25 Abril 2022
"O que Deus mais quer não é a observância submissa dos 'religiosos. Antes de todas as observâncias da Religião, o que Deus quer acima de tudo e onde encontramos Deus está na libertação do sofrimento dos oprimidos deste mundo", escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 23-04-2022.
"Deus é o Transcendente. E 'transcendência' é incomunicável. Está fora do reino de nossa capacidade de conhecer".
Só podemos conhecer a Deus, não pelo que é, mas pelo que faz Deus só pode ser conhecido se nos dedicarmos à tarefa que Ele nos propõe e nos impõe: "Vi a opressão do meu povo..."
"O comportamento que Jesus teve, colocando a libertação dos que sofrem antes das leis e rituais da Religião, esse comportamento foi o que levou Jesus a ser ressuscitado na cruz."
Nosso relacionamento com Deus é tão simples e tão complicado, as duas coisas ao mesmo tempo, que certamente muitos de nós que nos consideramos crentes, na realidade, somos possivelmente ateus. E, inversamente, muitos daqueles que afirmam ser ateus são na verdade crentes.
Por que essa interpretação estranha e contraditória? A Bíblia, no livro do “Êxodo”, diz que Deus se revelou a Moisés numa sarça ardente (Ex 3, 1-3). E da sarça veio a voz do Senhor que disse: “Vi a opressão do meu povo no Egito e ouvi suas queixas contra os opressores, conheço seus sofrimentos. Desci para o livrar…” (Ex 3,7-8). Como é lógico, diante de uma tarefa tão difícil, Moisés perguntou a Deus: "Se me perguntarem: Qual é o seu nome?" Ao que Deus respondeu: "Eu sou quem eu sou." E acrescentou: "Você lhes dirá: 'Eu sou' me envia a vocês" (Ex 3, 14). E concluiu: “Este é o meu nome para sempre” (Ex 3, 15).
O que tudo isso significa? Deus se dá a conhecer com um nome e uma tarefa. O substantivo é expresso em uma sentença gramatical que tem um sujeito e um verbo, mas nenhum predicado. O nome de Deus, se nos atermos ao que ele é ou quem ele é, não sabemos, nem podemos saber, nada sobre Ele. Deus não pode ser conhecido, se pretendemos conhecer seu ser ou sua essência. Deus é o transcendente. E a "transcendência" é incomunicável. Está fora do domínio da nossa capacidade de conhecer .
Só podemos conhecer a Deus, não pelo que é, mas pelo que faz Deus só pode ser conhecido se nos dedicarmos à tarefa que Ele nos propõe e nos impõe: “Vi a opressão do meu povo... libertá-lo”. Aqui está a chave e a tarefa em que podemos conhecer a Deus. O que determina, nessa matéria escura, não são as “ideias” de nossa cabeça, mas as “obras” que nossa vida produz.
O Evangelho de João coloca a expressão “eu sou” na boca de Jesus até 18 vezes. Quase sempre com um predicado: "Eu sou" o pão da vida, a luz do mundo, o bom pastor, a porta, o caminho... Se você não acredita que “eu sou”, você morrerá em seus pecados” (Jo 8, 24). Além disso, no mesmo confronto, Jesus afirmou: “antes de Abraão existir, 'eu sou' (Jo 8, 58)". Por isso Jesus chega a dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,29). Jesus se identifica com Deus.
Mas em que se baseia tal identificação? Em uma argumentação especulativa de ideias ou teorias, por mais sublimes que tais argumentações possam ser? Nada disso. A identificação de Jesus com Deus não se baseia em teorias e argumentos. Tudo é baseado no comportamento de Jesus, nas obras que Jesus fez. O próprio Jesus disse: "As obras que eu faço em nome de meu Pai, estas dão testemunho de mim" (Jo 10,25). E ainda mais claramente: "Se não faço as obras de meu Pai, não me creiais, crede nas minhas obras, para que entendais e saibais que o Pai está em mim e eu no Pai" (Jo 10,37- 38).
Agora, a que “obras” Jesus estava se referindo? À mesma coisa a que Deus se referia quando falou a Moisés no deserto: "Vi a opressão do meu povo... Conheço os seus sofrimentos" (Ex 3,7). Aqui e nisto tocamos o fundo da questão. Jesus o disse muito claramente: "Quando vocês levantarem o Filho do homem, vocês saberão que eu sou" (Jo 8,28). O comportamento que Jesus teve, colocando a libertação dos que sofrem antes das leis e rituais da Religião, esse comportamento foi o que levou Jesus a ser ressuscitado na cruz.
O que Deus mais quer não é a observância submissa dos "religiosos". Antes de todas as observâncias da Religião, o que Deus quer acima de tudo e onde encontramos Deus está na libertação do sofrimento dos oprimidos deste mundo. É por isso que é evidente que há tantos fiéis observadores, que acalmam suas consciências cumprindo sua Religião tranquilizadora. Pensando que são muito religiosos, na verdade são ateus. Como também é evidente que quem foca sua vida na luta contra o sofrimento dos oprimidos, mesmo que não seja observador e submisso às minuciosas observâncias da Religião, na verdade é quem pode dizer: se alguém realmente quer remediar o sofrimento deste mundo, mesmo que ele falhe como criminoso, que "eu sou".
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“Onde encontramos Deus é na libertação do sofrimento dos oprimidos deste mundo”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU