26 Agosto 2021
"Sem os mil gestos de solidariedade possíveis, a sociedade se fecha e implode. Testemunha isso, em negativo, a agressão da direita de Marine Le Pen; 'Na França, portanto, pode-se ser clandestinos, atear fogo na catedral de Nantes, não ser expulsos e voltar a cometer crimes, matando um padre'", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 25-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
São muitos os questionamentos colocados pelo assassinato de montfortino Olivier Maire. Uma morte certa e prematura com a intenção de seguir Jesus.
Dez dias depois da morte violenta do padre montfortino Olivier Maire, a magistratura francesa acusou formalmente o requerente de asilo ruandês, Emmanuel Abayisenga, de homicídio. O crime ocorreu na casa provincial dos padres montfortinos entre 8 e 9 de agosto, em Saint-Laurent-sur-Sèvre (Vendée).
Pela manhã, Abayisenga foi à gendarmaria para denunciar o fato, admitindo em seguida que era o culpado. O corpo do morto foi encontrado em uma área comum da residência com sinais de severos golpes na cabeça.
A notícia circulou pelo país e pelo exterior, relembrando o trágico fim de pe. Jacques Hamel, degolado por dois fundamentalistas islâmicos em 26 de julho de 2017. Mas neste caso não se trata de um fundamentalista, mas um cristão ruandês, já conhecido por ter sido acusado do incêndio da catedral de Nantes em 18 de julho de 2020 e acolhido pelo provincial, pe. Maire, e pela comunidade em custódia judicial antes do julgamento.
Isso conteve e confundiu as reações públicas e sociais, regidas pela vontade da Igreja e dos montfortinos, determinados a não dar espaço a reações injustificadas ou sectárias.
Foi testemunhado pela solene liturgia fúnebre celebrada em 13 de agosto pelo presidente da Conferência Episcopal, Mons. Eric Moulins-Beaufort, na igreja local, que abriga os restos mortais do fundador, L.M. Grignion de Montfort.
Um dos momentos mais emocionantes foi a oração silenciosa final dos pais, irmãos e familiares de pe. Maire próximos uns dos outros em torno do caixão, enquanto no presbitério os celebrantes e os montfortinos atestavam sua "segunda" família e na nave numerosas autoridades civis e o povo cristão guardavam a grandeza austera do momento.
Em nenhuma passagem do rito fúnebre ecoou um indício de acusação ou de ressentimento.
O irmão Daniel Busnel relembrou as etapas da vida de pe. Maire: nasceu em Besançon em 1961, professo em 1986, sacerdote em 1990 (pelas mãos de Mons. Gaillot). Sua formação teológica foi entre Paris e Roma. Formador e professor no Haiti e em Uganda, depois de ter sido assistente geral em Roma tornou-se provincial da França em 2011, confirmado em 2017. Dotado de muitas habilidades relacionais, artísticas e musicais, foi apontado pelos testemunhos como um homem simples, acessível, profundamente ancorado na espiritualidade do fundador.
Olivier Maire (Foto: Settimana News)
Seu (suposto) assassino, Emmanuel Abayisenga, é de Ruanda. Vindo de uma família hutu, aos 13 anos testemunhou o massacre dos tutsis em 1994 (800.000 mortos). Depois que os tutsis retomam o poder, seu pai foi morto e seu tio foi para a prisão. Ele entrou para a polícia e testemunhou outras violências desumanas. Foi torturado e abandonou sua profissão e seu país pela França (2012).
Um longo artigo de La Croix (15 de julho) reconstitui seu esforço de integração no país e a recusa sistemática das autoridades em considerá-lo um refugiado político. Muito generoso nas atividades sociais e eclesiais, passou a atuar entre os voluntários que prestam serviço à catedral, substituindo inclusive o sacristão na sua ausência.
Uma agressão violenta, enquanto estava fechando a igreja, talvez tenha colocado em risco um já precário equilíbrio psíquico, com crescentes problemas de saúde física, e o convenceu de uma presença demoníaca na catedral e de sua tarefa de expulsar o demônio. Talvez seja essa a origem do início do incêndio em três pontos diferentes da igreja, uma noite em que ele estava de serviço (18 de julho de 2020).
Preso, submetido a perícia psiquiátrica, depois de ter vivido em uma residência franciscana antes do incêndio, foi-lhe concedido aguardar julgamento na comunidade dos montfortinos. Já aberto ao acolhimento dos pobres, pe. Maire, pela delicadeza e sigilo do caso, o hospedou não na pousada, mas no convento. Em seguida, a conclusão dramática.
Durante o funeral, o superior geral, pe. Luiz Stefani destacou a extraordinária onda de atenção e oração suscitada pelo trágico fim do provincial e seu coerente exercício da caridade, do perdão e da misericórdia segundo o carisma da Congregação.
Na breve homilia, o viceprovincial, pe. R. Chapette releu a passagem da tempestade acalmada (Mc 4, 35-41) como a experiência repetida de pe. Oliver de "passar para a outra margem", os seus temores e a profundidade da sua fé.
O episódio, que lembra de perto a "santidade ao pé da porta", destacada na exortação apostólica Gaudete et exsultate (2018), abre algumas questões mais gerais.
A primeira diz respeito ao contexto social e às reações populares diante de episódios semelhantes (não tão raros na experiência eclesial). A solidariedade prática e a inclusão dos imigrantes requerem uma generosidade e uma fortaleza de alto perfil. O multiculturalismo não é isento de derrotas e esforços que a retórica medial não percebe nem quando a contrasta nem quando a apoia.
Por que se expor tanto? Por que não cumprir as liminares de repatriação (no caso, o ministro do Interior lembrou que não era possível para quem devia enfrentar um julgamento)? Por que não ser mais prudentes?
Mas, sem os mil gestos de solidariedade possíveis, a sociedade se fecha e implode. Testemunha isso, em negativo, a agressão da direita de Marine Le Pen; "Na França, portanto, pode-se ser clandestinos, atear fogo na catedral de Nantes, não ser expulsos e voltar a cometer crimes, matando um padre."
A segunda é interna à vida eclesial, onde não faltam reações negativas à abertura de acolhimento aos pobres. Desde as compreensíveis como os amigos do órgão de Nantes que se perguntam como reconstruir o prestigioso instrumento, às mais questionáveis que se descarregam sobre os bispos e o Papa Francisco, culpados de não defender a tradição cristã e seus valores em benefício de populações perigosas.
Mas a pergunta mais intrigante diz respeito ao tema do mal e da santidade. No caso de pe. Hamel foi reconhecido em seu grito aos agressores ("Satanás vai embora! Vai Satanás!") o exercício de um exorcismo, ao que Paulo VI indicava como o mal que "não é mais apenas uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e pervertedor”.
É curioso que, nos delírios de Emmanuel Abayisenga, a evocação do mal retorne, na execução de um mal sem motivo e sem razão.
A exposição generosa do Pe. Maire (e de sua comunidade) pode se inserir no reconhecimento da santidade previsto pelo motu proprio Maiorem ac dilectionem do Papa Francisco (11 de julho de 2017)? Nele está prevista uma quarta via para a proclamação da santidade: a aceitação livre e voluntária de uma morte certa e prematura com a intenção de seguir Jesus.
Resta saber se o documento se aplica ou não ao caso. Certamente estamos muito próximos do núcleo mais íntimo e ardente da fé.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
França: morrer de solidariedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU