26 Outubro 2021
“Não poderia ser o caso, talvez, do Papa Francisco estar pedindo que se pense primeiro - e talvez, neste kairòs, apenas - como alguém que não semeia nem colabora na semeadura, mas apenas parte à procura das boas novas das sementes já plantadas por Jesus e dos seus frutos (eis a missão evangelizadora hoje!), para protegê-los, ajudá-los a crescer e amadurecer, coletá-los e compartilhá-los?”, escreve Sergio Ventura, jurista italiano, em artigo publicado por Vino Nuovo, 25-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Sínodo da Igreja italiana, depois daquele da Igreja universal, já começou. E, como colocou nas manchetes o Avvenire há dois domingos, desta vez “a Igreja vai recomeçar a partir das pessoas”. Ou pelo menos deveria. Pois, lendo a entrevista do bispo e teólogo Brambilla, apesar do título promissor, surgem algumas perplexidades - e (ainda) não desaparecem.
O ex-vice-presidente do CEI - e atual presidente da comissão CEI para a Doutrina da Fé, Anúncio e Catequese - começa lembrando que "o que é provocadoramente novo é o método", ou seja, a tarefa de realizar um "Sínodo ‘difuso’ ou a partir ‘de baixo’”. Para depois se deter na (bela) "metáfora" das "sementes do tempo"- da qual falaremos mais adiante. Mas, ao final da entrevista, mostra-se talvez excessivamente tomado pela necessidade de nos alertar justamente contra as "amargas polarizações", os "extremismos da moda" e daqueles que "se acreditam narcisicamente os primeiros", além de nos exortar a ser “comunidades testemunhais”, “testemunhas apenas no plural, aliás, de forma coral”, “encruzilhada de relações e ações”.
O nosso teólogo não se dá conta, de fato, que nessa ânsia de lutar contra o que considera encarnações da "egolatria moderna" acaba por utilizar certas expressões que correm o risco de se revelarem lapsos freudianos capazes de anular a novidade metodológica do processo sinodal. Os "profetas isolados", a "voz desafinada fora do coro [que] prejudica mais, ainda que se faça ouvir com força", o "pioneiro" - estigmatizados pelo bispo Brambilla - não podem ser figuras acusadas tão imediatamente de "egolatria moderna". Um profeta, se tal o for, não é isolado? Um profeta, se tal o for, não grita - não faz barulho - no deserto? Um profeta, se tal o for, não abre novos caminhos?
Mas, sobretudo, como deixar de perceber que definir a sinodalidade como "colocar-se no ‘nós eclesial’" corre o risco de tornar vã a tentativa do Papa Francisco de persuadir a hierarquia eclesiástica de que "o Sínodo vai até os limites, inclui a todos"? Como não perceber que reclamar do fato de que “basta abrir um site para ver quantos ensinam à Igreja o que deve ser feito” - acusando-os de querer representar “o novo magistério dos blogs” – corre o risco de tornar vã a atenção que o Papa Francisco reserva ao outro, ao aprender com os outros, a ponto de aceitar "até os insultos que eles lhe fazem"?
Talvez por isso, alguns dias depois da entrevista com o bispo Brambilla, Brunetto Salvarani - também em Avvenire - nos exortava a superar algumas tentações: "não nos resignando a contemplar o próprio umbigo nem nos empenhar em análises autoconsoladoras ou lamentações dilacerantes", mas dispondo-se a “nos relacionarmos com o mundo externo, com aquela alteridade que já nos habita e nos coloca em crise e muitas vezes nos perturba; com a vasta parte do país que não só perdeu o sentido de Deus, mas não sente mais o desejo de um pertencimento eclesial, nem tem a percepção do que quer dizer uma pertença similar”.
Por outro lado, enfim, como deixar de perceber que reconhecer o "estilo sinodal" apenas para aqueles "artesãos que aprendem o ofício, para se tornarem ‘artistas de boas e novas histórias’" (Brambilla) corre o risco de anular até mesmo o convite urgente do Papa Francisco para que “no diálogo possam emergir as próprias misérias, sem justificativas”?
Também neste caso, sempre no Avvenire, mas na véspera da entrevista com o bispo Brambilla, o teólogo Sequeri havia lembrado que a "postura sinodal" significa principalmente sentir a necessidade de não se perder, mas de escutar e reconhecer "o esforço de viver, o peso dos fracassos, a mortificação do isolamento" de homens e mulheres, “muitos dos quais já não se atrevem mais a pensar que podem ser escutados" em sua "própria incerteza".
Pensando nisso - e diga-se isso com carinho - seria bom descobrir que o nosso pequeno blog, com suas histórias também sobre o que está errado, que não funciona na Igreja, de alguma forma contribuiu para agitar o humor do bispo de Novara. Principalmente porque significaria que "existimos", que "merecemos" ser reconhecidos como uma concausa de tal agitação. Mas não nos atrevemos a pensar tanto...
Resta, porém, a beleza da metáfora "sementes do tempo" utilizada pelo nosso teólogo. Com um esclarecimento, porém, ligado a um problema que deve ser evidenciado ad nauseam: o que “falta pensar" (Brambilla) do processo sinodal, segundo Francisco, não é apenas o que é participação, mas também o que é missão.
Se o apelo do bispo de Novara à parábola do semeador é compartilhável - como já convidei a fazer aqui - também se deve reconhecer que é menos inquestionável recordar que “precisamos renovar o contato com o mundo, a cultura, a gente, para dar corpo ao Evangelho hoje", ou seja, que "o mundo, a cultura, a vida quotidiana das pessoas são o solo e a massa do Evangelho", porque "a semente sem o solo seca, o fermento sem massa torna-se rançoso".
Certamente, este é um mínimo importante, se pensarmos que para alguns presbíteros e leigos o mundo e a cultura são "apenas um cenário, um teatro onde se desenrola o drama do Evangelho", sem qualquer "circularidade entre Evangelho e cultura, entre Igreja e mundo, entre proclamação e território”, apenas para depois se espantar (ou se limitar a “maldizer”) que “o solo sem sementes se torna estepe árida e torre de Babel, a massa sem fermento fica uma massa informe”.
A questão central - que também mencionei aqui - consiste, no entanto, na insuficiência de pensar a Igreja-em-saída "da sua própria hortazinha segura" como uma comunidade que quer "pôr na terra a semente, o fermento na massa", isto é,"dá-lo aos homens". É verdade que o bispo Brambilla especifica como esta comunidade deve "entrar no campo aberto do mundo para enfrentar o desafio que o mundo de hoje coloca ao Evangelho", isto é, que deve "recolher as intuições mais promissoras e encontrar novos caminhos", justamente, “'as sementes do tempo', ordenando-as ao seu destino sobrenatural”. Mas, até que seja esclarecido sobre quem - desta semeadura - o Sínodo segundo Francisco coloca o acento, será difícil evitar "o desapontamento de uma retórica da sinodalidade".
Por conseguinte – a repetição ajuda - não poderia ser o caso, talvez, do Papa Francisco estar pedindo que se pense primeiro - e talvez, neste kairòs, apenas - como alguém que não semeia nem colabora na semeadura, mas apenas parte à procura das boas novas das sementes já plantadas por Jesus e dos seus frutos (eis a missão evangelizadora hoje!), para protegê-los, ajudá-los a crescer e amadurecer, coletá-los e compartilhá-los? Em outras palavras, como aquele a favor de quem o Espírito já ampliou as fronteiras e os horizontes (da própria Igreja), porque já está se movendo, já está operando boas novas na humanidade, já está criando nela novas porções de povo de Deus (independentemente de, e, em alguns casos, apesar da própria Igreja)? Como quem não está obcecado em transmitir aos outros um depositum fidei já d(o)ado e (pré)embalado, mas é desejosos de descobrir nos outros o que vai atualizar e reviverá aquele depositum fidei; não está centrado no próprio dom - recebido de Deus no passado - a ser dado, apresentado aos outros, mas também e talvez hoje sobretudo no dom, no presente - de Deus - que os outros podem ser para nós?
Gostaria de saber se a afirmação (algo enigmática) de Sequeri vai na mesma direção, segundo a qual essa postura sinodal permanente e cotidiana, solicitada pelo Papa Francisco, "não é simplesmente o efeito funcional da resposta", mas comporta a criação do "contexto adequado para a construção das perguntas e a escuta das respostas que devem provir dele (Jo 14,26)". É certo que, também, para o teólogo milanês, “o povo de Deus, o povo daqueles que Deus ama e por quem se sente amado, felizmente, é infinitamente mais numeroso do que os lavradores da vinha que tentam roubá-la do Senhor continuando a proclamar o seu direito de dispor dela". E que, também para Sequeri, a sinodalidade, como "forma de corresponder ao dom da fé e à tarefa do testemunho", se concretiza sobretudo "em devolver a honra a esta imensa teoria de pessoas das bem-aventuranças e devolver a elas o testemunho da representatividade e da representação da Igreja”, “convidando-as aos primeiros lugares à mesa” depois de “as ter selecionado e descuidado”.
Por outro lado, concordamos em conclusão com um pungente, mas afetuoso Sequeri, “não queremos nos limitar a mero aparo da sebe do nosso jardim, só para agradar ao chefe, não é?”.
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