24 Mai 2022
Primeiro o bloqueio das exportações da Ucrânia e da Rússia , o "armazém" que contribui com quase um terço das vendas globais de grãos. Agora o veto emitido pela Índia em 13 de maio, embora com a cláusula de abastecer os países em maior dificuldade. A guerra na Europa Oriental está estrangulando o comércio global de commodities agrícolas, disparando o alarme sobre uma crise alimentar já anunciada antes da escalada de Moscou.
A reportagem é de Alberto Magnani e Marco Valsania, publicada por Il Sole 24 Ore, 22-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
São principalmente os países africanos que sofrem com isso, presos à dependência dos fluxos de cereais que chegam do Mar Negro. A Rússia e a Ucrânia sozinhas representam mais de 40% das importações de trigo para a África, com percentagens subindo para picos como 80% na República Democrática do Congo, 90% na Somália e 100% na Eritreia. Mas a exposição navega em valores elevados também em outras áreas do continente, da Líbia aos Camarões, do Quênia à Tunísia.
A interrupção do abastecimento está elevando os preços dos alimentos na África, empurrando uma parcela ainda maior da população para o abismo da "insegurança alimentar": uma condição classificada pelas Nações Unidas como "a falta de acesso constante ao alimento".
A organização das Nações Unidas para a alimentação e agricultura, FAO, estimava que em 2020 pelo menos 323,2 milhões de pessoas estavam em formas "severas" de insegurança alimentar em toda a África Subsaariana.
Agora o Programa Alimentar Mundial da ONU prevê um aumento de 17% na condição de "fome aguda", ou seja, cerca de 378 milhões de pessoas, com impactos maiores precisamente entre a África Ocidental, Oriental e Austral. "Os mais expostos a aumentos no preço do trigo - explica Lena Simet, pesquisadora sênior da ONG Human Right Watch - são os países que mais dependem do trigo como aporte calórico para a população e, por sua vez, dependem das importações para satisfazer essas necessidades". Na África Oriental, um terço do consumo de cereais é baseado em produtos à base de trigo, “dos quais 84% são importados em grande parte da Ucrânia e da Rússia”, destaca Simet.
Os Estados Unidos, a Europa e a comunidade internacional estão mobilizando dezenas de bilhões de dólares para a emergência alimentar global. Mas provar que são suficientes e eficazes em uma dramática corrida contra o tempo não é fácil: os fundos preveem ajudas diretas às nações mais pobres mais afetadas. E às vezes indiretas, inclusive pelos Estados Unidos, com destinações de fundos para estimular a produção doméstica, agrícola e de fertilizantes, compensando as lacunas deixadas por Kiev e Moscou.
Washington, em um esforço de liderança, aprovou uma nova lei de ajuda de US$ 40 bilhões à Ucrânia que contém cinco bilhões dedicados ao combate à crise alimentar global, a maior alocação individual estadunidense para esse objetivo. Esta não é a primeira medida: desde fevereiro já disponibilizaram 2,6 bilhões. A Agência estadunidense para o Desenvolvimento Internacional, em particular, liberou ajudas de emergência de 670 milhões, 282 milhões na forma de alimentos para seis países mais prejudicados pela crise: Etiópia, Quênia, Somália, Sudão, Sudão do Sul e Iêmen. Esses recursos se somam aos cinco bilhões em cinco anos anunciados desde dezembro passado para o programa Feed and Future, contra a fome no mundo.
O presidente Joe Biden também saudou recentemente o setor agroalimentar dos EUA como o "celeiro do mundo". Alocou 500 milhões para a produção extra de fertilizantes nos EUA. E fortes incentivos para os agricultores se empenharem por colheitas duplas.
Com o empenho estadunidense, a coordenação internacional se intensificou. A secretária do Tesouro Janet Yellen e o Secretário de Estado Antony Blinken são protagonistas, junto com a UE, em ações no G7, ONU e instituições multilaterais. O resultado foi o Plano de Ação das Instituições Financeiras Internacionais para Enfrentar a Insegurança Alimentar: na primeira fila, entre outros, o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, o Banco Mundial e o FMI. O Banco Asiático de Desenvolvimento oferecerá fundos para a subsistência das populações no Afeganistão e no Sri Lanka, que nesta semana entrou em moratória porque não consegue pagar as parcelas de dívida soberana pelo aumento de energia e dos alimentos.
O Banco Africano de Desenvolvimento alocou 1,5 mil milhões para ajudar 20 milhões dos mais necessitados do continente. O Banco Mundial acaba de destinar outros 12 bilhões, que elevam a 30 bilhões os prometidos nos próximos 15 meses. No entanto, nada garante que a intervenção internacional alivie a carência de fornecimentos já sofrida pelos países africanos. As economias do continente terão de procurar - e já procuram - diferentes fontes de importação, começando pela UE e pelos EUA. Com aumento dos custos.
“Os custos de entrega, especialmente dos EUA, seriam demasiado altos para os países africanos, principalmente no contexto do aumento dos preços da energia”, explica Nesrine Ben Brahim, pesquisadora do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas de Migração. Sem esquecer, acrescenta Ben Brahim, outro fator crucial: os prazos de entrega, aumentados tanto pela maior distância com os EUA, como pelos obstáculos naturais às entregas em algumas regiões africanas. Aumentos e atrasos inflamariam ainda mais as tensões sociais que já são explosivas em várias áreas do continente, desde as tensões na Líbia ao alerta terrorista na Somália, até às fibrilações no Sahel e à guerra civil que fez desmoronar o "milagre" da Etiópia.
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ONU: na África 378 milhões de pessoas passam fome devido à interrupção da exportação de trigo após a guerra na Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU