17 Mai 2022
Pesquisadores indicaram, como causa dos abusos sexuais, em primeiro lugar, o clericalismo que, ativado e facilitado por um “sistema hierárquico-autoritário”, leva ao domínio dos consagrados sobre os não consagrados e os coloca em uma posição de superioridade, sendo o abuso sexual uma consequência extrema disso.
A análise é do teólogo espanhol Jesús Martínez Gordo, presbítero da Diocese de Bilbao e professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao.
O artigo foi publicado em Settimana News, 14-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para alguns da Cúria Vaticana, os bispos e católicos alemães – depois de terem iniciado juntos um “caminho sinodal vinculante” – estariam aproveitando o chamado Relatório MHG sobre a pedofilia na Igreja e, ao mesmo tempo, rompendo com o modelo de Igreja que – há séculos – foi tradicional, pondo em risco, assim, também a sua unidade com as cerca de 6.000 dioceses espalhadas em todo o mundo.
Segundo outros, menos temerosos, é verdade que, nesse “caminho sinodal vinculante”, estão sendo discutidas, votadas e aprovadas importantes propostas que, de fato, pressupõem uma redefinição do sacerdócio, da presença das mulheres na Igreja, do poder e do seu exercício dentro da instituição e também da moral sexual.
Mas a comunhão dessa Igreja não está de forma alguma em perigo, simplesmente porque advertem claramente que existem resoluções que – se aprovadas – podem ser implementadas nas respectivas dioceses ou pela Conferência Episcopal do país, sem comprometer, de modo algum, tal unidade.
Da mesma forma, há outras que se referem, por exemplo, ao celibato facultativo dos padres, à homossexualidade ou ao sacerdócio das mulheres, que devem ser discutidas e, se necessário, votadas novamente em outro fórum em que se encontrem – pelo menos, representadas – todas as dioceses do mundo.
Isso explica por que os bispos alemães se comprometeram a apresentar e a defender no próximo Sínodo mundial, que será realizado em Roma em outubro de 2023, essas ou outras propostas, caso sejam acolhidas pelo “Caminho Sinodal” que, provavelmente, se encerrará no próximo mês de setembro em Frankfurt.
O que aconteceu ou está acontecendo na Alemanha para que, cinco séculos depois da reforma luterana, voltem a rolar nessas terras, segundo alguns, os tambores de uma possível separação cismática e, segundo outros, da inevitável e imperativa superação de um modelo de Igreja que, herdado do Concílio de Trento (1545-1563), é hoje irrelevante para a causa do Evangelho?
A resposta, embora possa desagradar a muitos, é o relatório que, encomendado em 2014 pela Conferência Episcopal Alemã às universidades de Mannheim, Heidelberg e Giessen – e conhecido como MHG, a partir das iniciais dessas universidades –, tinha a tarefa de investigar o envolvimento de padres, diáconos e religiosos nos abusos sexuais de menores de 1946 a 2014.
Os bispos alemães, confiando essa investigação a uma equipe externa, procuraram obter informações, o máximo possível verdadeiras, sobre esse lado obscuro da Igreja, tanto pelo bem das pessoas afetadas, quanto para tomar – assim que detectados os erros cometidos – as decisões necessárias e evitar a repetição de tais comportamentos.
Os resultados são bem conhecidos. O relatório, publicado após quatro anos de pesquisa, identificou 1.670 vítimas de abusos sexuais de menores por parte do clero (4,4% do total daquele período) e 3.677 vítimas.
E, continuando com a tarefa atribuída, os pesquisadores indicaram, como causa de tais delitos, em primeiro lugar, o clericalismo que, ativado e facilitado por um “sistema hierárquico-autoritário”, leva ao domínio dos consagrados sobre os não consagrados e os coloca em uma posição de superioridade, sendo o abuso sexual uma consequência extrema disso.
Uma Igreja com esse perfil, afirma o relatório, sanciona ou transfere os culpados e encobre ou oculta os fatos, impede a sua divulgação e não leva em consideração os menores abusados. Procedendo desse modo, não só nos encontramos diante de comportamentos incorretos dos indivíduos, mas também de um problema estrutural e sistêmico que precisa ser enfrentado com urgência.
E, em segundo lugar, a moral sexual, especialmente no que diz respeito à homossexualidade e à disciplina do celibato. Se é verdade, como se pode ler, que nem a disciplina do celibato nem a homossexualidade são – à luz das pesquisas realizadas – fatores de risco para os abusos sexuais, também é verdade que é urgente reconsiderar a posição fundamentalmente contrária da Igreja Católica, primeiro, da ordenação de homens homossexuais e promover a criação de um ambiente aberto e tolerante, e depois, muito melhor do que tem sido feito até agora, atentar para o livre arbítrio e para a maturidade de quem opta por uma vida celibatária.
Eis os dados e as causas mais importantes que, acompanhados por uma longa série de recomendações, se encontram no início do chamado “caminho sinodal vinculante” alemão, acordado em julho de 2019 pela Conferência Episcopal Alemã e pelo Comitê Central dos Católicos Alemães e inaugurada no dia 1º de dezembro do mesmo ano.
Desde então, foram debatidas e formuladas propostas sobre o desmantelamento das estruturas do poder e clericais da Igreja; sobre a correta participação dos leigos e das pessoas consagradas na sua liderança; sobre a abolição do celibato obrigatório e sobre o acesso das mulheres a todas as funções eclesiais para colocá-las em pé de igualdade com os homens e… muitos outros temas.
O leitor pode imaginar um relatório e uma resposta desse tipo na Igreja espanhola [ou brasileira]?
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Alemanha: Igreja e sinodalidade. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU