28 Março 2022
"Parar esta guerra o mais rápido possível significa parar o amadurecimento de outros conflitos que poderiam derivar do caos atual. Vamos fazer isso antes que seja tarde demais", escreve o cientista político italiano Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perugia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 27-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
As palavras aos conselhos da OTAN, ao conselho europeu e ao G7 foram fortes. Nesta situação exacerbada, cada palavra e cada gesto devem ser cuidadosamente calibrados. Há líderes ocidentais e mídias famosas que parecem não temer uma guerra generalizada. Jogar combustível no fogo é algo irresponsável: precisamos parar de raciocinar unilateralmente e cessar partidarismos inúteis.
É evidente que a liderança russa é culpada de desencadear um conflito gravíssimo. Todos os europeus estão convictamente do lado dos ucranianos. Agora, a verdadeira liderança de que precisamos deve elaborar um plano para sair da guerra de maneira politicamente lúcida.
Está cada vez mais claro que Vladimir Putin tomou uma decisão aventureira sem sentido além de irresponsável: sob todos os pontos de vista, ele já perdeu esta guerra ou, no máximo, ganhará apenas pedaços de território vazio e queimados por seu próprio exército. Se acrescentarmos a essa evidência também as aparentes dificuldades do Exército Vermelho, o quadro é decididamente negativo. A Rússia não conseguiu dividir o Ocidente; reforçou o nacionalismo ucraniano; ressuscitou a OTAN e o G7; perdeu a batalha midiática e propagandística; isolou-se economicamente e atraiu a indignação geral.
No entanto, isso não deve exaltar os ocidentais, mas torná-los mais sábios e prudentes, porque uma Rússia tão mal pilotada ainda pode causar muitos danos.
Em primeiro lugar, deve-se considerar que muitos países não tomaram partido: não apenas a China, mas a Índia e grande parte da África e da Ásia etc. Isso acontece porque o Ocidente nos últimos trinta anos alienou muitas simpatias: cometeu erros, travou guerras inúteis e prejudiciais (nem sempre respeitando as regras internacionais), se preocupou essencialmente por si mesmo e não foi particularmente solidário com o resto do planeta.
Por exemplo, a abstenção na Assembleia Geral da ONU de muitos países africanos sobre a resolução que condena a Rússia deve-se, mais do que a uma moção de proximidade com Moscou, a um sinal de irritação pela guerra na Líbia: a infeliz escolha euro-estadunidense que lançou no caos numerosos estados da África Ocidental, hoje abandonados a si mesmos. Em resumo: não é porque a Rússia cometeu o maior erro que os erros europeus foram cancelados. Os outros continentes não esquecem.
Em segundo lugar, é preciso levar em conta que é justamente quando está encurralado que o sistema russo pode fazer as escolhas mais arriscadas. As referências feitas por Moscou sobre o possível uso da arma nuclear devem ser levadas absolutamente a sério. Não se trata de um blefe, mas pode se tornar uma escolha real. A decepção de não ser acolhido pelos ucranianos orientais (russófonos) como libertadores é uma fonte de grande frustração para Moscou e pode levar a gestos extremos, ainda que localizados.
Em terceiro lugar, deve-se evitar uma escalada de palavras e de decisões do lado europeu: é mais sensato não tomar partido com os mais exaltados entre eles. Os grandes Estados membros da União Europeia, em particular os fundadores, devem retomar o controle para interromper o crescendo de belicismo que também é aventureiro e irresponsável.
Por fim, agora é necessário elaborar um plano para sair da crise. Há três objetivos a serem trabalhados:
1. obter uma trégua, indicando à Rússia de Vladimir Putin a saída para uma verdadeira negociação;
2. estabelecer as novas regras de segurança e cooperação na Europa;
3. desenvolver um plano de gestão das relações com a Rússia.
Visto que os estadunidenses não parecem dispostos a promovê-lo por enquanto, no primeiro objetivo é necessário que a Europa assuma a liderança na negociação (inclusive com apoio turco se for útil), baixando os tons e mantendo sob controle seus extremistas internos. A Alemanha, a França e a Itália deveriam engajar seriamente a Rússia na cessação das hostilidades e no estabelecimento de uma verdadeira mesa de negociações.
Isso não significa renunciar ao próprio juízo sobre a infame guerra, mas devolver prioridade à política. Para isso será necessário pressionar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e diminuir (e depois parar) a entrega de armas aos ucranianos (tornando-a uma questão de negociação).
Alguém dirá que é preciso continuar a armá-los porque sua vitória é possível: é justamente um juízo tão pouco lúcido que pode precipitar as coisas. A Ucrânia está se defendendo com surpreendente coragem, nenhuma grande cidade caiu ainda, os russos sofreram pesadas perdas: este é o momento de ir para as negociações de cabeça erguida, antes que o país seja reduzido a cinzas.
A parte mais difícil não é tanto o cessar-fogo (que também foi alcançado em 2014), mas desafiar os russos a uma verdadeira negociação que inclua não apenas as antigas questões (Crimeia, Donbass, neutralidade), mas também novos conteúdos que introduzem para a segunda etapa. Pode-se dizer que sem os EUA nada pode ser feito, mas a situação local está tão confusa que se poderia apostar que Moscou aproveitaria a oportunidade.
O segundo ponto é uma nova conferência para segurança e cooperação na Europa. Aqui Moscou acusa a OTAN de ter se expandido à força: o Ocidente teria mentido. Sobre esta questão, em janeiro, os russos entregaram aos EUA um rascunho de um novo tratado, que foi desconsiderado com desprezo.
Qual é o nó? Na época de Helsinque, o problema da democracia em si não surgiu, mas foi decidido que os dois sistemas podiam conviver desde que concordassem em algumas regras comuns, respeitando suas respectivas esferas. Hoje, a Rússia de Putin contesta a própria democracia. A desconfiança é mútua.
O que assusta o sistema russo é o "contágio democrático" (com o apoio da China de Xi Jinping): apesar de os líderes dos dois gigantes repetirem continuamente que seus sistemas são melhores e mais eficientes que a democracia ocidental, na realidade eles estão obcecados com ela. Por outro lado, os ocidentais, embora continuem a choramingar falando em declínio, exploram todo o seu soft power em termos de cultura e hábitos humanos, mesmo que apenas por razões comerciais.
Não bastam russos ou chineses ocidentalizados para torná-los democratas, mas parece que seus líderes temem isso consideravelmente. Em outras palavras, trata-se de uma questão de poder mascarada de modelo político-cultural, ou seja, envolta por um culturalismo identitário que também manipula a religião.
É por isso que uma nova Helsinque seria diferente da primeira: a "terceira cesta" (a parte sobre direitos humanos) se tornaria a primeira. Uma nova conferência deveria ser repensada: os ocidentais não cedem no fato de que cada país deve ser livre para escolher seu próprio sistema e com quem se aliar, enquanto para os russos ainda vale a velha regra das esferas de influência. Existe um possível compromisso entre as duas visões?
Outra questão crucial é retomar as negociações sobre os tratados de desarmamento, que foram progressivamente abandonados por russos e estadunidenses. A questão é central: quanto mais nos rearmamos, mais são criadas condições para outra guerra. Os processos de rearmamento em curso - fortemente contestados pelo Papa Francisco - devem ser interrompidos o mais rápido possível e o desarmamento deve ser retomado.
A terceira etapa diz respeito à recuperação de uma relação razoável com a Rússia. Uma Europa sem relações com Moscou é impensável: a Rússia não desaparece, mas o chauvinismo russo deve ser contido. O confronto entre a Rússia e a Europa sempre foi difícil. De qualquer forma, os russos não devem ser dados de presente a Putin. Já que 8.000 corajosos acadêmicos e pesquisadores russos assinaram o manifesto contra a guerra, vamos recomeçar da cultura e da busca para uma nova viagem comum.
Cortar esses vínculos em nome das sanções não é uma política sábia.
Finalmente, é bom lembrar que a guerra está criando graves problemas no hemisfério sul: escassez de trigo e fertilizantes, que se traduz em fome e revoltas. Parar esta guerra o mais rápido possível significa parar o amadurecimento de outros conflitos que poderiam derivar do caos atual. Vamos fazer isso antes que seja tarde demais.
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Três passos para parar a guerra antes que seja tarde demais. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU