03 Março 2021
“A lição é clara: a busca obstinada de eficiência de curto prazo comprometeu a resiliência do sistema de saúde e, por extensão, da economia. Ela também ameaça a permanência do vínculo social, uma vez que o distanciamento físico rigoroso deve compensar a falta de preparação devido à falta de recursos médicos adequados”. A reflexão é de Robert Boyer, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 02-03-2021. A tradução é de André Langer.
Robert Boyer é economista, diretor de pesquisa do CNRS (Centro Nacional para a Pesquisa Científica), diretor de estudos da EHESS (Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais) e pesquisador do Cepremap (Centro para a Pesquisa Econômica e suas Aplicações).
Impulsionado pelo crescimento provocado pela inovação financeira e pela disseminação internacional de suas normas, gerentes, ministros das Finanças, banqueiros centrais e especialistas há muito tempo estão de olho nos preços das ações e nos movimentos dos indicadores financeiros.
Com a irrupção, em 2020, da Covid-19, agora esses mesmos atores iniciam todas as suas intervenções com uma avaliação da situação da saúde, pois é a partir de uma antecipação ou não de uma vitória sobre a pandemia que eles tomam suas decisões. É claro que o tempo do vírus e de suas mutações não é o das cotações da bolsa, nem mesmo do calendário político, em particular o calendário eleitoral, como mostram os resultados das eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Chegou a hora de se debruçar sobre os danos da “visão de curto prazo” das políticas econômicas, entendida como a gestão eficaz de sociedades sujeitas mais à vigilância dos financiadores do que ao controle dos cidadãos.
Na tentativa de reduzir o déficit das finanças públicas, os gastos com saúde foram os primeiros a serem afetados por medidas de redução de custos, na hipótese de que seu crescimento refletia uma má gestão. Isso era para esquecer que eram em grande parte o resultado da própria natureza dos progressos médicos em resposta a novas doenças, incluindo as crônicas.
No hospital, por exemplo, os estoques (leitos hospitalares) foram substituídos por fluxos (internações-dia), o trabalho dos cuidadores foi taylorizado e seu controle substituído por uma gestão administrativa por indicadores, para que seja garantida uma alocação eficiente dos recursos disponíveis... sem, portanto, necessidade de aumentá-los.
Da mesma forma, por que manter estoques de máscaras médicas quando o perigo de epidemias graves diminui e ainda há tempo para encomendá-las, em caso de necessidade? Além disso, essas máscaras são realmente eficazes? No caso dos medicamentos, o imperativo é a redução dos custos para não sobrecarregar o orçamento da Seguridade Social. A indústria farmacêutica está mudando silenciosamente seus centros de produção para a China ou a Índia.
Assim, uma série de decisões aparentemente bastante racionais levou ao pânico da primavera de 2020. Os leitos de reanimação não são suficientes para enfrentar a explosão de infecções e as equipes médicas devem racionar o acesso à terapia intensiva. Se as máscaras estiverem faltando, mesmo para a equipe médica, não importa, pois elas não se mostraram eficazes!
Para sua surpresa, as autoridades sanitárias descobriram na primavera de 2020 que certos princípios ativos não estavam disponíveis em território nacional, enquanto a licitação para sua aquisição em escala internacional era intensa.
A lição é clara: a busca obstinada de eficiência de curto prazo comprometeu a resiliência do sistema de saúde e, por extensão, da economia. Ela também ameaça a permanência do vínculo social, uma vez que o distanciamento físico rigoroso deve compensar a falta de preparação devido à falta de recursos médicos adequados.
Uma observação semelhante emerge das dificuldades das empresas francesas – mas não dos pesquisadores franceses que trabalham no exterior – em mobilizar as competências necessárias para obter vacinas e, por extensão, terapias para tratar os casos mais graves de Covid-19. Com efeito, para além da reiteração de declarações governamentais a favor da inovação, ao longo dos anos, as arbitragens de Bercy implicaram uma estagnação da participação das despesas com pesquisa e desenvolvimento no Produto Interno Bruto (PIB).
Isso atinge particularmente a pesquisa biomédica, que requer recursos significativos. Além disso, as grandes empresas farmacêuticas demoram para entrar no setor da biotecnologia. Elas preferem adquirir start-ups promissoras e gerenciar seu portfólio de patentes, em vez de atrair a pesquisa para dentro delas. Em suma, a busca do interesse privado não coincide, ou não coincide mais, com o interesse da comunidade nacional.
Uma vez que pretendemos redescobrir o sentido do longo prazo e fazer prevalecer os interesses dos cidadãos, impõe-se o retorno a uma ou outra forma de planejamento, renovado e adaptado à internacionalização das economias.
Uma primeira e modesta medida seria que qualquer lei de finanças anual incluísse um anexo crucial: uma primeira avaliação das consequências de médio e longo prazo sobre todas as principais variáveis representativas do modo de desenvolvimento.
Uma segunda proposta visa restaurar um cálculo econômico público. A Covid-19 mostrou que um evento de baixa probabilidade, mas com consequências devastadoras, tende a ser negligenciado nas decisões do dia a dia. No entanto, durante muito tempo, os economistas desenvolveram técnicas para levar em conta as externalidades, eventos raros mas graves e o impacto de longo prazo das decisões de curto prazo. Não há mais necessidade de medida conjuntural sem justificativa pelo cálculo econômico público.
Finalmente, a perda de consideração do planejamento francês é imerecida. Seu objetivo nunca foi fazer surgir campeões nacionais, mas antes garantir a coerência de um modo de desenvolvimento. Em particular, trata-se de harmonizar a oferta de todos os serviços públicos (educação, saúde, pesquisa, cultura, infraestruturas, etc.) que constituem o viveiro da atividade econômica e da inovação. Em um país onde o gasto público representa tal proporção do PIB, esse objetivo é fundamental. É também uma forma de organizar uma concertação social e introduzir um contrapeso à onipotência das finanças internacionais.
Talvez o futuro da democracia esteja em jogo. Charles Tilly nos ensinou que ela se apoia sobre dois pilares. Um governo deve, primeiro, ser capaz de responder às demandas dos cidadãos e não apenas dos detentores da dívida pública. Mas ele também perde toda a credibilidade se sua administração se mostrar incapaz de entregar os serviços e programas que prometeu à opinião pública. No entanto, este é um dos efeitos, um tanto negligenciado, da crise da saúde: o de aumentar a desconfiança na democracia.
Seria trágico perder novamente a oportunidade aberta por uma grande crise.
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Um retorno ao longo prazo. Artigo de Robert Boyer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU