como pertencimento a uma comunidade mais ampla do que o próprio grupo – é importante porque permite manter viva e fresca a identificação de Jesus com os menores de nosso mundo, para os segundos, a participação na missa, ou em qualquer dos atos de piedade a ela associados, é o critério definitivo. A Igreja, estes últimos costumam dizer, não é uma ONG. E não é pela centralidade que a presença sacramental de Jesus deve ter na Eucaristia (“este é o meu corpo”), mesmo acima da sua identificação com o último do nosso mundo (“o que fizeste a um destes pequeninos, fizestes a mim”). Seria injusto, além de falso, sustentar que os “tradicionalistas” não dão importância a essa identificação de Jesus com os pobres. O fazem, mas, muito frequentemente, apenas na chave da caridade e da esmola e quase nunca na da justiça, ou seja, não dando a devida importância a um critério que, clássico na tradição cristã, desde os primeiros momentos, marcou – para sempre – tanto a espiritualidade e a teologia como a história da humanidade: Deus deu os bens deste mundo não para acumulá-los, mas para que ninguém passe necessidade. Portanto, em caso de escassez, todas as coisas são comuns.
Se me permite comentar, acho que boa parte desses cristãos “tradicionalistas” confundem o que significa parar ou passar muito tempo em uma área de serviço para reabastecer (que viria a ser o culto e a liturgia) com a estrada de vida, o lugar onde, na verdade, se “pratica” o programa das Bem-Aventuranças e onde se encontra, cara a cara, com o Crucificado, associado aos crucificados dos nossos dias. E, claro, o espaço em que também é possível desfrutar de infinitas faíscas, murmúrios ou antecipações da vida em plenitude da qual a nossa existência é, no melhor dos casos, um momento. Aqui está outra importante chave explicativa da divisão que percebo lendo os relatórios oficiais dessas dioceses e de outros grupos que também os deram a conhecer recentemente ou o fazem há algum tempo, por exemplo, Gipuzkoako Kristauak; a Assembleia Ibiliana da Diocese de Vitoria-Gasteiz; o Fórum dos Padres; e Berpiztu – Kristau Taldea na Diocese de Bizkaia e diferentes grupos na Diocese de Iruña-Pamplona.
Mas, além disso, o que me impressiona é o maior apoio que os bispos nomeados nas últimas décadas têm dado ao grupo de “praticantes” em uma chave mais tradicional e caritativa do que àqueles que vivem como fonte da vida cristã a identificação dos Crucificados com os crucificados de nossos dias e que participam da Eucaristia porque a compreendem e a vivem como alimento e fonte de alegria que impulsiona e mantém nesse reconhecimento e presença. Esta aposta não só favorece esta divisão entre os “praticantes” pós-conciliares e os tradicionalistas – provocando a confusão posterior –, mas também explica o baixo, muito baixo perfil que mostram os relatórios oficiais dessas dioceses, bem como a pouca ou nenhuma ambição de a maioria das propostas apresentadas e, inclusive, a interdição – e até o desaparecimento – de algumas que pediam para avançar em tudo que fosse relacionado às mulheres, do sacerdócio a um papel maior na Igreja.
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Praticantes da Igreja. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU