Rumo ao Sínodo: “É preciso expor a Igreja à liberdade do Espírito”. Entrevista com Andrea Grillo

Reprodução do logo do Caminho Sinodal

28 Setembro 2021

 

A Igreja Católica, por meio da firme vontade do Papa Francisco, está começando a viver em nível global um período caracterizado de modo particular pelo chamado à sinodalidade. Um tempo de escuta, de discernimento, estudo, reflexão e oração vai começar nos próximos dias, destinado a continuar aquele processo de atualização sancionado pelo ensinamento do Concílio Vaticano II.

 

Falamos sobre isso com Andrea Grillo, Professor de Teologia dos Sacramentos e Filosofia da Religião no Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, e de Liturgia na Abadia de Santa Justina, em Pádua, Grillo lecionou como professor convidado na Faculdade Teológica de Lugano e na Pontifícia Universidade Gregoriana.

 

A entrevista foi concedida a Rocco Gumina, professor de Religião na Arquidiocese de Palermo, desde 2014 presidente da Associação Cultural Alcide De Gasperi, e publicada em Tuttavia, 27-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

No início do documento preparatório em vista do próximo caminho sinodal – intitulado “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão” – os bispos afirmam que “a Igreja de Deus é convocada em Sínodo”. Professor Grillo, na sua opinião, o que essa expressão significa para os fiéis do século XXI?

 

A expressão não é nada clara e corre o risco de ser assumida como parte de uma “linguagem para iniciados” que desmente precisamente a intenção com que se realiza essa convocação: ou seja, expor a Igreja à liberdade do Espírito. Essa me parece ser a intenção fundamental, que traduz, quase 60 anos depois, aquilo que os “sinais dos tempos” significaram para a época conciliar. O fato de a “sinodalidade” ser assumida como forma, como estilo e como estrutura indica bem um elemento de “inquietação” e de “imaginação” do qual a Igreja deve voltar a compreender a necessidade para o seu próprio modo de ser.

 

O processo sinodal ressalta a grande relevância do “caminhar juntos”. Provavelmente, a complexidade da cultura e dos fenômenos sociais, econômicos e políticos do nosso tempo dificultam a tarefa de percorrer de modo comunitário os caminhos da história. É claro que o compromisso de “caminhar juntos” é fundamental para qualquer grupo humano. Porém, no caso dos cristãos reunidos a convite do mestre de Nazaré, qual o significado do esforço comum e a qual meta ele tende?

 

A tríade que serve de subtítulo – comunhão, participação, missão – descreve bem o horizonte desse “caminhar juntos”. O que talvez possa nos surpreender é a “inversão” das prioridades, que a sinodalidade exige de forma radical. Ou seja, só uma escuta prévia, de modo sistemático, de toda a experiência humana e cristã se torna a condição para viver a experiência eclesial como “comunhão”. Saímos da ideia de que uma “ideia” ou “conceito” de comunhão é a condição para poder viver de modo coerente. Começamos a partir de uma exposição à experiência comum.

 

Tanto a tradição quanto o magistério atestam que a Igreja é constitutivamente sinodal. Se é verdade que não é oportuno tomar emprestado das instituições políticas o método democrático, assim como o monárquico e oligárquico, qual é – no nosso tempo – a melhor modalidade para viver esse aspecto fundamental da identidade eclesial?

 

Esse ponto é muito delicado e não deve ser exagerado. Tento me explicar. É verdade que os “modelos políticos” não funcionam imediatamente como inspiradores diretos da experiência sinodal. No entanto, não se pode negar que os modelos políticos imperiais e do absolutismo tiveram um forte peso sobre a experiência medieval e moderna da Igreja no sentido de nos fazer viver o exercício do poder, a gestão da autoridade, o modo de entender o serviço e a nossa própria identidade. Então, é inevitável que algumas modalidades “democráticas” possam e devam se tornar o instrumento para que a Igreja seja verdadeiramente livre para escutar o Espírito. Não para estabelecer “maiorias” ou “minorias”, mas para garantir um debate real e sério. Se, na gestão de um processo sinodal, um bispo quisesse, por assim dizer, “esconder na gaveta” o texto de um questionário, como ocorreu por ocasião do Sínodo sobre a família, a comunidade eclesial deveria ser salvaguardada desses arbítrios, que não têm nada da obediência da fé e têm muito dos mecanismos mafiosos de uma estrutura feudal.

 

Quanto e como os desafios da atualidade ligados à crise ambiental, aos vários fundamentalismos, aos efeitos negativos da globalização, à difusão da cultura dos direitos individuais poderão influenciar nos trabalhos do caminho sinodal?

 

O primeiro nível – ou passo – do trabalho sinodal será um longo procedimento de escuta. O Papa Francisco disse muito bem à sua diocese: escutar-se radicalmente para escutar o Espírito que tem a primeira palavra. Para se escutar realmente, é preciso deixar de lado as leituras ideológicas, tanto do passado quanto do presente, e ter ouvidos muito sensíveis. Também no discurso à sua diocese, Francisco usa duas expressões decisivas: “deixar-se sacudir pelo diálogo” e recorrer a uma “hermenêutica peregrina”. Estão em jogo aí formas de vida que são profundamente alteradas por diversos desequilíbrios: os da relação com o ambiente ou com leituras unívocas do real. Muitas vezes esquecemos que uma “cultura dos direitos individuais”, que muitas vezes é apenas demonizada na Igreja, é uma das condições para “ver” as injustiças, para elaborar a fortaleza e para ter uma verdadeira prudência. É claro que é preciso equilíbrio, mas a demanda de sinodalidade só conserva a comunhão eclesial se souber dar a primeira palavra ao Espírito, que é movimento e liberdade. Isso – diz Francisco – não é fruto do último Concílio (Vaticano II), mas do primeiro (Jerusalém), como atestam os Atos dos Apóstolos.

 

Por meio de um caminho composto por três fases – narrativa, sapiencial e profética – a Igreja italiana também se prepara para viver o caminho sinodal tenazmente desejado pelo Papa Francisco, que, desde o Congresso Eclesial de Florença, em 2015, convidou as comunidades católicas espalhadas por todo o nosso país a viverem a sinodalidade. Na sua opinião, por que é importante que a Igreja italiana viva bem esse caminho sinodal?

 

É um paradoxo, mas uma parte da Igreja italiana parece querer se “defender” do Sínodo. Como se o Sínodo pudesse ser um elemento de “crise” para uma Igreja que não precisa disso. Eu acredito que esta é uma oportunidade histórica, em que o efeito de “arrastamento” da elaboração sinodal em nível de Igreja universal pode ajudar a rever o ritmo da Igreja italiana. Francisco diz isto apertis verbis: devemos deixar que a escuta nos ponha em crise. Sem predeterminar os conteúdos da escuta – é uma tentação que já se manifestou com clareza – a abertura à experiência de tudo e de todos, sobretudo dos marginalizados e dos diminuídos, torna-se decisiva para readquirir uma verdadeira identidade, aberta ao Espírito e livre para segui-lo. Uma das obsessões mais negativas que ameaçam a grande tradição italiana seria hoje a de não querer renunciar a se identificar com os piores estereótipos com os quais ela é confundida, tanto em seu interior quanto em seu exterior. É um desafio grande, duro, exigente, mas acho que pode ser apaixonante e que vale a pena ser levado totalmente a sério.

 

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