25 Abril 2022
Nas eleições presidenciais francesas, os católicos estão virando cada vez mais para a direita e o moderado Emmanuel Macron não tem mais poder como em 2017, quando 70% dos praticantes votou nele no segundo turno. É o que se depreende de uma recente pesquisa realizada pelo Instituto francês de opinião pública: no primeiro turno, 40% dos católicos votaram em um candidato de extrema-direita, a líder do Rassemblement National Marine Le Pen ganhou 27%.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma virada decisiva em um catolicismo que sempre esteve longe do extremismo na política, enquanto a Igreja francesa opta pelo silêncio: "Os católicos não têm uma figura com a qual se identificar", disse ao Le Parisien o presidente dos bispos franceses, Mons. Éric de Moulins-Beaufort.
No entanto, a última palavra oficial data de janeiro passado, quando o Conselho Episcopal publicou um documento, A Esperança não decepciona, com a qual esperava discernimento nos eleitores católicos como parâmetro para medir sua participação na vida política da République. Mas a abordagem inaciana é eficaz em uma corrida ao Palácio do Eliseu exacerbada pelo extremismo do candidato Éric Zemmour e pela crise dos valores católicos?
A virada dos católicos franceses para a extrema direita confirma em parte uma tendência que remonta a cinco anos atrás, quando Macron conquistou o candidato de direita François Fillon - o favorito do eleitorado católico - somente após o escândalo de empregos fictícios de sua esposa: "Tivemos a sensação de uma eleição roubada", disse então o porta-voz dos bispos franceses, Mons. Olivier Ribadeau Dumas. Assim, mesmo que os céticos comparassem "o novo homem de En Marche!" com Jean Lecanuet, o líder centrista que ficou em terceiro lugar apesar dos consensos da mídia, Macron obteve 70% dos votos dos católicos.
A centro-direita como barreira católica ao extremismo (fascismo e nazismo) era o resultado de uma longa reflexão sobre o peso dos católicos na vida política do país, iniciada na década de 1970 por bispos como Gabriel Matagrin, Jean-Marie Lustiger e Albert Decourtray, defensores da declaração de 1972 Por uma prática cristã da política. Desde a década de 1980, a igreja se declarou incompatível com as teses do recém-nascido Rassemblement National (Rn) e este fio condutor acompanhou o episcopado até 2017, quando segundo Philippe Portier, diretor de estudos da École Pratique des Hautes Études de Paris, ocorreram as primeiras rachaduras no episcopado:
"Em 2017 não há uma mensagem muito clara contra Marine Le Pen da conferência episcopal, que se torna ainda menos precisa em 2022: o episcopado remete os católicos de volta à 'consciência'. Por quê? São vários os fatores: a virada à direita radical da maioria dos católicos, o fato de que nem todos os bispos têm a mesma visão dos princípios não negociáveis defendidos por Bento XVI, e o caráter menos ultrajante das declarações do Rn nos últimos anos" explica ao Domani. Com o advento do candidato de extrema-direita Zemmour, Le Pen suavizou sua imagem. Portier explica: “A questão diz mais respeito aos eleitores radicalizados. Aqueles que permaneceram na Igreja são muitas vezes os mais tradicionalistas, os outros passaram para o lado dos não praticantes e a isso se soma uma dissolução do universo moral católico. Além disso, os mais conservadores pensam que a posse dos muçulmanos seja mais uma razão para a sua marginalização”.
Colunista do Le Figaro, o historiador Guillaume Cuchet dedicou seu ensaio à marginalização dos católicos O catolicismo ainda tem futuro na França? (Seuil, 2021): “Depois dos anos 1960, o lugar do catolicismo na sociedade francesa diminuiu ainda mais. Em 1965, 25% dos franceses adultos iam à missa todos os domingos. Hoje, 2% declaram que o fazem. Na Europa, países como França e Bélgica estão entre os mais secularizados, enquanto o catolicismo se segura mais na Itália ou em Portugal. A atual crise de abusos sexuais na Igreja complica ainda mais a situação”, explica.
Os números de abusos na Igreja Católica francesa ainda são percebidos como um fracasso pela opinião pública, como apontou ao Domani Jean-Marc Sauvé, presidente da Comissão Independente sobre os Abusos. Mas também o Papa Francisco não é mais amado como antes.
Portier explica: “No início, o pontífice foi aclamado pelos franceses, especialmente pelos católicos praticantes. Hoje não é mais assim. Apesar do carisma tradicional ligado ao papa, Francisco é fortemente criticado, especialmente pelos católicos de extrema-direita: é considerado demasiado favorável aos imigrantes, pouco atento à cultura cristã da Europa, muito liberal em termos de moral”.
O radicalismo islâmico é um fenômeno presente na França e a religião muçulmana - a segunda no país depois do catolicismo - desempenha um papel na orientação de católicos cada vez mais céticos: "O aumento do número de muçulmanos na França alimentou as posições de quem enxergaria nisso uma perda da identidade cultural da sociedade francesa, cujas raízes são cristãs. Por outro lado, os bispos permitiram que associações cristãs e leigas se posicionassem sobre questões espinhosas da campanha eleitoral, enquanto pediam para se ater ao discernimento. Hoje eles foram criticados por falta de clareza”, explica o francês Patrick Valdrini, professor emérito de direito canônico da Pontifícia Universidade Lateranense.
O namoro dos católicos franceses por Macron acabou. Aquele do atual ocupante do Eliseu pode ser definido como "um caminho não místico", como a comitiva de Macron definiu grotescamente sua visita a Lourdes em julho passado.
Embora tenha sido o segundo presidente a visitar a cidade das aparições marianas depois de Philippe Pétain, a idiossincrasia entre Igreja e Estado era agora palpável: Macron não visitou a basílica e preferiu falar com os peregrinos do outro lado do rio Gave, no lado oposto da Gruta de Massabielle.
A proxêmica presidencial confirmou as escolhas políticas, como uma lei mais rigorosa sobre o separatismo e aquela sobre a bioética, duas normas fortemente desejadas por Macron. A lei sobre a procriação medicamente assistida para solteiros e casais não hétero, fortemente contestada pelos bispos católicos através de jejuns, deu a grande parte dos católicos a sensação de que o cristianismo não possa mais influenciar as sortes políticas do país. E quando isso acontece - ensina a santa heroína Joana d'Arc - corre-se o risco de queimar o legado dos valores cristãos nas piras baratas da agremiação política.
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Assim, o silêncio da igreja muda as eleições francesas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU