07 Mai 2021
Constrangedor. Ursula von der Leyen e os outros líderes europeus caem um após o outro como pinos de boliche após o anúncio surpresa do presidente dos EUA, Joe Biden, de abertura para o compartilhamento de patentes das vacinas anti-Covid. A UE era contrária, assim como os EUA, de resto. Em poucas horas, eis se materializar a inversão em U, ditada por Washington. Mas esta não é apenas uma história de propriedade intelectual. É uma história de reposicionamentos geopolíticos que já pode ser definido como histórico.
A virada de Biden de fato atende ao pedido feito desde janeiro pela Índia, junto com a África do Sul. É usado para retirar Nova Délhi, em pane pelo Covid, da influência chinesa. Bruxelas também segue Washington nisso. Tanto que nos próximos dois dias no Porto, sob a presidência portuguesa da UE, não só os líderes vão discutir a questão das patentes, mas também vão realizar uma cúpula UE-Índia para relançar, em conjunto com Narendra Modi, as negociações para um acordo sobre a livre troca suspenso já há 8 anos. Resumindo, acabada ou pelo menos congelada a Rota da Seda, agora a nova aventura é o Taj Mahal.
A reportagem é de Angela Mauro, publicada por Huffington Post, 06-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mas vamos começar com as 'cambalhotas' europeias para acompanhar a virada estadunidense. A mais constrangedora é aquela da presidente da Comissão Europeia von der Leyen, que apenas duas semanas atrás, em entrevista ao New York Times, se definiu "não amigável" à ideia de compartilhar as patentes. Hoje, após o sinal de Washington, ela é a primeira a se reposicionar: "Estamos disponíveis a discutir como a proposta dos EUA de renúncia à proteção dos direitos intelectuais para vacinas anti-Covid possa ajudar" no combate à pandemia em nível global.
Em segundo lugar no ranking, depois von der Leyen, podemos inscrever o comissário de Indústria Thierry Breton, que, nos últimos meses, nada fez além de repetir, sempre que tinha oportunidade, que o compartilhamento de patentes não resolve o problema das cadeias de produção, que é preciso o know-how, a mecânica, os componentes etc. Agora Breton diz: “É hora de abrir uma nova fase: enfrentar a questão das patentes para aumentar a produção global nos próximos anos”.
Os alemães são mais frios. De Berlim, o chanceler Heiko Maas informa que a Alemanha está "aberta" à discussão. Emmanuel Macron, por outro lado, diz que é "totalmente favorável". Em Haia, são pegos de surpresa. O governo Rutte (formalmente não no cargo, negociações ainda em curso após as eleições de março) sempre foi absolutamente contrário ao considerar o compartilhamento de patentes uma verdadeira "nacionalização" da indústria farmacêutica: o diabo para os holandeses. Agora, porém, a ministra do Comércio Exterior, Sigrid Kaag, considera o anúncio dos EUA “um bom sinal para acelerar a produção de vacinas. Vamos discutir isso”.
Os líderes europeus, que nos últimos meses foram os destinatários de apelos para a partilha das patentes por várias organizações internacionais, vão falar sobre o tema no Porto, mas Merkel não estará presente. Estará online de Berlim. Oficialmente, para não se afastar da difícil gestão da pandemia, que está afundando sua aliança de governo nas pesquisas, em vista da votação de 26 de setembro. Mas, para dizer o mínimo, a ausência vem a calhar para ela.
Porque a nova linha europeia - ou melhor, transatlântica – de aproximação com a Índia é uma renegação para a chanceler, primeira patrocinadora do acordo sobre os investimentos com a China, assinado em dezembro passado após sete anos de negociações. Foram os mesmos anos em que a UE suspendeu as negociações com a Índia: no sábado, serão reiniciadas. Apenas poucos dias atrás, o vice-presidente da Comissão Europeia Valdis Dombroviskis rompeu o alinhamento com a China: "Suspendemos os nossos esforços para sensibilizar os Estados e o Parlamento Europeu para a ratificação" do acordo sobre os investimentos com a China, porque não existe o contexto político adequado.
Os democratas voltam à Casa Branca e a União volta a mergulhar no eixo transatlântico, depois do parêntese de Trump, uma espécie de 'recriação' para o velho continente, que, sob a liderança de Merkel e dos interesses alemães, se vinculou à China e, em outros aspectos, com a Rússia. Um ciclo se fechou. A chanceler não estará mais no comando a partir das eleições de setembro. A Europa opta por ficar com Washington, afastando-se de Moscou e Pequim e aceitando que em escolhas estratégicas como patentes a 'cabeça pensante' esteja do outro lado do oceano.
Não é nem mesmo uma questão de direitos humanos, nada disso. Em março, como um sinal de uma primeira crise nas relações com Pequim, Bruxelas decidiu sanções para quatro oficiais chineses por violações dos direitos humanos no Xinjiang, desencadeando as contra-sanções chinesas contra eurodeputados, parlamentares nacionais e grupos de think-tank europeus. Mas enquanto o diálogo e os acordos eram geopoliticamente sustentáveis, nunca houve uma reação europeia contra a repressão em Hong Kong, por assim dizer. Com Modi, o mesmo filme poderia se repetir. Na Índia, os camponeses atingidos pela reforma agrária do premiê, que liberaliza o mercado agrícola, continuam protestando. A questão "está na mesa", se limitam a responder embaraçadas as fontes europeias.
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Sim a Modi sobre a vacina “livre”. A UE segue Biden e deixa Xi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU