20 Agosto 2021
Em 1 de setembro de 2012, em frente ao convento das clarissas de Malonne, na Bélgica, lançamentos de pedras e gás lacrimogêneo perturbaram a calma que costuma reinar nesta pequena cidade perto de Namur. Frente a frente, separados por barreiras de metal instáveis, estavam manifestantes e policiais. Gritos de “À morte”, “Protejam nossas crianças” se erguem no meio dessa multidão de cerca de cinquenta pessoas.
A reportagem é de Constance Vilanova, publicada por La Vie, 18-08-2021. A tradução é de André Langer.
Poucas semanas antes, no dia 31 de julho, Michelle Martin, ex-esposa e cúmplice do pedófilo e criminoso Marc Dutroux, foi libertada após 16 anos de reclusão. O tribunal de condenação de Mons concedeu-lhe liberdade condicional. “A mulher mais odiada da Bélgica” mudou-se para o convento das clarissas, em Malonne, que aceitaram o seu projeto de reintegração.
Durante cerca de 10 anos, a cúmplice de Marc Dutroux vinha se comunicando, a partir de sua cela na prisão, com uma das freiras desta pequena comunidade. Segundo Paris Match, seus pertences pessoais e móveis estavam guardados em um sótão do convento desde 2001. Sem família ou parentes que pudessem acolhê-la, ela se voltou para essas mulheres consagradas.
Seu pedido havia sido apresentado por seus advogados e supervisionado de perto. Mas, em frente ao convento, a revolta recrudesce. Apesar da proteção policial no local, as paredes costumam ser pichadas e as manifestações se sucedem uma atrás da outra a ponto de a abadessa, a irmã Christine, ter de se expressar em um comunicado de imprensa para justificar esta decisão de acolhimento.
“Nosso caminho comunitário cruzou com o da sra. Martin a pedido de seus advogados. Foi um desafio para nós, oprimidas como estávamos pelo terrível sofrimento das vítimas e de suas famílias que passaram pelo inferno, como vocês sabem. (...) Vocês devem saber que ela não tem família e que ela não encontrou um local de reintegração para mulheres na Bélgica”. Neste documento, ela especifica que Michelle Martin não participa das atividades da comunidade, mas que pode, se desejar, interagir com as irmãs.
Dois anos depois, em 2014, as clarissas mudaram-se e instalaram-se em Bruxelas. A manutenção do prédio de Malonne estava se revelando muito cara e demorada para essas oito freiras. Essa é a deixa para a cúmplice de Dutroux deixar as freiras e passar a residir com um ex-juiz. A irmã Christine relata esses dois anos de acolhida na diocese de Namur: “Não tínhamos ideia do quanto nossos contemporâneos ficaram abalados com este caso. Nós recebemos caixas de correio abarrotadas de ofensas. E, ao final das contas, ficamos com medo de sair”.
“Para compreender esta tradição de hospitalidade, devemos começar pela Bíblia onde, desde o Antigo Testamento, se prestava especial atenção ao estrangeiro, à viúva e ao órfão. É uma noção que atravessou a história do povo judeu e depois a tradição cristã e monástica”, relata o padre Pierre-Yves Pecqueux, secretário adjunto da Conferência dos Religiosos e Religiosas da França (Corref).
“Durante a Segunda Guerra Mundial, vários mosteiros desempenharam esse papel escondendo judeus para protegê-los. Devemos proteger todos aqueles que são desprezados ou estão em perigo. Mas, hoje, nossa sociedade midiática não ajuda em nada e a discrição não é mais tão simples”, prossegue o superior provincial dos eudistas [Congregação de Jesus e Maria] na véspera do funeral do padre Olivier Maire.
A socióloga das religiões e especialista da vida monástica Danièle Hervieu-Léger também insiste: “O monge não é um recluso. A hospitalidade é constitutiva da identidade de uma comunidade monástica: segundo a regra de São Bento, seguida por muitas comunidades monásticas ocidentais, o hóspede deve ser recebido como o próprio Cristo”.
Neste sentido, acrescenta Véronique Margron, presidente da Corref, referindo-se ao assassinato de Olivier Maire: “Há algo de terrível no fato de que a nossa primeira reação seja de indignação, quando a hospitalidade é a primeira virtude bíblica e quando Cristo morreu na cruz, assassinado”.
Na França, foi em 2019 que a questão da hospitalidade monástica provocou uma nova comoção midiática. Em 28 de junho, Jean-Claude Romand, criminoso, mitomaníaco e falso médico da Organização Mundial da Saúde, foi colocado sob vigilância eletrônica após 26 anos de detenção.
Aquele que matou sua esposa, dois filhos e seus pais no Jura, na manhã de 9 de janeiro de 1993, ingressou na abadia de Fontgombault, um mastodonte da arquitetura românica, plantada no coração do vale de Creuse. Na década de 1970, o ex-miliciano Paul Touvier se escondeu neste bastião do catolicismo tradicionalista com sua família quando era procurado pela justiça por cumplicidade em crimes contra a humanidade.
Desde que se instalou ali, Jean-Claude Romand só pode sair do mosteiro em determinados momentos, não tem permissão para se encontrar com a imprensa e está proibido de ir a determinados departamentos. A família da sua esposa, que morreu sob seus golpes, denuncia esta situação. Quando contatada, a comunidade Fontgombault não quis responder às nossas perguntas.
Em 18 de maio de 2021, a calma de outro reduto tradicionalista foi quebrada com a chegada da polícia judiciária de Nantes e do Escritório Central de Repressão à Violência Contra Pessoas (OCRVP). As forças da ordem fazem batidas policiais na abadia de Saint-Michel-en-Brenne, em Indre, onde uma testemunha supostamente teria reconhecido Xavier Dupont de Ligonnès, acusado de ter massacrado sua família em 2011 antes de desaparecer...
Nos meses que se seguiram à sua fuga, os investigadores já tinham investido contra a abadia de Sainte-Madeleine du Barroux, em Vaucluse. Em 2018, outra comunidade intrigou os investigadores em Roquebrune-sur-Argens, no departamento de Var. Se essas intervenções não dão pistas sobre o fugitivo, demonstram que, no imaginário coletivo, a hospitalidade das congregações religiosas pode ir tão longe a ponto de abrigar criminosos.
“Os monges e as freiras são cidadãos como qualquer outro; eles votam e são obrigados a respeitar a lei como todo mundo. Se um criminoso aparecer na frente da irmã ou do irmão hospedeiro, eles devem encorajá-lo a se denunciar e, se necessário, entrar em contato com a polícia sob pena de cumplicidade. São Bento recomenda que o porteiro do mosteiro seja um monge sábio e maduro”, insiste, no entanto, a socióloga Danièle Hervieu-Léger.
“Como irmão hospedeiro, podemos nos encontrar diante de hóspedes que não declaram a sua identidade formal”, observa o padre Jean-Pierre Longeat, beneditino e ex-presidente da Corref. O ex-irmão hospedeiro da abadia de São Martinho de Ligugé (departamento de Vienne) especifica: “A hospitalidade não significa encobrir situações problemáticas. Devemos acolher no sentido do bem comum. É um momento delicado que gera discussões com os superiores da comunidade. Tentamos aprofundar a personalidade, mostrar discernimento”.
“Com a pessoa que bate à porta, o padre hospedeiro ou a irmã tentam criar uma relação para entender as motivações do visitante, tudo sem molestar”, acrescenta Pierre-Yves Pecqueux, da Corref: “O que essa pessoa quer? Quais são suas motivações? Por quanto tempo quer ficar? Não se trata de confiar cegamente. Esta é toda a importância do irmão hospedeiro e da forma como ele irá interagir com o superior da congregação e depois, em segundo lugar, com os irmãos. Devemos proteger a viúva, o órfão, mas também a comunidade. Por exemplo, pode haver uma batida policial. Se a pessoa for acolhida, pode-se estabelecer um vínculo entre a justiça e o padre abade e a madre abadessa, que deve assegurar que a pessoa se apresente à justiça quando for necessário”.
Acontece também que essas comunidades recebem “padres penitentes”. Desde 2014, um protocolo foi estabelecido para acolher esses eclesiásticos que aguardam julgamento ou estão sendo julgados por pedofilia. “Assim como acolhemos as vítimas, devemos acompanhar o caminho desses sacerdotes. Hoje existem acordos entre as comunidades religiosas e o episcopado para evitar situações em que bispos e autoridades civis se lancem sobre as comunidades”, explica Jean-Pierre Longeat, que conclui sobre a hospitalidade monástica: “Sim, a vida religiosa é uma vida em risco”.
Durante 30 anos, o ex-miliciano conseguiu se esconder em vários mosteiros e casas pertencentes à Igreja para escapar do julgamento.
Condenado à morte em 1946 e 1947, perdoado em 1971, mas posteriormente alvo de denúncias por crimes contra a humanidade, imprescritíveis, Paul Touvier passou, até sua prisão em 1989, quase 20 anos foragido. Foi especialmente nas comunidades religiosas, ajudado por eclesiásticos próximos ou não da extrema direita, que o ex-chefe de inteligência da milícia de Lyon de 1943 a 1944 pôde viver escondido.
“As redes de eclesiásticos que ajudaram Touvier variam de acordo com os anos de sua fuga”, indica a historiadora Bénédicte Vergez-Chaignon que, ao trabalhar em arquivos recentes, lançou luz sobre uma complexa rede católica em seu livro L’Affaire Touvier. Les révélations des archives, Flammarion (O caso Touvier. O que revelam os arquivos).
“Em 1989, foi encontrado no convento integrista de São Francisco, em Nice, foi auxiliado por padres da extrema direita que usaram o dever da hospitalidade para acolher um criminoso contra a humanidade que devia ter sido julgado”, explica Vergez-Chaignon, que continua: “Mas Touvier também era um excelente manipulador. Ele jogou com diferentes registros. Ele foi acolhido em algumas congregações por esconder a sua identidade, ao revelar apenas uma parte ínfima do seu passado, e precisamente por jogar com a obrigação de caridade e de discrição dos mosteiros. Ele era um fino conhecedor do mundo católico”.
Em sua obra, a historiadora mostra que o criminoso era próximo de monsenhor Charles Duquaire, secretário do cardeal Pierre Gerlier, que fez campanha para que Georges Pompidou concedesse o perdão presidencial ao miliciano. Em 1989, no julgamento por crimes contra a humanidade, Touvier foi condenado à prisão perpétua.
“Quando a opinião pública tomou conhecimento dos apoios religiosos que ele recebeu, a reação foi de espanto e de escândalo. Essa descoberta fez ressurgir nas mentes a conspiração dos monges, a ideia de que após a Libertação dos colaboracionistas, os nazistas teriam sido exfiltrados pelos monges na Itália”, acrescenta Vergez-Chaignon.
Paralelamente ao julgamento, o bispo de Lyon, Albert Decourtray, encomendou um relatório sob a liderança do historiador René Rémond, Touvier et l’Église, Fayard (Touvier e a Igreja), para lançar luz sobre as ligações entre Touvier e a Igreja. “É um ato contundente da Arquidiocese de Lyon que, ao nomear esta comissão, mostra que está disposta a se dissociar de Touvier e que pretende descobrir a verdade sobre estes vários anos em que esteve foragido. O que se verifica é que se trata, na sua maioria, de indivíduos, de eclesiásticos com aspirações ideológicas, e não de comunidades como um todo que foram seus cúmplices”, conclui a historiadora.
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Quando as comunidades religiosas acolhem ex-criminosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU