24 Setembro 2021
“Exortamos os católicos – especialmente os católicos marginalizados – a participarem do processo sinodal. Pode não ser um processo perfeito, mas é mais provável que a Igreja atenda às necessidades do povo de Deus com ele do que sem ele.”
Publicamos aqui o editorial do National Catholic Reporter, 23-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando soubemos que o tema do próximo Sínodo dos Bispos seria a própria sinodalidade, você podia ouvir o gemido coletivo na redação (virtual). Um processo sobre um processo: o que poderia ser mais enfadonho? Pior ainda, um processo longo – que começa em outubro com seis meses de consultas locais e termina em 2023 com a reunião dos bispos e de outras pessoas de todo o mundo no Vaticano.
Os resultados das sessões diocesanas de escuta devem ser compilados em documentos de “síntese”, que por sua vez formam a base para dois documentos de trabalho antes do encontro de 2023. Um documento final virá dos participantes do Sínodo, a ser seguido por um documento pós-sinodal do papa.
No entanto, de acordo com outro documento (o documento preparatório), “o objetivo do Sínodo não consiste em produzir documentos”. Que ironia.
Em vez disso, continua o documento preparatório, o Sínodo “fazer germinar sonhos sobre a Igreja que somos chamados a ser, suscitar profecias e visões, fazer florescer a esperança, estimular confiança, enfaixar feridas, entrelaçar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros, construir pontos e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua força às mãos”.
Bem, se vocês dizem... Fazer germinar sonhos? Construir pontes? Aquecer corações? O Senhor sabe que a Igreja – de fato, o mundo – poderia se servir de um pouco de tudo isso.
Os Sínodos dos Bispos já existem há mais de meio século, mas foi o Papa Francisco quem os tornou uma peça central do seu estilo de governo mais colegial e os reformou para deixarem de ser meros eventos “carimbadores”. Este papa convocou grandes Sínodos sobre a família (em 2014 e 2015), sobre os jovens (em 2018) e sobre a região pan-amazônica (em 2019).
Este próximo Sínodo claramente tem o objetivo de estabelecer um processo que continuará após o seu pontificado.
Feita corretamente, a sinodalidade pode mudar a forma como nos relacionamos na Igreja. Ela é mais dinâmica, mais inclusiva, um “aprofundamento da visão do Vaticano II”, segundo Rafael Luciani, um dos três teólogos latino-americanos convidados como conselheiro especialista da comissão teológica da Secretaria do próximo Sínodo.
“Uma visão sinodal nos desafia a transformar as práticas clericalistas nas quais um indivíduo ou um grupo na Igreja toma decisões sem escutar e consultar, como se existisse à parte do povo de Deus”, disse Luciani em uma entrevista ao NCR. “A sinodalidade exige que escutemos e nos engajemos no diálogo para estabelecer relações vinculantes que edifiquem a Igreja.”
A sinodalidade não é uma democracia representativa, sem dúvida, mas envolve empoderar os leigos de uma forma que “reconheça a necessidade de representação”, disse Luciani.
Podemos aprender muito sobre a sinodalidade com os nossos irmãos e irmãs latinos e sul-americanos, que viram essa forma de ser Igreja modelada por meio do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) e das suas reuniões colegiais em Medellín, Colômbia; Puebla, México; Aparecida, Brasil; e outros.
No entanto, o próximo Sínodo já foi atacado tanto pela esquerda quanto pela direita. Alguns católicos conservadores parecem se opor à própria ideia de sinodalidade, enquanto outros são críticos ao modo como esse papa a pratica, incluindo a sua abertura a todas as vozes, especialmente as das “periferias”, o que inclui as de fora da Igreja.
Os críticos conservadores dizem que estão preocupados com o fato de o Sínodo promover a divisão na Igreja e minar o ensino e a autoridade estabelecidos da Igreja.
Mas os conservadores não são os únicos preocupados com a possibilidade de o outro “lado” sequestrar o processo. A ex-presidente da Irlanda Mary McAleese, falando em um encontro na Inglaterra, previu uma “higienização do feedback”, porque as sessões de escuta locais serão sintetizadas pelas Conferências Episcopais nacionais.
É improvável que esse modelo de “sinodalidade amordaçada” traga uma “primavera eclesial”, disse McAleese. “O mais provável é que simplesmente prolongará o inverno eclesial e o gelo sobre os ramos verdes da esperança.”
Talvez esse pessimismo compreensivelmente venha do Sínodo Amazônico, no qual o documento final do papa não atendeu ao pedido dos bispos sinodais de abrir a ordenação sacerdotal a homens casados e o diaconato às mulheres.
Além disso, ainda não está claro se as mulheres participantes do próximo Sínodo terão a permissão para votar nas propostas – como fazem os irmãos religiosos não ordenados –, e a insistência de que “não é o voto que importa” por parte dos cardeais que podem votar não ajuda. Nada prejudica um processo de “caminhar juntos” mais rapidamente do que separar as pessoas em classes com base no gênero.
No entanto, apesar das preocupações e das controvérsias, exortamos os católicos – especialmente os católicos marginalizados – a participarem do processo sinodal. Pode não ser um processo perfeito, mas é mais provável que a Igreja atenda às necessidades do povo de Deus com ele do que sem ele.
Devemos levar esse processo a sério, como Francisco exortou recentemente os católicos da Diocese de Roma, acrescentando: “O Espírito Santo precisa de vocês”.
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“Vamos dar uma chance ao Espírito Santo no Sínodo sobre sinodalidade.” Editorial do National Catholic Reporter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU