10 Junho 2022
O fundador do Slow Food Carlo Petrini fala sobre a delicada questão dos alimentos retidos em solo ucraniano, o necessário fortalecimento das produções locais e a loucura de uma política alimentar que destrói o planeta.
No dia 30 de maio, Carlo Petrini, fundador e presidente internacional do Slow Food, recebeu o diploma de membro honorário da Academia de Agricultura, Ciências e Letras de Verona, Itália. A motivação para esta escolha, nas palavras de Claudio Carcereri de Prati, presidente da Academia: “Agradecemos o empenho da Petrini em manter viva a relação entre homem, natureza, produção agrícola e defesa do consumidor. Gostaria de lembrar que quando a Academia foi fundada em 1768, um dos objetivos era dar a devida atenção à produção agrícola e seu desenvolvimento. Hoje, porém, nossa atividade também deve ter outros objetivos, como ajudar a fortalecer a relação entre agricultores, natureza e consumidores. Deste ponto de vista, a figura de Petrini é certamente central e uma referência internacional.”
E isso é demonstrado pelos numerosos reconhecimentos que recebeu, incluindo o de 2008, quando o The Guardian o incluiu entre as 50 pessoas que "poderiam salvar o planeta". Seu também é o prefácio do livro-entrevista sobre a encíclica Laudato Si' do Papa Francisco.
O Slow Food, a sua criatura, está hoje difundido em 150 países e está empenhado em dar o justo valor ao alimento, respeitando quem produz, em harmonia com o ambiente e os ecossistemas, graças aos saberes de que territórios e tradições locais são guardiães. De um desses países devastados pela guerra, a Ucrânia, partimos para a nossa entrevista.
A entrevista com Carlo Petrini é de Giorgio Vincenzi, publicada por Il Manifesto, 09-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Petrini, você tem notícias recentes dos agricultores que fazem parte da rede Slow Food na Ucrânia?
As últimas notícias que temos nos dizem que nossas comunidades permaneceram no território e que levam adiante o seu trabalho com todas as dificuldades do momento, que também dependem da área em que se encontram. Algumas estão em estado de guerra, mas não ameaçadas, enquanto outras sofreram destruição. No entanto, nenhum agricultor deixou o país.
Após a invasão russa, o fluxo de trigo para muitos países do norte da África, Oriente Médio e Ásia diminuiu drasticamente, colocando em forte risco sua segurança alimentar. Lembre-se que a Ucrânia é o quinto maior exportador de trigo do mundo, a Rússia o primeiro. Qual é o seu pensamento?
Essa situação deve ser urgentemente desbloqueada, garantindo que esses estoques de grãos cheguem ao seu destino o mais rápido possível, especialmente para aquelas populações que, sem esse grão, estão em estado crítico de carência de alimentos e, portanto, de fome anunciada. Em segundo lugar, se essa situação não for desbloqueada, é inimaginável que a nova colheita possa ser realizada porque não haveria locais para armazená-la.
Você costuma falar sobre a importância da soberania alimentar, bem menos o fazem os nossos políticos. A este respeito, recordo que a França rebatizou recentemente o Ministério da Agricultura e Alimentação como "Ministério da Agricultura e da Soberania Alimentar". Por que também seria importante para a Itália?
Por uma dupla razão. O mais forte é porque essa linha valoriza a economia local. Se a agricultura deve, justamente, ser descentralizada e, portanto, ser uma expressão de toda realidade, deve haver garantias onde essa produção é realizada para que seja absorvida pelo território e paga adequadamente. Não se pode pensar que uma política alimentar possa existir sem a economia e a produção local.
Em segundo lugar, essas salvaguardas no território garantidas pela soberania alimentar, que não é autarquia, são parte integrante da biodiversidade em todo lugar. A força desse sistema está na riqueza da biodiversidade. Se eu for minar a realização de economias e produções locais, inevitavelmente perco biodiversidade. Portanto, esses dois aspectos, o produtivo que garante a biodiversidade e o da salvaguarda da economia local, são as razões pelas quais a soberania alimentar deve ser buscada com determinação.
Infelizmente, nem sempre isso acontece e, por isso, estamos à mercê das externalidades que nos acontecem. Para dar um exemplo muito concreto: até cinco anos atrás, a produção interna italiana de trigo era remunerada aos agricultores pelo preço que lhes era garantido trinta e cinco anos atrás. Seria como dizer que vou trabalhar e recebo um salário de trinta e cinco anos atrás. Diante dessa situação, os agricultores tomaram suas decisões deixando de plantar trigo e optando por outras culturas. Nas minhas áreas planas (as Langhe, ndr) onde sempre houve trigo, agora há a avelã porque rende mais.
Após esta crise causada pela guerra na Ucrânia, percebem-se sinais de menor incidência de trigo, e eis que o mercado italiano está disposto a pagar mais por isso. Como se pode entender, por ter mortificado a soberania alimentar de um bem primário como o trigo, por causa de uma economia globalizada que garantia preços baixos e pouco rentáveis para os produtores locais, agora pagamos imposto diante do primeiro forte problema externo.
Alguns estados da União Europeia estão pedindo a suspensão das estratégias "Farm to Fork" e a proteção da biodiversidade para ter liberdade nas plantações. Qual é a sua ideia a respeito desses pedidos?
Essa situação está colocando em segundo plano todas as práticas virtuosas que planejamos implementar para a transição ecológica. Agora a exigência é produzir mais e, portanto, tudo está bem.
Ouvi até mesmo falar da reproposta de OGMs. Ao contrário, eu acredito que é preciso manter o pé firme e não retroceder nesses pontos.
Não incomoda que cerca de metade das terras agrícolas da Europa é usada para culturas que são usadas para alimentar animais e não humanos?
Isto não diz respeito apenas à Europa, mas a todo o mundo. Temos 80 por cento da superfície destinada à alimentação humana que é ocupada por espaços para animais de criação. Se o consumo de carne não for reduzido, especialmente nos países mais desenvolvidos, e se por hipótese a outra parte do mundo for consumir a carne que nós consumimos, três planetas não seriam suficientes para alimentar os animais. A questão está se tornando absurda.
Você defende a tese de que o principal culpado da crise ambiental é a política alimentar. Por quê?
O sistema alimentar é responsável por 34% das emissões de gases de efeito estufa. Todo o setor de transportes por terra, mar e ar responde por 17%, isso para se ter uma ideia dos impactos.
Tudo isso significa que a política que rege a produção agrícola é insalubre e perigosa.
Digo isso consciente do fato de que cerca de um terço dos alimentos produzidos são descartados e jogados fora antes de serem consumidos. Estou falando do uso de milhões de hectares que poderiam ser devolvidos à natureza; de bilhões de litros de água que são desperdiçados; de quilos de produtos químicos que afetam desnecessariamente a fertilidade do solo. Com base nessas considerações, depreende-se que esse modelo de política alimentar deve ser revisto globalmente.
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“A política que rege a produção agrícola é insalubre e perigosa.” O objetivo deve ser a soberania alimentar. Entrevista com Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU