27 Mai 2022
"Será necessário que a esquerda laica (à qual pertenço com convicção) se pergunte onde estão os Zuppi sem batina, os ateus iluminados não por Deus, mas pelo sentimento de fraternidade, os socialistas verdadeiramente convictos que "ou socialismo ou barbárie" não é um slogan de ontem, mas uma necessidade futura, a ponto de poder se colocar ao lado dos padres de rua, e se livre do clichê da esquerda empoleirada nas áreas restritas e no Palácio ... Há uma disparidade evidente, na história recente da esquerda italiana, entre o catolicismo social, que não conhece recuos nem hesitação, e o imenso esforço das razões dos leigos, intimidadas e silenciadas pelo triunfante mercantilismo".
A opinião é do jornalista, escritor e roteirista italiano Michele Serra, publicado por La Repubblica, 26-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "os aplausos da esquerda pela nomeação de Zuppi contêm, ao lado da satisfação, um sentimento de frustração por não poder prosseguir com nomeações, ações políticas e projetos de vida igualmente radicais".
Eis o artigo.
A Igreja sempre teve um papel político na Itália, mais ou menos evidente conforme as épocas e os protagonistas. É, portanto, inevitável que a nomeação de D. Matteo Zuppi como líder dos bispos italianos seja também um evento político, assim como é inevitável que seja sobretudo o campo progressista a se comprazer com isso, e o centro-direita que tenha que dissimular (exatamente como aconteceu e ainda acontece para o papado de Bergoglio) alguma preocupação, algum aborrecimento.
Aliás, é coisa de muitos anos - digamos: de Romano Prodi em diante - que a esquerda italiana deve muito de seus momentos positivos à sua componente católica, e isso também poder-se-ia dizer de sua própria identidade, até mesmo de sua sobrevivência. Em relação com o catolicismo social, as componentes seculares - ex-comunista e ex-socialista - não parecem usufruir da mesma saúde cultural e política e, sobretudo, não parecem poder se vangloriar de igual liberdade de juízo e de expressão (mesmo sobre a guerra: O pacifismo italiano encontrou no Avvenire, o jornal dos bispos, um refúgio acolhedor para suas dúvidas).
Tomemos um exemplo banal: se um expoente do Partido Democrata pronunciasse a frase "devemos passar da economia liberal para a economia compartilhada pelas pessoas, para a economia comunitária", seria considerado, na melhor das hipóteses, um extravagante e, na pior das hipóteses, um comunista. Mas, em vez disso, o Papa Francisco o disse (ontem), na invejável condição de evangelizador, tanto que ninguém ousa chamá-lo de subversivo mesmo quando ele subverte, decisiva e irrefutavelmente, os paradigmas do tempo presente. O padre, quando fala da sociabilidade como tábua de salvação, e mesmo quando condena o mercantilismo como uma ideologia a ser combatida, cheira a progressismo; o leigo, por outro lado, é suspeito da nostalgias novecentistas.
Isso dá o que pensar. Sugere, por exemplo, que a componente leiga da esquerda não apenas teve que pagar pelo desastre do fracasso soviético (portanto, da alternativa histórica ao capitalismo); mas também uma sua menor independência ética e cultural em relação ao poder, ainda intacto, do igualitarismo evangélico. Simplificando: os homens são todos iguais porque todos filhos de Deus, resistiu ao teste da história muito melhor do que "proletários de todos os países, uni-vos". E um padre social como Zuppi pode dizer com total serenidade, e muito aplaudido, coisas que ministros e deputados da esquerda do governo hesitariam em dizer, para não prejudicar os equilíbrios políticos e, sobretudo, para não serem tachados de extremistas.
Isso, especialmente em um país como a Itália, traz grandes problemas, tão grandes que se hesita em abordá-los em um artigo de jornal. Mas também será necessário que a esquerda laica (à qual pertenço com convicção) se pergunte onde estão os Zuppi sem batina, os ateus iluminados não por Deus, mas pelo sentimento de fraternidade, os socialistas verdadeiramente convictos que "ou socialismo ou barbárie" não é um slogan de ontem, mas uma necessidade futura, a ponto de poder se colocar ao lado dos padres de rua, e se livre do clichê da esquerda empoleirada nas áreas restritas e no Palácio ... Há uma disparidade evidente, na história recente da esquerda italiana, entre o catolicismo social, que não conhece recuos nem hesitação, e o imenso esforço das razões dos leigos, intimidadas e silenciadas pelo triunfante mercantilismo.
A componente social (ou trabalhista, como preferir) do Partido Democrata parece quase aniquilada, como se só ela tivesse que responder por toda fraqueza e toda insuficiência, inclusive alheia. Os aplausos da esquerda pela nomeação de Zuppi contêm, ao lado da satisfação, um sentimento de frustração por não poder prosseguir com nomeações, ações políticas e projetos de vida igualmente radicais.
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O Zuppi que falta à esquerda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU