31 Julho 2018
Ao debate aberto por Marco Marzano sobre a falha estrutural na tentativa de reforma da Igreja por parte do Papa Francisco, depois da intervenção de Andrea Grillo, soma-se a contribuição de Brunetto Salvarani que articula as razões para uma compreensão estilística do ministério do atual bispo de Roma.
Salvarani é teólogo italiano, professor da Faculdade Teológica da Emília-Romanha. O artigo foi publicado no sítio Settimana News, 26-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O livro de Marco Marzano La chiesa immobile [A Igreja imóvel] (Ed. Laterza, 2018) está produzindo um certo debate, e eu só posso me alegrar sinceramente com isso. Creio que é um sinal, entre outros, da possibilidade de um debate, mesmo entre posições bastante diversificadas, sobre temas eclesiais e teológicos dos quais o discurso público italiano tem grande necessidade.
Portanto, que bom, embora, de acordo com a réplica à minha e a outras leituras do texto por parte do próprio Marzano publicada em Settimana News no dia 5 de julho, eu tenho a impressão de que não estamos dando passos particulares e, grosso modo, permanecemos nas próprias posições. Compreensível, aliás.
Então, aqui também, ao ressaltar felizmente a dimensão civil e respeitosa do debate (rara avis nestes tempos), retomarei alguns aspectos que já emergiram de maneira mais ou menos relevante.
“Não tenho nada contra Deus. É o seu fã-clube que me assusta...”, afirma Woody Allen. Na realidade, hoje o sentido de Deus (entendido como percepção difusa de uma relevância vital da sua presença ou ausência) se mantém, com raras exceções, totalmente externo à cena cultural contemporânea. Ao contrário, é bem mais perceptível, viva e socialmente preocupante a questão das consequências do comportamento coletivo dos fiéis ligados às diversas religiões (dos seus fã-clubes, sorriria Woody).
Apesar de tantos conflitos trágicos que as viram, em certa medida, como protagonistas ou inspiradoras, em um passado mais ou menos distante, mas também recentemente, as tradições religiosas custam a se encontrar, a se hospedar reciprocamente: provavelmente porque não têm uma esperança e uma responsabilidade conjuntas.
De fato, com toda a evidência, elas se mostram no mínimo carentes de experiências da força geradora de comunhão universal daquele Deus ao qual, todos os dias, várias vezes ao dia, também rezam, no qual esperam e ao qual proclamam (Roberto Mancini notou isso, e muito bem, no seu livro La nonviolenza della fede [A não violência da fé], Ed. Queriniana, 2015).
Pois bem, o Papa Francisco está se consumindo muito e está fazendo isso de maneira estratégica, como uma responsabilidade planetária cujos contornos parecem ser evidentes. Se, nesse plano, os resultados da sua ação são inferiores à expectativa, é também e sobretudo porque lhe faltam os interlocutores ou eles se colocam, como muitos dos atuais protagonistas da política mundial e nacional, em posições diametralmente opostas às suas (os últimos casos ligados à questão dos migrantes mostram isso amplamente). O que não leva Bergoglio a recuar um passo, pelo contrário.
Na minha opinião, sem esse pano de fundo integrador, sem a consciência – que o papa tem – de estar jogando uma partida decisiva em escala planetária, toda interpretação do seu papado corre o risco de errar o alvo.
Pergunto-me e pergunto a Marzano: se não houvesse hoje o bispo de Roma para defender, mundialmente, os direitos e as razões dos miseráveis e dos deserdados, quais seriam as perspectivas não da esquerda, mas daqueles que trazem no coração a justiça social, a igualdade e a solidariedade?
Em segundo lugar, e aqui eu não posso deixar de concordar com a reflexão oferecida na sua réplica por Andrea Grillo, também em Settimana News, no dia 6 de julho, para entender a fundo a Igreja e as suas dinâmicas, certamente são necessárias as ciências humanas, mas não se podem ignorar as teológicas. Como Marzano decide fazer, de fato; e, reitere-se, legitimamente, do seu ponto de vista como sociólogo.
Bastante menos, do meu ponto de vista: já que tento ser teólogo, mas me esforço para não negligenciar as leituras das ciências humanas, de todas elas. Nessa chave, não posso deixar de voltar a destacar como o clima geral, para os teólogos, é bastante diferente hoje e melhorou drasticamente, em comparação com o que acontecia há apenas cinco anos.
Penso, para dar apenas um exemplo entre os mais candentes, em um dossiê mais do que nunca delicado da época de Bento XVI, aquele sobre a teologia do pluralismo religioso, sobre o qual, há alguns anos, foi publicado um livro esclarecedor (J. Dupuis, Perché non sono eretico. Teologia del pluralismo religioso: le accuse, la mia difesa [Por que não sou herege. Teologia do pluralismo religioso: as acusações, a minha defesa], editado por W. R. Burrows, Ed. EMI, 2014), que reúne materiais do teólogo belga jesuíta Jacques Dupuis, autor do livro muito contestado pela Congregação para a Doutrina da Fé intitulado “Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso” (Ed. Paulinas, 1999).
Que, por sua vez, recebeu uma resenha decididamente encorajadora do jornal Avvenire, em 4 de dezembro de 2014, assinada por Roberto Timossi, que conclui assim: “... a mensagem conclusiva que Dupuis lança aos seus coirmãos teólogos é clara: para que a mensagem cristã mantenha a sua credibilidade no mundo multicultural e multirreligioso de hoje, é necessário dar um salto de qualidade na teologia cristã e católica das religiões rumo a uma atitude concreta mais aberta às outras crenças”.
Os exemplos poderiam ser outros, mas, em todo o caso, é difícil não atribuir à mudança de clima já ocorrida, e para além das recentes substituições na cúpula da Congregação, a sensação de uma liberdade teológica até agora desconhecida no pós-Concílio.
Não é uma questão pequena. Não sei se se trata de uma reforma estrutural, de acordo com a terminologia cara a Marzano, mas é algo que já está transformando, de modo inédito, a relação centro/periferia (outra questão justamente cara ao sociólogo de Turim).
Assim como ele está mudando a relação, de maneira significativa, no lado ecumênico, como confirmaram mais uma vez os recentes encontros em Genebra e em Bari, e no lado inter-religioso. Temas cruciais e nada secundários no cenário mundial.
Terceira consideração, ainda sobre as reformas perdidas, sem retomar as considerações relativas à importância de iniciar processos, já propostas por mim na intervenção anterior.
Pode ser, realisticamente, que o Papa Francisco, no início do seu pontificado, tenha imaginado que a mudança (da cúria, mas não só) seria mais fácil. Eu, pessoalmente, não acredito nisso; e acho que, na verdade, no fim, uma crítica desse tipo acaba sendo assemelhável àquelas, não poucas e não raras e muito candentes, especialmente nas mídias sociais, que, a partir de dentro da Igreja Católica, tendem a reduzir Bergoglio a uma espécie de bom selvagem, ingênuo e filho digno de um Terceiro Mundo eclesial incapaz de produzir teologia de maneira autônoma, e por isso presa fácil de uma Cúria tão sagaz quanto refratária a cada mudança de ritmo.
De minha parte, continuo considerando que, ao contrário, ingênuo é quem pensa que uma instituição complexa como a Igreja Católica pode se transformar, magicamente, em alguns gestos de varinha mágica; e que, desta vez, junto com Marzano, como ele admite na conclusão à sua réplica, a marca bergogliana é tão forte que está destinada a durar até mesmo sem Bergoglio. Porque os processos iniciados e – insisto – o seu estilo (C. Theobald) bem dificilmente poderão ser banalizados ou ignorados pelos seus sucessores.
Por outro lado, como gostava de enfatizar o bispo “Padre” Tonino Bello, “uma Igreja que não sonha não é uma Igreja, é apenas um aparato: não pode trazer alegres anúncios quem não vem do futuro”. E o papa argentino é realista, mas também um “ba’al chazon”, um homem de sonhos (e de esperança).
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Revolução perdida? Práticas e estilo de Francisco. Artigo de Brunetto Salvarani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU