25 Outubro 2021
Há uma densa rede diplomática em torno do Vaticano na tentativa de não permitir que fracasse a COP26, a cúpula sobre o meio ambiente, que terá início em Glasgow em 31 de outubro. Nos últimos meses, em várias ocasiões, foram ouvidos pelo Papa Francisco vários líderes empenhados em montar um acordo climático aceitável ou, pelo menos, não permitir que naufrague completamente após os anúncios problemáticos da China, Rússia e Austrália de que, de fato, não participarão da cúpula.
Audiências, telefonemas, contatos pessoais com o Papa: o secretário estadunidense Tony Blinken, Nancy Pelosi, o primeiro ministro Draghi, o presidente Macron, o primeiro ministro francês Jean Castex, a chanceler Angela Merkel, o presidente da Irlanda, vários patriarcas, o Imã do Cairo e, por último na agenda, com um encontro marcado para 29 de outubro, o presidente Joe Biden.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada por Il Messaggero, 24-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“O Papa e Biden discutirão o empenho comum centrado no respeito fundamental pela dignidade humana, a luta para derrotar a pandemia, o desafio de combater as mudanças climáticas e a atenção pelos pobres”, disse o porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki.
Foto: Reprodução de Print do site ukcop26.org.
O Papa Francisco, autor da encíclica Laudato Sì’ - a primeira e histórica encíclica social de caráter ambientalista - é considerado no cenário internacional um formidável veículo de soft power. Consequentemente, seu apoio à questão do clima é considerado essencial pelos Estados Unidos e pelo presidente Macron. No entanto, o Papa optou por não ir a Glasgow (aparentemente) devido aos muitos problemas organizacionais que estão surgindo no local. De forma que o pontífice encaminhará uma mensagem à cúpula e enviará uma delegação à Escócia, em seu lugar, chefiada pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado.
O Papa Francisco e o presidente Biden, por outro lado, se encontrarão no dia 29 de outubro em Roma, em meio à feroz polêmica sobre o apoio deste último ao direito ao aborto. No passado, os dois já tiveram a oportunidade de se encontrar em outras ocasiões: na missa inaugural do pontificado em 2013; dois anos depois, durante a visita do Papa aos Estados Unidos, e em 2016 no Vaticano.
Mesmo que o porta-voz da Casa Branca tenha evitado colocar a espinhosa questão do aborto na pauta, é improvável que essa questão fique do lado de fora da biblioteca apostólica, visto que a audiência do dia 29 de outubro acontece junto à reunião da conferência episcopal estadunidense em Baltimore, o importante encontro anual, marcada há tempo, onde os bispos terão que votar uma declaração candente: negar ou não a comunhão aos políticos católicos que apoiam o direito ao aborto.
Biden, como sabemos, é um católico praticante que frequenta regularmente a missa e recebe a comunhão, apesar de ainda estarem em vigor alguns pontos doutrinários que impedem a comunhão aos que apoiam o aborto (também do ponto de vista legislativo). O cardeal Wilton Gregory, arcebispo de Washington, já antecipou que, pessoalmente, jamais negará a comunhão a Biden, arquivando de vez os antigos documentos doutrinários ainda em vigor. Porém, há outros cardeais que, ao contrário, entraram em campo pedindo coerência entre prática e doutrina. Em sua última reunião, em junho, os bispos estadunidenses votaram por ampla maioria a necessidade de prosseguir com a redação de uma declaração. Disso surgiu um confronto com o Vaticano, visto que o Papa havia pedido um adiamento e a opção por uma linha mais prudente. Se uma declaração rigorosa sobre o aborto fosse aprovada em novembro, criaria novas divisões na Igreja estadunidense, já intensamente desgastada em seu interno entre bergoglianos e anti-bergoglianos.
O Papa Francisco nunca escondeu simpatias (beirando o endosso) por Joe Biden. É difícil esquecer quando, pouco depois das eleições presidenciais, quebrando todo protocolo diplomático, fez um longo telefonema de congratulações a Biden.
No dia da posse de Biden, o arcebispo conservador José Gomez de Los Angeles, presidente da Conferência episcopal dos Estados Unidos, entretanto, adiantou-se denunciando que Biden havia se empenhado a "seguir determinadas políticas que poderiam promover males morais e ameaçar a vida e a dignidade humanas, especialmente em relação ao aborto, contracepção, casamento e gênero”.
Se o presidente da Conferência Episcopal estadunidense pedia rigor e coerência moral, o Papa Francisco, na mensagem enviada a Biden, não mencionava o assunto. Questionado sobre o problema da comunhão no retorno da Eslováquia, o Papa explicou aos jornalistas em uma entrevista coletiva no avião que o aborto é um homicídio, mas cabe aos bispos não politizar a questão e a participação da comunhão. Uma crítica num lado, outra no outro lado.
No início do verão nos EUA, Biden, questionado pela imprensa sobre a possível proibição de receber a comunhão, foi quase ousado ao responder: "é uma questão privada e acho que não vai acontecer".
O problema não está de forma alguma arquivado e os maus humores viajam por baixo da superfície aparentemente calma. No início deste mês, enquanto o papa recebia a porta-voz da Casa, Nancy Pelosi, no Vaticano, o arcebispo Salvatore Cordileone, de São Francisco, lembrava que Pelosi se diz católica, mas continua a apoiar o direito ao aborto. O arcebispo convidava os católicos a jejuar e orar para que Pelosi mudasse a sua posição sobre o aborto. Enquanto isso, o presidente Biden nomeou o ex-senador Joseph Donnelly como embaixador dos Estados Unidos na Santa Sé. Católico que, como senador, se opôs firmemente ao direito ao aborto, com exceções em caso de estupro, incesto e perigo de vida para a mãe.
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Clima, de Biden a Macron e Draghi: a densa rede diplomática do Papa para que a COP26 não fracasse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU